Integração entre ensino e serviço para fortalecer o SUS [1]
Tema foi debatido a partir da perspectiva das Escolas Técnicas do SUS no segundo dia do Seminário Nacional do Profaps
Tema foi debatido a partir da perspectiva das Escolas Técnicas do SUS no segundo dia do Seminário Nacional do Profaps
A mesa-redonda ‘Integração ensino-serviço como prática pedagógica estruturante dos processos de formação profissional técnica das ETSUS’ contou com exposições de Maria Emília Higino [2], diretora de Educação em Saúde da Escola de Saúde Pública de Pernambuco (ESSPE), Suely Cândida Catharino [3], do Conselho Estadual de Educação do Mato Grosso, Maria Ivanília Timbó [4], coordenadora de Educação Profissional da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE) e Ewângela Cunha [5], coordenadora pedagógica da Escola Técnica do SUS Profª Ena de Araújo Galvão.
Primeira a falar, Maria Emília relatou o panorama atual da educação permanente em saúde no estado de Pernambuco. Como marco inicial, ela situou a criação da Secretaria Executiva de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde em 22 de novembro de 2008 e o consequente rearranjo organizacional que transportou várias estruturas que antes pertenciam à coordenação de Recursos Humanos para o novo órgão.
De acordo com ela, a mudança possibilitou que o estado gerisse melhor uma série de situações vinculadas à educação permanente em saúde. Para começar, se pôde fazer uma escala da clientela. “Há uma enorme ampliação de necessidades em razão da grande quantidade de novos postos de trabalho criados pela descentralização. Além disso, a clientela é diversa, pois além dos profissionais de saúde, incluem-se profissionais de outras áreas (engenharias, ciências sociais, pedagogia, direito, etc.), para cumprir as tarefas da interdisciplinaridade e da intersetorialidade, e também os cidadãos usuários, para cumprir tanto as tarefas do controle social quanto as de responsabilização para a autonomia”.
Maria Emília, também lembrou que a educação permanente é um conceito desenvolvido no campo da educação para pensar a ligação entre educação e trabalho, lançando mão da aprendizagem significativa, da relevância social do ensino e das articulações da formação para o conhecimento e formação para a vida (exercício profissional com saberes e técnicas científicas e com uma ética da vida e das relações). “O conceito-chave para a formação de profissionais e capacitação de cidadãos é o empoderamento. O perfil profissional requerido mescla capacidades técnicas e políticas para solucionar problemas complexos, com a capacidade de aprender com a prática no sentido de mobilizar conhecimentos a partir da experiência anterior e buscar novos conhecimentos a partir da prática atual e também com a capacidade de investigar e produzir inovação a partir da prática”.
A diretora de Educação em Saúde da ESPPE lembrou que para dar conta da educação permanente é preciso fazer três reformas: programática, pedagógica e do desenho organizacional. “Com isso, é possível construir um novo modelo, que propicie o trabalho cooperativo, a interação entre as experiências individuais e coletivas, a mobilização dos distintos saberes envolvidos no objeto saúde e fomente a autonomia e a responsabilização dos profissionais, ampliando seu compromisso com a missão institucional e com os resultados em saúde”, disse. Para ela, também é necessário flexibilizar o planejamento de modo que os trabalhadores possam se beneficiar da aprendizagem institucional que se dá no transcurso das ações, tendo como norte a ideia de que o plano deve dar lugar ao processo, transformando normas rígidas em diretrizes flexíveis baseadas na produção e análise de fluxo constante de informações sobre a realidade e sobre as ações institucionais, seus processos e resultados. “Para isso, também é preciso haver uma reorientação estratégica do ensino, da pesquisa e da gestão visando contribuir pra ampliar a capacidade e qualidade da governança em saúde”, pontuou.
Maria Emília lembrou da portaria nº 1.996 que instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde para ressaltar a importância da vinculação das ações da educação permanente aos planos de saúde, seja nos âmbitos municipal, regional ou estadual. “É preciso que os estados institucionalizem as suas CIES [Comissões de Integração Ensino-Serviço] e que os gestores municipais sejam qualificados para a atuação tanto nas CIES quanto nos CGRs [Colegiados de Gestão Regional] para que demandem processos educativos com base nas necessidades do SUS”. Ela contou ainda que os eixos do plano 2010/2011 de Pernambuco são: linhas de cuidado; gestão; formação e integração ensino-serviço e pesquisa; formação profissional; e mobilização e controle social.
Para ela, o papel da ESPPE é identificar as necessidades dos serviços e cenários de prática e formação, estabelecendo pactos de contribuição docente e discente. “Para se compreender o que o estudante formará sobre o estabelecimento de vínculo entre usuários e serviços, representado pela relação com o profissional que o atende, seria necessário que o professor estivesse no serviço e se sentisse parte dele a ponto de também se ver representado por tal serviço. Sem o diálogo permanente não será possível gerar novas formas de interferir no processo de trabalho, na organização da assistência, nem no processo educativo da formação de um novo trabalhador”, acredita.
Perspectiva dos conselhos
A conselheira do CEE Mato Grosso começou sua exposição lembrando que o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020, que está sob avaliação do Congresso Nacional, estabelece para a educação profissional e, particularmente para a educação profissional técnica de nível médio, parâmetros e diretrizes que conformam a integração do processo de ensino com os serviços como prática pedagógica estruturante dos processos de habilitação profissional técnica. “Ele estabelece uma perspectiva de resgate da compreensão dos meios de produção contemporâneos, das relações sociais e das relações de trabalho com ênfase no ser humano, no tipo de formação precisa contemplar, sobretudo, o trabalho, a cultura, a ciência e a tecnologia”.
Ela destacou as metas 10 e 11 do PNE, que dizem, respectivamente, que o Estado deve oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio e deve duplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta.
Suely também falou sobre competências profissionais na perspectiva da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96); do decreto 5.154/2004 e da lei nº 11.741 de 2008 que altera o capítulo III da LDB que trata sobre a Educação Profissional e Tecnológica. “Ser competente é ser capaz de mobilizar conhecimentos, informações e até mesmo hábitos, para aplicá-los, com capacidade de julgamento, em situações reais e concretas, individual e coletivamente”, explicou, dizendo que as competências profissionais devem ser definidas com clareza, a partir da identificação de perfis profissionais de conclusão que podem ser de três tipos: básicas, que são garantidas essencialmente pela educação básica, em especial no ensino médio; gerais, que são aquelas comuns ao conjunto de profissionais do mesmo eixo tecnológico; específicas, próprias da habilitação profissional técnica de nível médio ou da graduação tecnológica; e técnicas, que exigem conhecimento tecnológico e cultivo dos valores da cultura do trabalho.
“A melhoria na qualidade da educação profissional pressupõe uma educação básica de qualidade e constitui condição indispensável para o êxito num mundo pautado pela competição, inovação tecnológica e crescentes exigências de qualidade, produtividade e conhecimento”, sinalizou.
A conselheira falou ainda sobre estágios, explicando que o estágio obrigatório é definido como pré-requisito no plano de curso para conclusão da formação e obtenção do diploma, conforme previsto pela lei 11.788/08, enquanto que o não-obrigatório é uma atividade opcional acrescida à carga horária regular e obrigatória, de acordo com o que dispõe a mesma lei. “O estágio deve ser entendido como um ato educativo intencional de competência da instituição de ensino que deve integrar a plano de curso, devendo ser planejado, executado e avaliado em conformidade com os objetivos propostos”, afirmou. Ainda segundo Suely, o estágio profissional deve ser realizado em locais que tenham efetivas condições de proporcionar aos alunos estagiários as experiências profissionais pela participação em situações reais de trabalho, enquanto que o estágio supervisionado deve ter acompanhamento efetivo do docente orientador da unidade operacional e por supervisor da parte concedente do estágio, comprovado pelos instrumentos.
Experiência do Ceará
Maria Ivanilia resgatou um pouco das histórias das iniciativas de integração ensino-serviço no Brasil. De acordo com ela, foi na década de 1970, com a implementação da Integração Docente Assistencial (IDA) que primeiro se refletiu sobre a necessidade de implementar mudanças nas relações entre o serviço e o ensino, considerando a realidade demográfica, as necessidades de saúde e o perfil do usuário dos serviços. “Nos anos 80 o programa UNI teve como propósito formar profissionais de saúde buscando a conformação de perfis para o SUS, através de mudanças significativas na formação”, disse. Segundo ela, o programa se baseou na parceria entre universidades, serviços de saúde e comunidade, como alicerce para os processos de transformação da educação dos profissionais.
As iniciativas mais recentes lembradas por Ivanilia foi a instituição, em 2005, do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e, em 2007, do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde).
Como iniciativas das esferas de gestões do SUS de transformá-lo em um Sistema de Saúde Escola vem da necessidade de transformar a rede de serviços de saúde em espaço de assistência, ensino, pesquisa extensão tendo como diretrizes a saúde como qualidade de vida; a interdisciplinaridade e a colaboração interprofissional; a tutoria ou preceptoria em serviço; e o território como espaço de atuação.
Ivanilia também citou a LDB lembrando a lá é preconizada a inserção de professores e estudantes nos serviços existentes nas respectivas localidades para que se fortaleça a parceria ensino-serviço. Também lembrou da portaria 1.996 que prevê a integração entre o ensino, o serviço, a formação e a gestão setorial; desenvolvimento institucional e controle social, eixos que formam um “quadrilátero” da educação permanente em saúde. “Também não podemos deixar de citar a nossa Constituição que em seu inciso III diz que ao SUS compete ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde”, ressaltou.
Ivanilia explicou que o papel da ESP-CE é contribuir com o processo de efetivação do SUS através da formação dos trabalhadores que atuam no Sistema através de uma proposta curricular norteada nas competências do exercício profissional pautada nas necessidades do SUS e desenvolvida através da abordagem por competência com o diferencial de utilizar metodologias ativas, como a problematização. “A COEPS, que em 2011 está oferecendo 13 cursos com 3.106 participantes, tem a missão específica de contribuir para o fortalecimento do SUS por meio de programas de formação inicial e continuada de trabalhadores, educação profissional técnica de nível médio e de educação permanente dos profissionais de nível medo, de desenvolvimento de projetos de extensão e investigação científica na área da saúde”.
Reflexões
Ewângela Cunha propôs algumas reflexões a partir da observação do processo de trabalho. Párea ela, a temática da integração ensino-serviço tem sido bastante discutida, contribuindo para a transformação dos processos formativos, tendo como marco a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. “Na educação permanente, o serviço passa a ser o lócus privilegiado dos processos de ensino-aprendizagem na área da saúde e as Escolas Técnicas do SUS são as instâncias formadoras que possuem o trabalho como princípio educativo e metodologia problematizadora como proposta pedagógica”.
Ainda segundo ela, a integração ensino-serviço é um assunto complexo com vários aspectos e dimensões importantes para o SUS e a educação profissional em saúde, no entanto, ela considera que a questão dos docentes das ETSUS precisa ser mais discutida. “As escolas não apresentam corpo docente fixo e esse corpo tem vinculação temporária. Na sua maioria, são profissionais da rede pública. A realidade de Mato Grosso do Sul é diferente, porque o estado dispõe de um banco de docentes credenciados. Apesar de não fazerem parte de um corpo docente fixo, muitos atuam com freqüência na Escola, ao longo de sua carreira profissional”, afirmou.
Como pontos positivos, ela citou o fato de serem profissionais da rede com condições de problematizarem a realidade do trabalho. “Ao atuar como docente esse profissional da saúde costuma estudar, pesquisar e atualizar seus conhecimentos para ministrar as aulas com qualidade e isso contribui para a qualidade dos processos formativos, além da melhoria da qualidade dos serviços oferecidos na rede”.
Para Ewângela, alguns pontos devem ser modificados. “Esse profissional que atua como profissional da saúde e como docente não têm essa última dimensão, por exemplo, incorporada em sua aposentadoria. Há que se encontrar formas diferentes e inovadoras para solucionar essa problemática. Podemos pensar, por exemplo, na possibilidade desse profissional atuar uma parte de sua carga horária de trabalho como profissional de saúde e outra parte como docente”, propôs, concluindo: “Dessa forma, o profissional passará a se dedicar muito mais aos processos formativos prioritários da escola. Poderá envolver suas equipes de trabalho e provocar intervenções que modifiquem de fato os serviços”.
O segundo aspecto citado pela coordenadora pedagógica da ETSUS Mato Grosso do Sul foi a dificuldade enfrentada pelos alunos-trabalhadores. “Nosso público são os trabalhadores de nível médio do SUS que atuam sem a devida qualificação. Detectamos dificuldades dessa clientela frequentar os cursos por não ter um auxílio financeiro como, por exemplo, uma ajuda de custo para sua deslocação”, ponderou. Ewângela lembrou que os profissionais de nível superior em alguns projetos de especialização e mestrado possuem bolsas para conseguir frequentar os cursos. “Por que os trabalhadores de nível médio também não podem garantir isso, em seus projetos formativos?”, questionou.
Ewângela ressaltou também a necessidade de se implementar a Política de Planos de Carreiras, Cargos e Salários (PCCS) no SUS. “Os trabalhadores estão desmotivados e desvalorizados. Muitos já possuem uma formação superior à exigida pelo cargo, mas isso não se reflete em sua carreira”. Para ela, um outro aspecto que merece ser debatido é a sensibilização dos profissionais da rede que atuam em setores onde ocorrerá algum processo formativo. “Tal sensibilização deve anteceder a formação propriamente dita, mas quase sempre não é feita com o tempo, o planejamento e a metodologia adequados”. A coordenadora sugere que deve haver financiamento para essa ação, uma vez sua realização necessita de reuniões para se desenvolver pesquisas e levantamentos dos problemas existentes nos processos de trabalho junto às equipes de trabalho, chefias e comunidade em geral.
O último aspecto destacado foi o campo de estágio e prática nos cursos técnicos desenvolvidos pela ETSUS. “Esse campo hoje está restrito e as ETSUS disputam acirradamente esses campos com a iniciativa privada. Isso dificulta a execução de cursos na alta complexidade, como os técnicos em Radiologia e Enfermagem. É necessário pensar em alternativas que priorizem a atuação das ETSUS, que são instâncias formadoras dos trabalhadores de nível médio do SUS”, defendeu.