Escassez, fixação e provimento de profissionais é tema de seminário [1]
Primeiro grande evento promovido pela SGTES no ano reúne gestores, formadores e estudantes para discutir estratégias para atrair e manter trabalhadores da saúde em áreas remotas e vulneráveis
Primeiro grande evento promovido pela SGTES no ano reúne gestores, formadores e estudantes para discutir estratégias para atrair e manter trabalhadores da saúde em áreas remotas e vulneráveis
Embora tenha se voltado prioritariamente para a discussão da situação do profissional médico, ao reunir gestores, formadores e estudantes, o ‘Seminário Nacional sobre Escassez, Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde em Áreas Remotas e de Maior Vulnerabilidade’ trouxe à cena desafios atuais do Sistema Único de Saúde e que, por isso, ultrapassam as barreiras das profissões. Primeiro grande evento do ano promovido pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (SGTES/MS), o seminário reuniu cerca de 200 pessoas no auditório do hotel Kubitschek Plaza em Brasília nos dias 13 e 14 de abril.
Na abertura do evento, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, comentou a grande quantidade de eventos no campo da saúde para destacar a missão do seminário. “Às vezes a área faz tantos seminários que até desanima. Em menos de cem dias a SGTES consegue reunir todo mundo que tem poder para decidir sobre o problema. Nós não podemos frustrar a expectativa que todo mundo tem de que este não seja apenas mais um seminário. Precisamos sair daqui com diretrizes objetivas sobre o que o governo pode fazer sem mudar a lei e sobre aquilo que precisa ser enviado para o Congresso”. As propostas discutidas no evento devem ser sistematizadas em um relatório que servirá como subsídio para o planejamento das ações a serem implementadas a partir de análise e pactuação das três esferas de governo.
Padilha defendeu que as discussões tivessem como um dos princípios o tema da qualidade no SUS e lembrou de algumas mudanças pelas quais o país vem passando que transformam as necessidades de saúde da população. “Em um país onde os acidentes de moto crescem é possível ter escolas que não tenham serviço de urgência e emergência para formar profissionais preparados para essa atenção?”, questionou. De acordo com o ministro, o serviço de saúde e a formação devem se reorientar a partir da perspectiva do usuário. “Cerca de 27% das mulheres relatam terem sofrido algum tipo de violência, seja oral ou de outra natureza, na assistência ao parto. Temos que mudar isso. Meu sonho é ter o celular de cada uma das 3,2 milhões de gestantes brasileiras e expor para o gestor onde ocorreu o problema” afirmou, lembrando que o Ministério da Saúde pretende criar um serviço de ouvidoria ativa para monitorar o problema.
O ministro também ponderou que para qualificar o cuidado é preciso que sejam criadas condições para que os trabalhadores prestem esse cuidado. “Os profissionais precisam ter direitos garantidos e condições materiais para exercer a sua prática, sem o sentimento de que se precisarem do apoio diagnóstico, da segunda opinião e da atualização não as terão a seu dispor”.
O papel do Estado na regulação do mercado da saúde também mereceu destaque na fala de Padilha. “A formação vai responder à realidade da escola, do mercado ou do SUS? O mercado não se enfrenta com só formação ou indução financeira. Não se enfrenta o mercado sem uma estratégia pública de regulação. Não existe país com sistema público de saúde sem estratégia de indução. Precisamos dizer quantos profissionais queremos, aonde queremos e quais são as especialidades que queremos, de acordo com as necessidades do SUS”.
Experiências e desafios
A primeira mesa de debates do seminário recebeu o nome de ‘Experiências e Desafios – Limites e Possibilidades sobre o Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde’. As exposições foram basicamente divididas entre experiências internacionais e o contexto brasileiro, tendo o primeiro tema sido objeto da palestra do consultor da área de Recursos Humanos da Organização Mundial da Saúde (OMS), Hugo Mercer, e o segundo da fala do secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Milton de Arruda Martins.
Mercer trouxe experiências de países tão diversos como Estados Unidos, Canadá, Índia, México, Peru e Chile para traçar um panorama de como vem sendo enfrentada a falta de médicos dispostos a atuarem em regiões remotas e vulneráveis. Ele lembrou que muito do que estava em jogo já havia sido discutido no ‘Seminário Internacional sobre a Fixação de Profissionais de Saúde em Áreas Remotas, Isoladas e de Maior Vulnerabilidade', que aconteceu em Recife em novembro de 2009 e também foi promovido pela SGTES. Segundo Mercer, dois grupos de fatores devem ser levados em consideração para analisar o problema. O primeiro pode ser resumido a partir de perguntas: porque as pessoas vão, permanecem e abandonam lugares remotos e rurais? Já o segundo reúne intervenções que devem ser pensadas juntas e são de natureza educativa, regulatória, financeira (incentivos financeiros, diretos e indiretos) e de ‘ambiência’ (ambiente social adequado).
Mercer lembrou ainda algumas das recomendações do relatório de 2010 da OMS, que diz que serão mais efetivas políticas de fixação no âmbito da educação que privilegiarem o acesso aos alunos do meio rural, a implantação de escolas fora das principais cidades, a ‘rotação dinâmica’ dos profissionais dentro da rede de serviços e o desenvolvimento permanente dos trabalhadores. Segundo ele, a América Latina tem uma oportunidade histórica pára resolver o problema. “Hoje, existe solidariedade regional, crescimento econômico, inclusão social, extensão de direitos de cidadania, incentivos financeiros e vontade política dos Estados”.
Nesse sentido, Milton Arruda abriu sua fala ressaltando a importância da articulação. “Nenhuma política será implementada sem que haja uma discussão e um consenso tripartite. O debate com instituições formadoras, profissionais e trabalhadores também vai ter papel central. Existem questões polêmicas, mas o diálogo é fundamental”. O secretário acrescentou que devem ser adotadas estratégias conjuntas para todos os profissionais da saúde, mas também que devem ser pensadas políticas para categorias específicas. “Mas sempre no contexto de uma visão geral”.
Arruda também destacou a importância da parceria entre os ministérios da Saúde e da Educação e afirmou a necessidade de várias frentes de ataque ao problema. “Há a necessidade de múltiplas estratégias: intervenções educacionais e regulatórias, incentivos diretos e indiretos, suportes sociais e profissionais, respeitando as diversidades regionais”.
Visão dos gestores
A tarde do primeiro dia do seminário foi dedicada ao debate do tema 'Necessidades e Estratégias de Provimento e Fixação de Profissionais da Saúde no SUS', visto sob as perspectivas dos gestores. O primeiro a falar foi o secretário de Atenção à Saúde, Helvécio Miranda, que relembrou a diretriz da gestão Padilha de ampliar o acesso à saúde com qualidade. “Nesse sentido, a SAS tem como papel ser a gestora das redes de atenção à saúde. Montar uma rede exige estrutura, equipamentos, logística, mas, fundamentalmente, para existir produção de cuidado precisa haver gente qualificada, afeita e satisfeita com o SUS. Nesse sentido, torna-se central o tema da escassez de profissionais, especialmente médicos, em muitos pontos do nosso país”, afirmou. Segundo o secretário da SAS, há indícios da falta de profissionais desde o nível básico, como nas equipes da Estratégia de Saúde da Família, até na atenção especializada.
O diretor do Departamento de Atenção Básica da SAS, Heider Pinto, ressaltou a cobertura da Saúde da Família, que conta com 240 mil agentes comunitários de saúde em 32 mil equipes que estão em 97% dos municípios brasileiros. Heider também destacou alguns gargalos da gestão do trabalho em saúde: precarização e não garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários; dificuldade para prover e fixar profissionais, sobretudo médicos; alta rotatividade e existência de um mercado predatório entre os municípios que disputam profissionais entre si. “A ESF vem mostrando ser efetiva também nas metrópoles, nos municípios com mais de 100 mil habitantes, ao contrário de argumentos que diziam que a Saúde da Família só daria certo em pequenas cidades”, ponderou, acrescentando: “Nesse sentido, é importante não só formar médicos generalistas e enfermeiros, mas também técnicos em enfermagem, em saúde bucal e agentes comunitários de saúde para compor as equipes”. Para ele, no entanto, ainda é preciso construir uma maior articulação para superar a dicotomia entre a Unidade Básica de Saúde e a rede de urgências. “Não podemos pensar na unidade como um lugar da prevenção e promoção e a rede de urgência como o lugar que socorre o usuário quando ele precisa de verdade”.
Para Beatriz Dobashi, presidenta do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), a articulação que permite aos profissionais da saúde uma visão mais completa e efetiva da rede pode até ser enfrentada pela educação permanente, desde que ela supere sua fragilidade. “Nós não conseguimos alterar o processo de trabalho efetivamente com as políticas de educação permanente. Ainda temos feito muitos treinamentos que são segmentados, que olham uma parte da atenção, uma parte da atuação de um profissional específico. A gente tem tido dificuldade de enxergar a equipe em um trabalho conjunto. Isso leva a um ônus operacional e financeiro para os gestores e não muda processo de trabalho”.
O fator financeiro também foi apontado pela presidenta do Conass como um entrave. “Temos a Lei de Responsabilidade Fiscal e quando a gente está falando de saúde, temos uma organização social que só se faz pelo trabalho de pessoas: são pessoas cuidando de pessoas. Não dá para trabalhar com esse tipo de limite que penaliza quem tem menor receita e fica com piores possibilidades de fixar os profissionais”.
O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Antônio Nardi, anunciou que os grandes eixos trabalhados pela diretoria do órgão, levando em conta as dificuldades do gestor municipal de saúde, são a fixação de profissionais, em especial, médicos; os prejuízos na prestação dos serviços de saúde à população dessas áreas fragilizadas; e a necessidade de debate e busca de saídas solidárias e cooperativas entre as três esferas. Ele ressaltou que a solução exige estratégias múltiplas e combinadas, tais como gestão da educação e do trabalho, regulação e incentivos financeiros.
Segundo dia
No segundo dia do seminário, a primeira mesa foi dedicada às ‘Iniciativas Educacionais Relacionadas ao Provimento e à Fixação de Profissionais no SUS’. Os principais temas debatidos foram a graduação e a residência médica como fatores de fixação de profissionais da saúde. Os participantes – representando órgãos como Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e Comissão Nacional de Residência Médica do Ministério da Educação – demonstraram preocupação sobre o tipo de médico que as instituições estão formando, em sua maioria, sem comprometimento com o SUS.
Na rodada de debates, a diretora de Ações Técnicas em Educação na Saúde do Deges, Clarice Ferraz, reiterou que o médico é importante, mas que o acesso com qualidade ao SUS depende também de outros profissionais. “Um tema fundamental é como podemos recriar o processo de trabalho em saúde. A gente precisa pensar que o médico é importante, que há carência e como, em conjunto, podemos nos aliar a essa causa, a esse processo porque o que queremos de fato é acesso com qualidade. E isso pode ser provido com equipe. A questão da equipe é fundamental. Tenho certa clareza de que se tivermos bons técnicos de enfermagem, se avançarmos na qualificação do agente comunitário de saúde, no técnico em radiologia, hemoterapia, citopatologia, nós podemos ter um grande apoio à tomada de decisões dos médicos”, defendeu.
A segunda mesa de debates teve como tema central ‘Estratégias de provimento e fixação de profissionais de saúde no SUS’. Nesse sentido, foram expostas experiências como a do Exército, da Secretaria Municipal da Saúde de Belo Horizonte (SMSA) e da Fundação Estatal Saúde da Família da Bahia.
No encerramento do evento, o secretário Milton Arruda afirmou que o objetivo do seminário havia sido cumprido. “Esse seminário marca uma posição do Ministério da Saúde, conjunta com o Ministério da Educação, de assumir de forma mais efetiva a ordenação da formação de recursos humanos e a ordenação do trabalho na saúde. Nesse sentido, são três os compromissos: respeitar todas as políticas feitas nos últimos anos, não tomar nenhuma atitude que não seja tripartite e estabelecer diálogo intenso com as entidades profissionais e de trabalhadores”, relatou, anunciando que a SGTES pretende organizar uma série de seminários do gênero e que o próximo deles deve tratar a questão da enfermagem.
Por Joana Algebaile e Maíra Mathias (Secretaria Executiva de Comunicação da RET-SUS)