destaques

01/12/2006 Versão para impressãoEnviar por email

Formação Profissional em saúde na Região Sudeste

Os 924.266 quilômetros quadrados de área da Região Sudeste guardam as diversidades de quatro estados do país: Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao todo, são 13 ETSUS num território que concentra mais de 78 milhões de habitantes, o que corresponde a 43% da população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2005, do IBGE.

Com uma superpopulação e tantas diferenças geográficas e culturais, a formação profissional ganha a forma de cada região e as ETSUS criam, cada uma à sua maneira, uma forma de se adaptar às especificidades locais, sem perder o foco na totalidade. Em Minas Gerais, as Escolas Técnicas do SUS  dão conta do ensino profissional em saúde dos 853 municípios do estado. Na Escola Técnica de Saúde do Centro de Ensino Médio e Fundamental da Unimontes, em Montes Claros, no norte de Minas, todos os cursos têm um módulo com o eixo temático Projeto Integrado. “Nessa disciplina, professores e alunos planejam um projeto que contemple um tema pertinente à região. O objetivo é que a formação esteja de acordo com os princípios do SUS”, explica Iza Cotrim, assessora pedagógica. No curso  técnico de Radiologia, por exemplo, os alunos pediram para desenvolver um trabalho sobre educação para o trânsito. “Eles identificaram que a maioria dos pacientes radiografados nos serviços tinha sofrido algum tipo de acidente de trânsito. Então, fizeram uma pesquisa sobre o assunto e o resultado foi uma exposição de radiografias de fraturas e notícias sobre o tema, apresentados na feira de veículos da cidade”, conta Iza.

Na Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG), os Agentes Comunitários de Saúde se preocupam mais com diabetes, hipertensão, alcoolismo e depressão, doenças comuns na região de atuação da Escola, que abrange 125 municípios. “Para tirar as dúvidas dos alunos sobre as doenças crônico-degenerativas e doenças transmissíveis, os coordenadores e docentes do curso organizam palestras com profissionais das áreas, aulas expositivas e atividades extraclasse”, explica Patrícia Leite, coordenadora geral do curso de ACS. No município de Guapé, no sul do estado, os ACS detectaram o trabalho nas pedreiras e serralherias como um dos mais prejudiciais à saúde da comunidade. Segundo os agentes da região, os trabalhadores não usam equipamento de proteção e há um aumento  considerável dos casos de silicose – doença pulmonar causada pela inalação de poeira – e outros problemas respiratórios. “Os alunos perceberam a partir do diagnóstico que, caso o quadro clínico dessas pessoas se agravasse, elas poderiam ter tuberculose, câncer ou outras patologias. Por isso, apresentaram um plano de ação que envolve conscientização dos proprietários e dos funcionários das empresas”, conta Fátima.

Em São Paulo, o Centro Formador de Osasco também teve que adaptar o conteúdo do curso de Agentes Comunitário de Saúde das turmas descentralizadas para contemplar a realidade de cada  comunidade. No município de Itapeva, por exemplo, numa mesma turma estão agentes que trabalham no campo, em assentamentos e até mesmo uma ACS do Quilombo de Jaó, que atende  aproximadamente 60 famílias. “Para atender às demandas de todos os agentes comunitários de saúde, discutimos a partir do conteúdo padrão do curso os temas específicos de cada comunidade”, conta Alda  Braatz, coordenadora pedagógica do curso de ACS. Segundo ela, acondicionamento do lixo, qualidade da água e contaminação por agrotóxico são exemplos de assuntos muito explorados em sala de aula para orientar os ACS de comunidades rurais.

Já nos assentamentos, os agentes são muito cobrados por uma comunidade que tem uma história de militância junto ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). “Eles reconhecem a importância dos agentes comunitários e, por isso, reservaram um espaço para eles na rádio comunitária, na grade do PSF. Os ACS aproveitam esse espaço para dar orientações sobre saúde”,  conta Alda. No Quilombo de Jaó, um dos principais trabalhos feito pela única ACS da comunidade é a orientação sobre planejamento familiar. “O médico do PSF alertou a ACS para o fato de a comunidade ter muitos problemas de saúde devido aos casamentos consangüíneos. E, desde que a agente  começou alertar as famílias sobre as doenças provenientes dessa união, o número de gravidez desse tipo caiu drasticamente”, afirma a coordenadora.

Nos cursos de Pariquera-Açu, no Vale da Ribeira, todos os currículos são complementados com as especificidades dos 21 municípios onde o Centro Formador de RH de Pessoal de Nível Médio para a Saúde – Escola de Auxiliar de Enfermagem oferece cursos. Segundo Ruth Gouvea, diretora da ETSUS, intoxicação por agrotóxicos, acidentes com animais peçonhentos – principalmente cobras venenosas –, desnutrição infantil, hipertensão, diabetes e cardiopatias são assuntos que não podem faltar na formação dos técnicos em saúde da região. “Estamos em uma região com baixo Índice de  Desenvolvimento Humano. Em 14 cidades onde temos cursos, o Sistema Nacional de Agravos de Notificação detectou um total de 161 intoxicações por agrotóxicos de 1998 a novembro de 2006. No mesmo período, tivemos 2.326 acidentes com animais peçonhentos. Por isso, não podemos deixar de dar uma orientação detalhada sobre esses temas para nossos alunos”, alerta Ruth.

A ETSUS Araraquara, que fica a 269 quilômetros de São Paulo, atua numa área que compreende 192 municípios. Muitos atendimentos são de média e alta complexidade e muitos auxiliares e técnicos formados pela Escola trabalham em grandes hospitais, como Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Hospital de Base de São José do Rio Preto, Hospital do Câncer de Jaú – Amaral Carvalho e Hospital do Câncer de Barretos.

Na capital, os 55 Agentes Comunitários de Saúde que atendem a subprefeitura de Cidade  Ademar/Santo Amaro, na região sul de São Paulo, aprenderam no curso oferecido pela ETSUS do estado a lidar melhor com o grande número de idosos da comunidade. “Eles agora tratam não apenas as doenças da terceira idade, mas também ficam atentos ao contexto familiar no qual esse idoso está inserido e, com isso, conseguem perceber, por exemplo, se há um quadro de depressão e qual é o motivo da doença”, explica Sandra Regina Martins, uma das professoras do curso de ACS. Segundo Sandra, na avaliação informal feita com os alunos no fim do curso, eles disseram que pás aram a se orgulhar da profissão e que agora percebem o valor de seu trabalho. “Além de elogiarem muito o curso, os ACS fizeram um abaixoassinado solicitando o segundo módulo do Técnico em Agente Comunitário de Saúde”, conta a professora.

No Rio de Janeiro, a Escola de Formação Técnica em Saúde Enfermeira Izabel dos Santos (ETIS) forma profissionais de saúde para trabalhar tanto nas unidades de terapia intensiva (UTI) coronariana e de nefrologia dos grandes hospitais da capital, quanto nos hospitais de médio porte e unidades básicas de saúde do interior, onde auxiliares e técnicos de enfermagem lidam com populações agrícolas e indígenas. Segundo Maria Regina Pimentel, coordenadora pedagógica da ETIS, na Baía de Ilha Grande, a Escola começou a formar no ano passado Agentes Indígenas de Saúde (AIS) nas aldeias dos índios guaranis e deve incluir no currículo do curso técnico em enfermagem material sobre a saúde dessa população. “Antes de elaborarmos o material para o curso de AIS, tivemos aula com uma  antropóloga da ENSP/Fiocruz, que nos explicou como lidar com os costumes das aldeias. Ela nos disse, por exemplo, que quando alguém da tribo precisa ser internado, todos da família  vão para o hospital para ficar ao lado do doente. Queremos dar essas noções aos profissionais”, conta Maria Regina.

Além de se preocupar com as comunidades indígenas fluminenses, a ETIS prepara os auxiliares de enfermagem para lidar com os trabalhadores agrícolas. “Nos municípios de Natividade e São Fidélis, no noroeste do estado, a partir de uma pesquisa realizada pelos alunos, foram detectadas muitas doenças provenientes do uso de agrotóxico na plantação de tomate. Os auxiliares de enfermagem orientaram a população local sobre os danos dos inseticidas a partir de reuniões com os agricultores”, afirma Maria Regina.

Já a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também no Rio de Janeiro, destaca o fato de ser uma instituição federal atuando no estado que, por ter abrigado a capital da República, tem o maior número de hospitais e institutos federais do país. O Curso Técnico de Gestão em Serviços de Saúde, por exemplo, vem prestando assessoria e utilizando algumas dessas instituições como campo de estágio para os alunos. Segundo Adriana Geisler, professora do curso, um dos trabalhos mais interessantes desenvolvidos pelos alunos é a assessoria técnica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), pertencente ao complexo hospitalar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O objetivo é que haja uma melhoria na qualidade dos serviços e nas áreas que dão apoio à assistência ao usuário”, explica  Adriana. Os alunos da EPSJV fizeram planejamentos para os setores do IPPMG e cartilhas para os profissionais. Além disso, foram convidados a participar ativamente na elaboração do plano diretor do hospital. “Eles tiveram que levar em conta que o IPPMG, além de atender à população, também é um hospital de ensino e pesquisa. Uma das mudanças propostas pelos alunos é a articulação do serviço de emergência do hospital com a rede hospitalar do Rio”, conta Ana Lúcia Abrahão, coordenadora do  curso. “Depois do estágio de um ano dentro dos hospitais federais, muitos alunos são contratados para implementar os projetos que elaboraram”, disse.

No Espírito Santo, o Núcleo de Educação e Formação em Saúde, que oferece cursos nos 78 municípios do estado, usa a metodologia da problematização para discutir assuntos como o câncer de pele – comum nos agricultores descendentes de europeus, que trabalham o dia inteiro sob sol forte – e os problemas causados pela extração de mármore, granito e rochas. Segundo Naya Nunes, diretora da ETSUS, os cursos também valorizam a cultura local. “Temos populações de índios, quilombolas,  descendentes de alemães, italianos, além dos pomeranos, que são descendentes de prússios e quase não falam português. Tentamos abordar todas as especificidades culturais desses grupos nos cursos da Escola”, explica Naya.

Comentar