Outro jornalismo é possível [1]
Como parte das comemorações dos seus 25 anos, a EPSJV promove debate sobre o papel da mídia nas manifestações que estão acontecendo no país e a dinâmica dos meios de comunicação no Brasil. O evento reafirma o papel da escola e da educação profissional frente aos acontecimentos no país.
Como parte das comemorações do aniversário de 28 anos e dos 25 anos dos cursos técnicos de nível médio em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), foi realizado, no dia 22 de agosto, a mesa-redonda Uma visão alternativa dos fatos: outra mídia, outro jornalismo, na qual foi abordado o papel da mídia nas manifestações que estão acontecendo no país e a dinâmica dos meios de comunicação no Brasil. Participaram do debate o jornalista e um dos fundadores da Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), Bruno Torturra, o sociólogo e editor do Le Monde Diplomatique Brasil, Silvio Caccia Bava, e o vice-diretor de Informação e Comunicação do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Rodrigo Murtinho.
Na cerimônia de abertura, o diretor da EPSJV, Paulo César de Castro Ribeiro, ressaltou a importância em realizar o evento na escola. “É essencial ter esse momento de celebração”, disse. Na sua avaliação, a promoção de debates sobre temas que emergem da sociedade fortalece o processo participativo e reafirma o caráter da EPSJV e da Fiocruz. “Somos uma instituição aberta para o diálogo não só com os trabalhadores, mas também com a comunidade em geral”, acrescentou. O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, também participou da mesa de abertura e destacou a importância do evento. “O movimento recente que o país viveu, das manifestações, ajudou a recolocar a questão da saúde como tema central, que precisa adquirir nova forma. Essa comemoração é uma celebração de análise e de revisão do presente e de pensar o futuro”, disse.
A mesa-redonda foi conduzida pela jornalista da EPSJV, Cátia Guimarães. “O fenômeno Mídia Ninja trouxe, no rastro das manifestações, uma discussão sobre a democratização da comunicação e o papel da mídia alternativa”, disse, passando a palavra para Bruno Torturra. Ele discorreu sobre o jornalismo na visão da Mídia Ninja que, segundo Torturra, é apresentada como inimigo da grande mídia. “Jornalismo alternativo implica esforço de resgatar o princípio jornalístico, que é a produção de informação sem interesses comerciais, que conduz ao debate sobre direitos sociais”, explicou.
Em sua análise, o jornalismo está saindo natural e saudavelmente dos jornais de grande circulação e sendo feito pelos cidadãos comuns. “O cidadão começou a questionar a mídia, a descobrir e denunciar fatos, deixando com que a mídia fosse o quarto poder”, observou. Ele lembrou que a mídia sempre teve o monopólio do debate público, através do qual somente ela podia denunciar e narrar os fatos. “As manifestações representaram uma quebra da narrativa. As histórias passaram a ser contadas pelos próprios cidadãos e grupos de comunicação independentes”, destacou.
Torturra fez menção à necessidade de discutir o papel do jornalismo e da comunicação. “Acredito que precisa ser feita uma profunda reforma na comunicação e, para isso, a mídia alternativa é primordial. Precisamos atualizar o sistema de comunicação, demonstrando que não estamos dando conta dos anseios e da felicidade das pessoas”, acrescentou.
O jornalista explicou que a Mídia Ninja é uma rede de jornalismo independente, nascida a partir de coletivos culturais. A ideia era juntar três pontos: a demanda pública por uma comunicação diferente da que existe hoje, pela qual as pessoas não se sentem representadas; a demanda de uma juventude que não está na faculdade; e o sucateamento de uma mão de obra de jornalistas experientes que estão sendo jogados para fora das redações e do mercado. “O plano era juntar essas três questões, mas as manifestações explodiram e fomos para as ruas cobrir sem ter ainda o lastro editorial, teórico e organizacional. A Mídia Ninja não é uma empresa, não quer ser uma empresa, não quer gerar lucro e nem ser um veículo. Nunca tivemos estrutura e uma proposta empresarial. Essa exposição inclusive nos atrapalhou. Mas acreditamos que é mais simples do que parece se comunicar e discutir a sociedade publicamente”, concluiu Torturra.
Coube a Silvio Caccia Bava analisar as manifestações. Ele destacou que, antes delas, o cenário era de movimentos sociais determinados pelo governo, que tentavam desarticular o campo da defesa de direitos. Para Bava, os R$ 0,20 de aumento das passagens de ônibus culminaram na série de manifestações que tomaram o país nos últimos tempos. “Como R$ 0,20 colocam dois milhões de pessoas nas ruas em 400 cidades do país?”, questionou-se. Segundo ele, uma das maiores manifestações, realizada, em junho, no Largo da Batata, zona oeste de São Paulo, reuniu muitos jovens e a maioria (80%) não tinha tido nenhuma experiência nesse sentido. “É que a mercantilização das cidades tem um limite. Transformar a cidade em mercadoria é parte da lógica capitalista. Os processos de urbanização expulsam quem não pode pagar para as áreas mais afastadas. Além disso, os serviços de saúde e educação foram sendo sucateados para forçar as pessoas a migrarem para os serviços privados”, justificou. Os R$ 0,20 centavos, disse ele, foi apenas uma faísca, a exemplo do aconteceu em Cochabamba, na Bolívia, quando a população, ao ir para as ruas lutar pelo direito à água, conseguiu expulsar a multinacional que havia privatizado esse bem público. “No Chile, aconteceu movimento semelhante: a crítica ao sistema educacional implantado pelo governo de Pinochet, de empréstimo educacional, levou 200 mil pessoas para a rua”, comparou.
Na avaliação de Rodrigo Murtinho, a mídia engessa o debate público e não tem pluralidade, trazendo sempre o mesmo discurso. “A internet é um grande meio alternativo para se informar de outra maneira”, orientou. O pesquisador do Icict apresentou dados de uma pesquisa sobre a democratização da mídia, realizada pela Fundação Perseu Abramo, que mostram que 60% da população pensa que os canais de televisão são propriedade privada, enquanto apenas 28,8% sabem que eles são, na verdade, concessões públicas exploradas pela propriedade privada.
Segundo a pesquisa, quando perguntada sobre que interesses os meios de comunicação atual defendem, a maior parte da população acha que os veículos defendem os interesses de seus próprios donos, dos que têm mais dinheiro ou dos políticos. Apenas uma pequena parte acredita que eles defendem os interesses da maioria da população. “A população desconhece que essas empresas atuam por concessão do Estado. É preciso que o debate seja colocado na rua para que as pessoas discutam isso. A comunicação é vista como privada porque é feita dessa forma há muitos anos. Os grandes jornais e a imprensa comercial se desenvolveram amplamente com o apoio do Estado”, observou.
Para Murtinho, o Estado é permissivo na hora de conceder ou fiscalizar as concessões de radiodifusão. “Os políticos não podem estar à frente de serviços públicos e a radiodifusão é um serviço público. Mesmo assim, o Congresso Nacional está cheio de representantes da radiodifusão”, frisou. Ele destacou que outra mudança necessária é da lógica do financiamento da mídia pelo Estado. “Temos que questionar como o Estado financia a mídia. Não há forma de se mudar a lógica se não mudar o financiamento. Quem recebe mais dinheiro tem mais chance de se fortalecer e crescer”, observou.
A EPSJV comemorou ainda seu aniversário, no dia 23 de agosto, com a mesa-redonda Movimentos sociais e juventude: ontem e hoje. O debate teve a participação do presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME) em 1968, Vladimir Palmeira, e da representante do Levante Popular da Juventude do Rio de Janeiro, Ana Marcela Terra. Ao fim do debate, teve apresentação de dança e música de alunos da EPSJV e um bolo de aniversário.
Por Flavia Lima, da Secretaria de Comunicação da RET-SUS