Balanço dos 25 anos do SUS [1]
especial
Balanço dos 25 anos do SUS
O sistema público de saúde é considerado um dos maiores projetos públicos de inclusão social, mas ainda inconcluso
Flavia Lima
O objetivo do governo federal é chegar, ainda em 2015, a um total de 18.247 médicos em mais de quatro mil municípios. A meta faz parte do programa Mais Médicos, que completará dois anos no segundo semestre. Tema da matéria de capa desta edição da Revista RET-SUS, a proposta tem como foco fixar profissionais em áreas que sequer tinha um médico residente, bem como rever as diretrizes curriculares dos cursos de medicina, evidenciando a importância da atenção básica e o fortalecimento das equipes multiprofissionais de saúde.
Em vista da 15ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), a realizar-se de 1º a 4 de dezembro deste ano, em Brasília, trazemos na seção ‘Especial’ a cobertura da palestra do ex-ministro da Saúde e atual diretor-executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags), José Gomes Temporão, sobre o tema 25 anos do SUS: avanços e desafios. Já, na seção ‘Entrevista’, uma conversa com Maria do Socorro de Souza, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e coordenadora da 15ª CNS, sobre suas expectativas para que esse grande encontro consiga reafirmar, impulsionar e efetivar os princípios e diretrizes do SUS.
Na seção ‘Em Rede’, uma matéria sobre os desafios da descentralização da formação técnica em saúde para as escolas da Rede. A adequação do currículo ao contexto regional é um das principais características das escolas técnicas do SUS, visando à ampliação e à democratização do acesso à formação profissional técnica.
Em ‘Escola em Foco’, poderão conferir como a Escola de Governo em Saúde Pública de Pernambuco se destaca no processo de formação para o SUS no estado. A escola promoveu, em dezembro de 2014, como parte do encerramento da formação técnica, seminários sobre o curso Técnico em Análises Clínicas. Na seção ‘Trajetória’ dessa edição, uma visita ao trabalho de profissionais da Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia (ETSUS Sobral). Eles encontraram em ferramentas tecnológicas formas de avaliar cursos técnicos em saúde e corrigir os rumos das formações.
Em ‘Aconteceu’, um giro pela ETSUS Sobral (CE), ESP-CE, ESP-MG, ETSUS Sergipe, ETSUS Blumenau (RS), ETSUS Piauí, EMS-SP, ESP-PE, EPSJV (RJ), CEP-Saúde (GO), Cefor-RH-PR e ETSUS Vitória (ES). Por fim, em ‘Panorama’, um passeio pela exposição Pelos caminhos do SUS, organizada pelo Museu da Vida e Observatório História e Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), em parceria com o Conselho Nacional de Saúde (CNS).
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Direito de todos e dever do Estado
O SUS é instituído na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, como forma de efetivar o mandamento constitucional do direito à saúde de todos e dever do Estado, e regulado pela Lei nº. 8.080/1990. Ele é fruto de anos de debate da reforma sanitária brasileira. Considerado um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, por sua abrangência que vai desde um simples atendimento ambulatorial até um transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito a todo e qualquer cidadão, ele inspira-se no sistema de saúde da Inglaterra National Health Service (NHS), criado em 1948. “O Brasil se inspirou nos modelos de welfare state [Estado de bem estar] europeus, como o da Inglaterra, e no modelo do Canadá. Mas, também, na experiência cubana e nos princípios da Conferência de Alma Ata da OMS”, citou. Esta última, formulada em 1978 em defesa da busca de uma solução urgente para estabelecer a promoção de saúde, é a primeira declaração internacional que despertou e enfatizou a importância da atenção primária, desde então defendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a chave para uma promoção de saúde universal.
Fazem parte do SUS os centros e postos de saúde, os hospitais públicos — incluindo os universitários —, os laboratórios e hemocentros (bancos de sangue), os serviços de Vigilância em Saúde — incluindo a Sanitária, a Epidemiológica e a Ambiental —, além das fundações e institutos de pesquisa acadêmica e científica. O sistema coexiste nas três esferas — nacional, estadual e municipal —, cada uma com comando único e atribuições próprias, em atenção a seus princípios doutrinários — universalização, equidade e integralidade — e organizativos — regionalização, descentralização e participação popular.
Os princípios e as diretrizes da saúde contemplados tanto na Constituição de 1988 quanto na Lei 8080 apontam para o resgate da solidariedade e da responsabilidade social do Estado, com investimentos capazes de assegurar o acesso a todos os níveis de atenção. Primeiro princípio basilar, a universalização compreende a ideia que a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, ocupação, ou outras características sociais ou pessoais, e cabe ao Estado assegurar este direito.
Segundo, a integralidade considera as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades. Para isso, é importante a integração de ações, incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação. O principio de integralidade pressupõe, também, a articulação da saúde com outras políticas públicas, para assegurar uma atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade de vida dos indivíduos. Já a equidade tem como objetivo diminuir as desigualdades. Em outras palavras, significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a necessidade é maior.
Incorporado posteriormente à promulgação da Constituição de 1988 e uso relativamente recente no vocabulário da Reforma Sanitária brasileira, segundo a médica sanitarista Sarah Escorel, no livro Dicionário da Educação Profissional em Saúde, publicado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (2009), a equidade se refere ao direito de todos e dever do Estado em assegurar o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Para Temporão, é um dos maiores desafios ao observar o contexto em que o SUS foi criado. “Antes da Constituição de 1988, o sistema de saúde era fragmentado, com serviços privados para aqueles que podiam custeá-los. Com a Constituição, foi criado um sistema nacional e unificado de saúde, garantido como um direito universal e dever do Estado, descentralizado para os estados e municípios e com participação social em todos os níveis”, citou, lembrando que a equidade é o princípio que irá favorecer a redução das desigualdades.
Nas palavras de Sarah Escorel, políticas equitativas constituem um meio para se alcançar a igualdade. “Numa perspectiva relativamente utópica podemos pensar que ações desse tipo integrariam uma fase intermediária, transitória, visando a atingir a igualdade de condições, de oportunidades sociopolíticas. Ou seja, fazendo uma distribuição desigual para pessoas e grupos sociais desiguais (mais para quem tem menos) atingiríamos (hipoteticamente) uma situação de igualdade, em que todos teriam acesso às mesmas coisas, fossem elas bens e serviços ou oportunidades”, escreveu.
Aos princípios doutrinários somam-se os organizativos. A regionalização e a hierarquização entendem que os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de complexidade, circunscritos a uma determinada área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos, e com definição e conhecimento da população a ser atendida. A regionalização é um processo de articulação entre os serviços que já existem, visando o comando unificado dos mesmos. Já a hierarquização deve proceder à divisão de níveis de atenção e garantir formas de acesso a serviços que façam parte da complexidade requerida pelo caso, nos limites dos recursos disponíveis numa dada região.
Descentralizar, por sua vez, é redistribuir poder e responsabilidade entre os três níveis de governo. Para que o princípio da descentralização seja efetivo, existe a concepção constitucional do mando único, onde cada esfera de governo é autônoma e soberana nas suas decisões e atividades, respeitando os princípios gerais e a participação da sociedade.
Por fim, a participação popular, considerada princípio basilar do SUS, garante ao cidadão acompanhar os serviços de saúde e até mesmo intervir na elaboração das políticas públicas seja pelos conselhos ou pelas conferências de saúde, que têm como propósitos formular estratégias, controlar e avaliar a execução da política de saúde.