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01/05/2007 Versão para impressãoEnviar por email

Alunos lutam por tratamento bucal de qualidade para pacientes surdos

Atendimento mais humanizado para portadores de deficiência auditiva: é essa a proposta do ‘Projeto LIBRAS na Saúde Bucal’, trabalho de conclusão do curso Técnico em Higiene Dental (THD) desenvolvido por dez alunos da Escola Técnica em Saúde Maria Moreira da Rocha, do Acre. Para que esse objetivo seja alcançado, o grupo sugere a oferta de um curso básico sobre a Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS) a todos os profissionais de saúde bucal.

Segundo José Augusto Fernandes, aluno escolhido pelo grupo para coordenar o trabalho, o tema surgiu devido à constatação de que a dificuldade de comunicação entre pacientes surdos e profissionais de saúde bucal gera um tratamento menos completo e de qualidade inferior àquele oferecido a pessoas sem deficiência auditiva. “Como não há diálogo, o profissional não consegue obter do usuário detalhes necessários à elaboração de um diagnóstico seguro, como, por exemplo, onde é a dor e quando ele começou a senti-la. Se considerarmos a saúde de forma holística, só o atendimento básico não é suficiente”, explica.

José Augusto observa de perto essa situação, primeiramente por trabalhar nas áreas de Enfermagem e Odontologia da Policlínica da Polícia Militar de Rio Branco, que às vezes recebe pacientes surdos, e também por ter um filho com essa deficiência. “Sem o conhecimento da linguagem dos sinais, seria muito difícil transmitir qualquer informação para ele. Para mim, é muito perceptível que a comunicação ficaria deficiente”, conta, acrescentando que já fez três cursos para aprender LIBRAS.

Método de trabalho

Diferentemente dos outros trabalhos divulgados nas edições anteriores da Revista RET-SUS, essa monografia foi realizada em grupo, com a divisão de tarefas. Os alunos, formados em abril deste ano, criaram juntos um instrumento de pesquisa e se dividiram em duplas para irem a quatro unidades de saúde do município de Rio Branco entrevistar profissionais da área. Ao todo, responderam às perguntas cinco dentistas, três THDs, cinco ACDs (auxiliares de consultório dentário) e três outros profissionais envolvidos no atendimento odontológico (recepcionistas de consultórios, por exemplo).

O resultado do questionário confirmou a visão do grupo: todos os entrevistados declararam já terem vivenciado alguma experiência complicada com pacientes surdos. “Eles contaram que, quando desejavam saber informações mais específicas, o entendimento era vago e a comunicação entre eles não fluía. Muitos se mostraram interessados em estudar LIBRAS, pois consideram um aprendizado necessário”, diz José Augusto. “Quando o paciente é surdo, a gente apenas presta socorro, não dá para realizar um exame detalhado. E, mesmo assim, para começar o atendimento, é necessário haver um acompanhante do usuário para dizer o que ele está sentindo”, explica Flávio Ikuma, dentista e mediador do curso na ETSUS.

Após a pesquisa em campo, os THDs entraram na fase de elaboração de material a ser divulgado em palestras com o objetivo de facilitar a comunicação entre profissional e paciente surdo, propiciando um tratamento mais digno. Um dos instrumentos confeccionados foi um álbum com desenhos e a tradução de palavras e expressões consideradas usuais no atendimento odontológico – a figura do dente sadio, o nome de algumas doenças e remédios – do português para a datilologia, a língua dos sinais.

Em seguida, os alunos realizaram oficinas no Centro Especial de Ensino aos Surdos (CEES) e na própria ETSUS, cujo público foi formado por outros alunos, funcionários da Escola e do Instituto de Desenvolvimento da Educação Profissional Dom Moacyr, ao qual a ETSUS é vinculada, além de gestores municipais e estaduais, e representantes do Pólo de Educação Permanente. Além de apresentar o material produzido, o grupo realizou dramatizações simulando um atendimento no qual o paciente surdo, ao chegar à recepção da unidade de saúde, é encaminhado a um profissional que domina noções básicas de LIBRAS, e outro, mostrando como o tratamento realmente acontece hoje. Os alunos também levaram à Escola uma psicóloga que trabalha com LIBRAS, para que ela descrevesse a sua experiência. Segundo Flávio, essas iniciativas foram muito importantes para a conscientização do público. “Muitas pessoas que não trabalham diretamente no atendimento ficaram chocadas, pois não tinham percebido esse problema na prática. Os representantes do Pólo de Educação Permanente e do Instituto Dom Moacyr se mostraram dispostos a colaborar”, diz.

Próximos passos

Nos encontros, os alunos aproveitaram também para expor a sua sugestão mais ousada: incluir o curso básico de LIBRAS na proposta pedagógica curricular dos cursos de ACD e THD. Na opinião de José Augusto, a iniciativa do grupo foi bem recebida pela Escola, que inclusive o encorajou a aprofundar os estudos, sugerindo mudanças para a melhoria do projeto. “O projeto ainda não acabou, está em andamento. Como não queremos que ele fique restrito à Escola, precisamos de recursos para a distribuição do material a outras instituições de ensino público. O próximo passo é entrar em contato com o Departamento de Ensino Especial da Secretaria de Educação em busca de apoio”, afirma.

O THD conta ainda que a proposta de implantação do curso básico de LIBRAS foi levada por eles à etapa estadual da Conferência de Educação Profissional do ano passado, aprovada para ir à etapa nacional, mas o grupo não recebeu retorno da discussão. “Não vi o relatório final, mas acredito que o tópico talvez não tenha nem sido inserido na pauta final. O pessoal só está começando a abrir os olhos para essa questão agora”, diz, citando um projeto nacional em andamento para a implantação de intérpretes dos professores nas escolas para que alunos surdos entendam o conteúdo das aulas.

Flávio relata que a ETSUS já enviou o projeto do curso em LIBRAS ao Instituto de Desenvolvimento da Educação Profissional Dom Moacyr, mas a equipe ainda não foi chamada para conversar e explicar melhor seus objetivos. “Vamos marcar reuniões regulares para dar continuidade ao trabalho. As pessoas do Instituto nos motivaram a pensar a questão mais seriamente e a detalhar o projeto, colocando os custos necessários, por exemplo”, explica.

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