Trabalho propõe atendimento humanizado para pacientes com diabetes [1]
O trabalho ‘A importância da subjetividade para o planejamento do atendimento prestado ao paciente com diabetes mellitus’, de Vanessa Raiza de Moura, formada em 2006 no curso técnico de Gestão em Serviços de Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), no Rio de Janeiro, classifica como desumanizado o tratamento que é dado hoje a pacientes diabéticos, analisa as suas conseqüências negativas e propõe soluções, baseadas na Política Nacional de Humanização, do Ministério da Saúde.
A monografia é dividida em seis capítulos. O primeiro – ‘Da compaixão à solidariedade - a assistência médica dos séculos XVII a XIX’ – faz um breve histórico das práticas assistenciais na saúde. A aluna aponta como o grande problema, já presente nos séculos passados, o fato de, entre profissionais da saúde e usuários, haver uma relação de dominação e controle, na qual não se estabelece diálogo nem vínculos legítimos.
Citando os filósofos Friedrich Nietzsche, Hannah Arendt e Thomas Sazasz, Vanessa explica que o atendimento prestado pelo médico se baseia muitas vezes no sentimento de compaixão, pois ele não reconhece a individualidade de cada paciente, mas, ao contrário, o vê como pertencendo a uma “massa doente” que necessita de ajuda. Isso provoca, então, segundo ela, a submissão e o endividamento do paciente, como se ele tivesse recebido um favor – o “socorro médico” – e precisasse agradecer permanentemente. A alternativa apresentada é a prestação do serviço de saúde por solidariedade, quando, ao contrário do caso da piedade, “cada usuário do sistema é visto como um ser único, com anseios e voz ativa. Com isso, o SUS passa a ser formado por uma comunidade de vários agentes morais que levam em consideração a subjetividade de cada indivíduo, tendo a ética como princípio”, diz Vanessa no texto.
Após descrever os dois tipos de diabetes mellitus – doença crônica na qual a pessoa apresenta nível de glicose no sangue acima do normal –, seus sintomas, formas de tratamento e prevenção, a aluna explora, nos capítulos três e quatro, os conceitos de intersubjetividade e representação social. Para ela, quando queremos levar à frente uma proposta inovadora, como é a de humanização da assistência na saúde, devemos reconhecer o poder transformador dos indivíduos e entender subjetividade como a contínua reconstrução de identidades e não como a permanência de valores. Em seguida, ao abordar a construção de representações, estigmas e imagens de certos grupos pela sociedade, Vanessa defende que, para haver uma convivência inclusiva entre eles, é importante a “aceitação da pluralidade”, ou seja, das diferenças entre os indivíduos. “Portanto, é necessário que os profissionais, na rede pública de saúde, estejam capacitados para reconhecer a si e ao outro como sujeitos singulares que merecem um atendimento baseado nas noções de humanização”, conclui, no final do capítulo.
Pesquisa de campo
A parte cinco da monografia traz os resultados de uma pesquisa qualitativa, cuja necessidade, segundo a aluna, só surgiu durante a elaboração do texto. “Resolvi fazer a pesquisa de campo – entrevistar pacientes diabéticos que se tratam exclusivamente na rede pública de saúde – para contrastar teoria e prática, para que as críticas à desumanização e às propostas do trabalho não soassem utópicas”, explica. O questionário, respondido por quatro diabéticos e avaliado pela aluna segundo a metodologia de análise do discurso, investiga quatro temas: a descoberta da doença pelo usuário do SUS, os seus sentimentos iniciais, o desenrolar do tratamento e as sensações atuais, levando-se em consideração que o diabetes é uma doença crônica.
Os dados fornecidos pelos entrevistados confirmam o diagnóstico feito por Vanessa: todos demonstraram algum tipo de insatisfação em relação à unidade de saúde e ao tratamento dado pelos profissionais, principalmente os médicos. “As reclamações mais freqüentes dos pacientes são as de que eles demoram a serem atendidos, pois a fila de espera é muito grande, os profissionais lhes dão pouca atenção, e faltam medicamentos para doenças que costumam acompanhar o diabetes, como a hipertensão”, conta. A aluna percebeu também que muitas vezes o paciente não adere ao tratamento prescrito porque o vê como uma imposição e não tem espaço para dar sua opinião. “É preciso haver integração entre médico e paciente. Caso contrário, o doente não incorpora o tratamento à sua vida, o que complica o quadro clínico. Os entrevistados ficaram muito satisfeitos quando viram que alguém, no caso eu, estava interessado em ouvi-los, saber o que eles sentem e pensam”, diz.
Alternativa de humanização
No último capítulo, Vanessa cria um fluxograma do atendimento que considera ideal para o paciente diabético, indicando ser preciso mudar inicialmente a gestão das unidades de saúde, através da metodologia do planejamento estratégico, a qual exige um conhecimento geral da organização, suas metas e público, e visa à integração com o ambiente. A aluna cita atividades que deveriam ser desenvolvidas com as equipes multiprofissionais do sistema de saúde, como a capacitação dos profissionais para que entendam a importância da inclusão e a escuta do doente. “Os benefícios seriam muitos, já que haveria uma estrutura para acolher o paciente, visando sempre o reconhecimento deste e dos profissionais como sujeitos singulares e ativos na sociedade, almejando a promoção da saúde”, encerra.