A primeira turma do projeto-piloto do Curso Técnico de Agente Comunitário Indígena de Saúde (CTACIS) do Alto Rio Negro, no Amazonas, concluiu a parte do ensino médio, em cerimônia realizada no dia 30 de março, em São Gabriel da Cachoeira.
O curso é realizado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), no Rio de Janeiro, em parceria com o Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), a Secretaria de Educação do Amazonas, a Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira, o Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro (DSEIRN) e a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), e está dividido em duas fases: ensinos Médio e Técnico. "O exercício de aproximação entre os campos de educação e saúde foi interessante e necessário para que fosse construída uma proposta coerente e dentro da legalidade", comentou um dos coordenadores da proposta e pesquisador da Fiocruz Amazônia, Sully Sampaio.
Na primeira etapa, concluída em março, foram certificados no Ensino Médio 153 Agentes Indígenas de Saúde (AIS), que se juntarão a outros 47 estudantes para concluir a fase técnica, prevista para terminar no fim de 2013. Ao término da formação, 200 alunos, pertencentes às etnias tukano, wanano, tuyuka, piratapuia, dessano, kubeo, taraiano, baré, baniwa, werekena, coripaco, hüpda e Nadeb, receberão o título de técnicos em Agentes Comunitários Indígenas de Saúde.
Eles trabalharão com a vigilância em saúde dos povos indígenas das comunidades do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro, onde residem, com cerca de 700 assentamentos. O objetivo é desenvolver ações de cuidado, educação, promoção da saúde e prevenção de doenças. "O curso é oferecido aos agentes de saúde que possuem contratos com a Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] e a prefeitura de São Gabriel da Cachoeira. Portanto, continuarão atuando em seus locais de origem, fazendo a vigilância em saúde de suas comunidades", explicou Sampaio.
A formação
O Curso Técnico de Agentes de Saúde Indígena, autorizado para funcionamento e reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação (CEE/ AM) e Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena (CEEI/AM), surgiu em 2007 nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.
A formação está organizada em 1.440 horas de aulas, divididas nas modalidades presencial e semipresencial, e contempla os eixos temáticos ‘cuidado’, ‘política’, ‘cultura’, ‘território e informação’, ‘planejamento’ e ‘educação em saúde’. O formato do curso reafirma a interculturalidade, o bilinguismo, a relação dialógica, a especificidade e diferença, a diversidade cultural, além de priorizar a pesquisa e o trabalho como princípios educativos. Não obstante, a grade curricular obedece a parâmetros de formação de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes Indígenas de Saúde propostos pelo Ministério da Saúde. "Como se trata de um curso técnico, o diferencial é a oferta do Ensino Médio, com aumento da escolaridade e profissionalização dos alunos egressos", informou Sully. Segundo ele, esta é uma iniciativa pioneira, tendo em vista que, em experiências anteriores, não houve possibilidade de aumento de escolaridade.
Por ser um curso diferenciado, as temáticas abordadas também buscam refletir o cotidiano dos indígenas. "São muitos problemas que têm maior prevalência nessa população. Estamos em uma fase do curso técnico que focamos na vigilância alimentar e nutricional. O principal problema hoje é a desnutrição", destacou a pesquisadora da EPSJV Ana Lucia Pontes Ana Lúcia, que organizou com a pesquisadora da Fiocruz Amazônia Luiza Garnelo Pontes o livro ‘Saúde Indígena: uma introdução ao tema’, referência na construção do curso. Vale citar que, além desta publicação, serviram de base no processo de construção a Assembleia da Associação dos Agentes Indígenas de Saúde do Alto Rio Negro, em 2008, e o Seminário ‘Povos Indígenas, Saúde e Educação: a formação profissional do Agente Indígena de Saúde’, em 2011.
Pesquisador da EPSJV, Felipe Machado observa que as parcerias na construção deste curso foram um aspecto importante e o grande diferencial na proposta. "O trabalho da ESPJV junto às lideranças indígenas, além da incorporação e parceria dos movimentos sociais nessa ação, fizeram com que pudéssemos construir um curso mais rico e que respeitasse e reconhecesse as características dos grupos, os conhecimentos e as particularidades de cada um", avaliou.
Apesar de ser um projeto piloto, mas devido ao seu bom êxito, a iniciativa já desperta o interesse de outros órgãos. "A Secretaria de Educação do Amazonas recebeu proposta de mais dois distritos, e o pessoal de Angra dos Reis (Rio de Janeiro) me procurou. Mas, a princípio, não pensamos em executarmos o projeto em outros lugares. Queremos produzir material e compartilhar nossas experiências para que nosso conhecimento adquirido possa ser adaptado ou refletido em outros lugares", defendeu Ana Lúcia.
Matéria produzida com informações de Viviane Tavares, da EPSJV/Fiocruz.
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