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Mais SUS com qualidade no cerne do debate

Os desafios da Atenção Básica e a luta por mais recursos tiveram destaque na 29ª edição do Congresso do Conasems.

Ana Paula Evangelista

O 29º Congresso Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), realizado entre os dias 7 e 10 de julho, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, em Brasília, reuniu cerca de cinco mil pessoas, entre gestores, trabalhadores e usuários do SUS, se destacando pelos desafios da Atenção Básica à Saúde e pela luta por mais recursos para o SUS. O evento foi realizado concomitantemente ao 10º Congresso Brasileiro de Saúde, Cultura de Paz e Não-Violência. Sob o tema Responsabilidade interfederativa no SUS: desafios e agenda dos municípios, ao evento foi dividido em oficinas, cursos, seminários e outras atividades com foco na construção de um sistema de saúde com qualidade nos municípios brasileiros.
Na cerimônia de abertura do congresso, realizada na noite do dia 7, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, representando a Presidenta da República, Dilma Rousseff, assinou cinco portarias que dizem respeito à gestão municipal da Saúde. A primeira define o valor mínimo da parte fixa do Piso de Atenção Básica (PAB) para efeito do cálculo montante de recursos a ser transferido do Fundo Nacional de Saúde aos fundos de saúde dos municípios e do Distrito Federal e divulga os valores anuais e mensais da parte fixa do PAB. A segunda trata da primeira lista do processo de seleção de propostas apresentadas para o componente Construção de unidades básicas de saúde e da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2). As terceira e quarta portarias homologam a contratualização dos municípios ao segundo ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e incorpora recursos financeiros destinados à parte fixa do PAB. A quinta redefine as diretrizes para implantação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu-192) e da Central de Regulação das Urgências, componente da Rede de Atenção Básica.
Em seguida, Padilha destacou quatro grandes desafios para o SUS. Entre eles o esforço que o governo vem imprimindo com investimentos em tecnologias voltadas para a produção de medicamentos, vacinas e inovações em laboratórios brasileiros, anunciando a introdução no calendário de imunização da vacina contra o HPV (Papiloma Vírus Humano) — precursor de tumores malignos, especialmente do câncer do colo do útero e do pênis. Segundo o ministro, o imunobiológico será disponibilizado exclusivamente para meninas de 10 e 11 anos, mediante autorização dos pais ou responsáveis. Com a liberação, as meninas deverão tomar três doses, com dois e quatro meses de diferença entre elas. Com a inclusão da substância no SUS, o sistema passa a oferecer 27 vacinas gratuitamente. “Não se oferece saúde pública gratuita para toda população, da vacina ao transplante, sem construir no país uma forte base de inovação tecnológica de produção de medicamentos e de insumos”, frisou. O ministro informou que o SUS é um dos poucos sistemas universais a oferecer à população um dos calendários mais longos de vacinação do mundo. Além disso, frisou, o Brasil voltou ao ranking dos cinco países do mundo que produzem insulina. “Poder produzir insulina é segurança para nossos pacientes. Os investimentos em tecnologia, em inovação e em base produtiva são decisivos para quem quer levar saúde pública para todos”, observou.
O segundo desafio apontado por Padilha referiu-se ao financiamento e à gestão pública. Nos últimos dez anos, anunciou, o Brasil quadriplicou os investimentos em saúde pública, “mas, ainda assim, está aquém de países da Europa e da própria América Latina, como Argentina e Chile”. Segundo ele, uma das metas do Ministério da Saúde (MS) é a profissionalização da gestão, bem como combater o desperdício de recursos na saúde e aprimorar o governo federativo quanto aos modelos administrativos eficazes. “Estamos em um momento positivo de ganhar força para dar um salto importante na consolidação do SUS, com garantia de direitos, cidadania e qualidade de serviço, promovendo o debate com a sociedade sobre como devemos financiar o SUS para que ele seja estável e dê conta do que precisamos”, apontou.
O terceiro desafio, segundo o ministro, diz respeito ao provimento de médicos no SUS. Ele fez referência ao Programa Mais Médicos, como importante iniciativa do MS que prevê mais investimentos em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, como também levar mais médicos para regiões onde há escassez e ausência desses profissionais. “Com a construção de novas unidades básicas de saúde, iremos promover quase 35 mil vagas para médicos. Os médicos brasileiros terão preferência, e as oportunidades que não forem preenchidas serão oferecidas a médicos estrangeiros”, anunciou. Padilha informou que o número de médicos a serem formados, a distribuição desses profissionais pelo país e a definição das especialidades necessárias ao SUS seguirão critérios orientados exclusivamente pelas necessidades de saúde da população. “Todos os sistemas universais de saúde tiveram que enfrentar esse debate”, afirmou, citando como exemplo o Canadá, no início dos anos 80, e Cuba, nos anos 60. “A Inglaterra também precisou enfrentar o debate sobre as diretrizes e as necessidades de formação dos profissionais de saúde em dois momentos: primeiro na consolidação do Sistema Nacional de Saúde; depois, nos últimos 15 anos. Precisamos passar pelo mesmo processo”, acrescentou.
A mesa de abertura da qual Padilha participou foi compartilhada pelos presidentes do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Antônio Carlos Figueiredo Nardi, do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Wilson Duarte Alecrim, e da Conferência Luso-Francófona de Saúde (Colufras), Remy Trudel, e pelos representantes da Frente Nacional de Prefeitos, Carlos Roberto Pupin, e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Joaquím Molina, e pelo gerente-executivo da Diretoria de Governo do Banco do Brasil, Vasco Crespo.
Nardi defendeu o fortalecimento do SUS nos municípios e lembrou as reivindicações dos profissionais da saúde contra a Lei do Ato Médico (nº 12.842, de julho de 2013), medida que restringe algumas atividades aos médicos. O texto, que sofreu veto parcial do governo federal, preserva o atendimento multidisciplinar nos serviços públicos e privados de saúde e assegura as atribuições específicas dos médicos, entre elas a indicação de internação e alta médica nos serviços de saúde, a execução da intervenção cirúrgica, a emissão de laudo dos exames endoscópicos e de imagens, a atestação médica de condições de saúde, a perícia e a auditoria médicas, o ensino de disciplinas especificamente médicas e a coordenação dos cursos de graduação em Medicina, dos programas de residência médica e dos cursos de pós-graduação específicos para médicos.

Escassez de médicos

Como muitos municípios receberam novos secretários de saúde em 2013, a programação do 29º Conasems contou com seminários e palestras que focalizaram os desafios a serem enfrentados por esses gestores. No cerne do debate, esteve o Programa de Valorização dos Profissionais na Atenção Básica (Provab), que busca suprir a carência de médicos em regiões periféricas das grandes cidades, interior do Brasil e áreas de difícil acesso.  No seminário A escassez do profissional médico no SUS, o objetivo foi discutir se o programa supriria ou não as necessidades dos municípios. O debate foi coordenado pelo representante da Comissão Nacional de Residência Médica, médico Jorge Harada, que chamou atenção para o desafio municipal quanto ao provimento e fixação do profissional médico.
O sociólogo Lucas Wan Der Maas, pesquisador da Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado do Observatório de Recursos Humanos em Saúde, da Universidade Federal de Minas Gerais, informou que o estado mais equitativo em relação à distribuição de médicos por habitante é o Rio de Janeiro, seguido do Distrito Federal. Já o Norte e o Nordeste, segundo ele — com base na pesquisa Escassez e Fixação de Médicos em Áreas Remotas no Brasil —, são as regiões que apresentam a relação entre número de médicos e população mais crítica.
Mario Martins de Araújo, secretário de saúde do município de Pindorama (TO), falou com preocupação sobre essa desigualdade. “Nosso município tem cerca de cinco mil habitantes, realidade de quase 90% dos municípios do estado. Nossa maior dificuldade é garantir que o médico permaneça na cidade. Além disso, fica inviabilizado o pagamento desse profissional uma vez que o município que vive de ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação)  não tem como fazer esse pagamento”, declarou.
O secretário sugeriu algumas medidas para solucionar o problema. “Para resolver essa questão, precisamos dos médicos estrangeiros como medida emergencial e que as políticas públicas sejam revistas em termos de recursos financeiros para cada região do país. Não dá para comparar as políticas públicas do Sul e Sudeste com as do Norte e Nordeste”, recomendou.
Ao fim do seminário, Araújo lembrou que 90% dos gestores municipais de saúde sinalizam que, para reduzir a escassez de médicos, é preciso também melhorar as condições de trabalho. À fala do secretário, somou-se a de outros gestores presentes ao congresso, chamando atenção para o problema dos leilões de salários feitos pelos médicos e a difícil relação de trabalho com as secretarias de saúde. Além disso, eles criticaram a ausência de uma representação do Conselho Federal de Medicina no evento.
Coube à médica Jadete Barbosa Lampert, diretora-presidente da Associação Brasileira de Ensino Médico (Abem), avaliar a formação desses profissionais. “É preciso investir na formação de um modelo de médico ideal para o SUS, que queira trabalhar na Atenção Básica e que não priorize somente os altos salários”, enumerou. Para ela, construir novas escolas médicas não é a melhor solução. Ela discordou da proposta dos secretários municipais presentes ao debate, que defenderam a criação de novas instituições de ensino médico, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Na avaliação de muitos gestores, a criação de novas escolas implica evitar que esses profissionais migrem para outras regiões do país para estudar, onde eles acabam permanecendo definitivamente. “Esse tipo de investimento não seria eficaz sem o desenvolvimento dos docentes”, opinou Jadete, declarando que há uma carência de professores para atuar nessa área somada ao grande avanço da visão capitalista em relação à formação, provocado pelo crescimento das universidades privadas.

Saúde +10

No último dia de congresso, os participantes lotaram o auditório do Centro de Convenções Ulisses Guimarães para realização do ato político pelo Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública, conhecido como Saúde +10. Vestidos com camisas que estampavam a frase Eu defendo um SUS público, integral e universal e trazendo cartazes com mensagens em favor de mais investimentos para saúde, os congressistas mostraram-se ansiosos pela composição da mesa de debate, da qual participariam o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) — que não compareceu —, além de Nardi e da presidente do CNS, Maria do Socorro. O objetivo da manifestação era firmar com o Senado Federal e a Câmara dos Deputados o compromisso de destinação dos 10% da receita bruta da União para a Saúde.
Alvo de críticas devido ao seu atraso, Alves foi pressionado pela plateia a usar uma das camisas do movimento, o que atendeu prontamente, se comprometendo em seguida a receber os representantes do Saúde +10 — encontro que aconteceu no dia 5 de agosto. “Essa discussão precisa ser recebida na Casa do povo brasileiro, no Parlamento. Por isso, me comprometo a recebê-los. Vou ousar, porque a questão merece, o povo exige e a consciência nos convoca”, disse com empolgação.
Na ocasião do encontro com Alves, a coordenação do Movimento entregou as mais de 1,5 milhão de assinaturas coletadas, pedindo ao Congresso Nacional a aprovação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular que propõe o repasse de 10% da receita corrente bruta da União para a Saúde — somente o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems) de Minas Gerais coletou mais de 500 mil assinaturas e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, 600 mil. “Nós sabemos, como gestores municipais, que os recursos que foram de alguma maneira faturados não são suficientes para responder toda a demanda”, salientou o prefeito de Petrópolis (RJ), Rubens Monteiro, representando a Frente Nacional de Prefeitos.
Para Nardi, os 10% das receitas públicas para a Saúde vão garantir a todos o acesso à integridade, à qualidade e à saúde. “Precisamos transpor as barreiras das secretarias municipais de Saúde, não podemos mais ter excluídos e, para isso, precisamos de recursos”, defendeu. Ele recebeu apoio de Socorro, que em todos os momentos do congresso, foi ovacionada pelos participantes. “Dilma vê se me escuta: são 10% da receita bruta”, frisou a presidente do CNS, convidando a plateia a repetir a frase. Ela pediu licença a Nardi para que todos os conselheiros de saúde presentes pudessem ocupar o palco. “Na abertura desse congresso, eu já havia dito que este seria um marco histórico. Temos aqui uma tribuna do povo. Nós trouxemos os parlamentares para esse lugar. Precisamos agora incorporar todas as formas de combate ao preconceito, à discriminação, à violência e à exclusão. Estamos aqui com a participação legítima dos movimentos negro, indígena, LGBT e de trabalhadores da Saúde, reafirmando o direito à saúde”, concluiu, sob efusivos aplausos.

Nova diretoria

No dia 8, pela manhã, foi realizada a votação da diretoria do Conasems, para o biênio 2013-2015. A chapa única Participação – Fortalecer a Entidade foi eleita por unanimidade, mantendo muitos nomes já em atuação, incluindo o atual presidente Antônio Carlos Figueiredo Nardi, acompanhado pelos vice-presidentes José Fernando Casquel Monti e Raul Moreira Molina Barrios, por Rodrigo César Faleiros de Lacerda , diretor administrativo, Mauro Guimarães Junqueira, diretor financeiro, Valdemar Ferreira Fonseca, diretor de Comunicação Social,  Charles Cesar Tocantins de Souza, diretor de Descentralização e Regionalização, Wilames Freire Bezerra, diretor de Relações Institucionais e Parlamentares, Murilo Porto de Andrade, diretor de Municípios de Pequeno Porte, Januário Carneiro da Cunha Neto, diretor de Municípios com Populações Ribeirinhas, dos representantes no CNS, Arilson da Silva Cardoso e José Eri  Osório de Medeiros, além dos primeiros vice-presidentes regionais Afonso Emerick  Dutra (Norte), Maria de Salete Fernandes Cunha (Nordeste),  Jairo José do Santo Ayre (Centro-Oeste), Andréa Passamani Barbosa Corteletti (Sudeste) e  Maria Regina de Souza Soar (Sul).
Na ocasião, os conselheiros de saúde aprovaram, em assembleia, a Plataforma Política para a nova gestão dessa instância do controle social.  O documento foi anexado à Carta de Brasília, aprovada pelos participantes no encerramento do evento, na qual estão registrados os compromissos que nortearão a atuação do Conasems, dos cosems e das secretarias municipais de Saúde nos próximos anos. A próxima edição do Congresso do Conasems, conforme anunciaram, será realizada no município da Serra, no Espírito Santo, em 2014.

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