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Os impactos do capitalismo sobre o mundo do trabalho

Precarização do trabalho na saúde e saúde do trabalhador estiveram no cerne do debate da Educação Profissional em Saúde.

Ana Paula Evangelista e Flavia Lima

O Seminário O Trabalho no Mundo Contemporâneo: fundamentos e desafios para a saúde, realizado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), entre os dias 17 e 19 de setembro de 2013, trouxe para debate temas caros à Educação Profissional em Saúde como as transformações no mundo do trabalho, a precarização do trabalho na saúde, a saúde do trabalhador, a organização dos trabalhadores da saúde e a relação entre capitalismo, trabalho e educação profissional em saúde.
O evento encerrou uma trilogia de debates promovidos pela EPSJV — realizado em 2006, o primeiro seminário teve como título Fundamentos da educação escolar no Brasil contemporâneo; e o segundo, em 2008, tratou do tema Estado, Sociedade e Formação Profissional em Saúde: contradições e desafios em 20 anos de SUS. “Este terceiro seminário contribui para a construção coletiva de uma perspectiva de trabalho em saúde que se contrapõe à ótica do mercado, do capital e dos interesses e negócios privados, que vê a Saúde e a Educação como mercadorias”, resumiu a coordenadora-geral do encontro, professora e pesquisadora do Laboratório do Trabalho e da Educação Profissional em Saúde (Lateps) da EPSJV, Ialê Falleiros. “O evento atende ao tripé Trabalho, Saúde e Educação, no qual a escola se sustenta”, acrescentou o coordenador do Lateps, Julio Cesar França Lima.

Transformações e consequências

Professor titular do Museu Nacional e coordenador do grupo de Antropologia do Trabalho, Estudos Biográficos e de Trajetória, do Programa de Pós-Graduação e Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), José Sérgio Leite Lopes abordou as transformações recentes do capitalismo contemporâneo no mundo dos trabalhadores e a precarização do trabalho. Ele fez parte da primeira mesa de debate O trabalho no mundo contemporâneo. “O capitalismo do século 20 é coordenado pelas grandes empresas burocratas, é um processo de apropriação pelo sistema de dominação, que provoca a precarização do trabalho”, frisou.
Segundo Lopes, há uma crescente prática de terceirização das atividades não essenciais e de diminuição dos direitos, uma vez que a precarização do trabalho faz parte de uma dimensão permanente do capitalismo. “Não à toa que o Congresso Nacional discute, na atualidade, uma proposta para estender a terceirização para as atividades-fim”, criticou. Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), entende-se por atividade-fim aquela que caracterizar a unidade do produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam exclusivamente em regime de conexão funcional. A atividade-fim é a constante no contrato social da empresa, pela qual foi organizada, sendo ilegal sua terceirização. As demais funções que nada têm em comum com a atividade-fim são caracterizadas como acessórias — ou de suporte à atividade principal —, as quais podem ser terceirizadas.
Lopes lembrou que os trabalhadores das fábricas e estabelecimentos urbanos passaram a ser regidos por uma série de leis sociais, sistematizados pela CLT, em 1943. Os trabalhadores rurais, entretanto, passaram a ter direitos somente a partir de 1963, após a criação do Estatuto do Trabalhador Rural, o que provocou maior precariedade. “O lapso de tempo é fruto da desigualdade a que trabalhadores estiveram sempre submetidos”, disse.
A crescente precarização e a reestruturação do modo de produção das empresas, incluindo as privatizações, trazem também, segundo o professor, outras consequências: aumento das demissões e adoecimento dos trabalhadores. “Os efeitos das transformações capitalistas sobre os trabalhadores, com a diminuição de direitos e a frequência dos contratos temporários, provocam graves danos. E, no Brasil, cuja história é marcada por quatro séculos de escravidão, a precarização do trabalho é uma característica constitutiva de sua formação social”, observou. Nesse contexto, constatou Lopes, surge a epidemia da dor, referindo-se a problemas como Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e outras doenças específicas do processo de trabalho.
Professor titular do Departamento de História (UFF) e integrante do colegiado da Pós-Graduação e Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcelo Badaró lembrou que, em uma mesma empresa, coexistem formas tradicionais de trabalho (com direitos) com formas mais primitivas (sem garantia de direitos) como estratégias da classe dominante para exercer a dominação sobre a classe proletariada. “Houve uma elevação do grau de fragmentação e de precarização da classe trabalhadora nas últimas décadas junto com uma intensificação da exploração dos trabalhadores”, ponderou.
Em sua avaliação, com o avanço do neoliberalismo, surgiu uma intensificação das formas de produção do consenso, além da manutenção e do aprimoramento do aparato coercitivo do Estado sobre os setores mais organizados da classe trabalhadora brasileira. “Na origem, as organizações formadas pela classe trabalhadora brasileira, como o Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), tinham a perspectiva do confronto direto com o capital. Mas, a partir dos anos 1990, caminharam pela manutenção da ordem, evitando o confronto”, opinou, acrescentando que está em curso uma reorganização da classe trabalhadora brasileira de encontro aos modelos antigos. “As novas formas de organização da classe trabalhadora criticam as velhas, mas não conseguem ainda excluir a lógica pela qual seus dirigentes foram formados”, concluiu.

Proletariado precarizado

“O emprego existe no Brasil, mas não é qualificado. Mais de 90% dos trabalhadores — principalmente, jovens, mulheres e não brancos — ganham um salário mínimo e estão subjulgados a uma grande rotatividade”. A observação foi do sociólogo Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), durante a segunda mesa redonda Mudanças no mundo do trabalho e seus impactos na área da saúde.
Braga fez menção ao conceito de “precariado”, criado pelo sociólogo francês Robert Castel (1933-2013), para falar sobre o proletariado precarizado.  “É o setor da classe trabalhadora que está sempre transitando entre o aumento da exploração econômica e o risco da exclusão social”, explicou. O termo surgiu para classificar um grupo europeu dos anos 1980 — que se expandiu ao longo dos anos 1990 —, atingidos pelo déficit fiscal do Estado e pela marginalização em relação às políticas de bem-estar públicas. “Era um grupo social largamente minoritário, basicamente formado por jovens com alguma qualificação, que não conseguiam se inserir de forma estável ou permanente no mercado de trabalho e, consequentemente, não tinham acesso à proteção social e às políticas públicas universais”, lembrou. Segundo o sociólogo, esse grupo cresce face ao aprofundamento das políticas de ajuste no contexto da União Europeia, passando a lutar por seus direitos. 
A exemplo dos “precariados” da Europa, entre as décadas de 1950 e 1960, o proletariado brasileiro começa a lutar por seus direitos. “Essa luta é o que eu chamo de política do precariado, porque basicamente esse pessoal se mobiliza pela efetivação de direitos”, resumiu. A mobilização, por sua vez, ganha corpo com as greves trabalhistas, bastante presente a partir da década de 1990, como resposta ao crescimento da precarização. “A luta por garantias de direitos, como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), reajuste salarial, pagamento dos salários em dia, alimentação, condições de trabalho e assistência médica, é intensa no setor privado”, enumerou. De acordo com Braga, o ano de 2012 bateu recorde quanto ao número de greves trabalhistas, perdendo apenas para o período do Plano Collor — conjunto de reformas econômicas e planos para estabilização da inflação criado durante a presidência de Fernando Collor de Mello (1990-1992).
Para ele, a precarização continua a marcar o atual momento do mercado de trabalho no Brasil. A partir dos anos 2000, o país sai da estagnação econômica das décadas de 1980 e 1990, criando cerca de 2,1 milhões de empregos formais, aplicando, porém, baixos salários. “Nos últimos dez anos, foram criados milhões de empregos no mercado formal, mas 94% ainda pagam até 1,5 salário mínimo. Mais uma vez, esse grupo é composto por uma força de trabalho feminina e não branca”, caracterizou.
Braga apontou três importantes desafios impostos ao governo brasileiro e às representações sindicais. O primeiro, cujo protagonismo é do governo brasileiro, é reverter essa tendência à degradação das condições de trabalho provocada pela terceirização e flexibilização da jornada de trabalho. O segundo desafio diz respeito aos dirigentes sindicais, que precisam ser desafiados pelos trabalhadores do setor público a tornarem-se mais críticos. Por fim, o terceiro desafio remete à internacionalização das práticas sindicais presentes no mundo.

Flexibilização do trabalho

Moema Amélia Serpa, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e coordenadora do Grupo de Pesquisa e Estudos sobre Trabalho e Proteção Social (Getraps), discorreu sobre a necessidade de fortalecer o debate acerca do trabalho e da gestão do trabalho na Saúde. “Muitos acham que o problema da precarização do trabalho na Saúde diz respeito apenas à questão do vínculo. Não é somente isso. O trabalho em Saúde tem uma particularidade: o uso da força de trabalho humana, da qual não se pode abrir mão, mesmo com a inserção tecnológica”, destacou. De acordo com ela, no setor de serviços, a inovação tecnológica, em geral, reduz a força de trabalho, diferentemente do setor Saúde. “Apesar de todo avanço tecnológico, não existe uma eliminação da força de trabalho da saúde”, afirmou. No entanto, acrescentou, a Saúde tem sido a “fatia mais interessante para introduzir a lógica da privatização dos serviços públicos”.
Na observação de Moema, a incorporação da lógica privada no serviço público começa, principalmente, a partir de 1994, por meio das reformas administrativas do Estado, da desregulamentação do trabalho no setor público e das contratações sem concurso público. “A Saúde tem uma grande quantidade de trabalhadores terceirizados, que vêm se ampliando ainda mais desde os anos 2009”, frisou, em alusão ao crescimento das modalidades de terceirização como as Organizações Sociais (OS) e as Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). “Essas novas modalidades encontram justificativa na necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita as despesas com pessoal”, disse.
A professora mostrou preocupação com o fato de o Estado ter adotado, nas últimas décadas, um modelo gerencial afinado com a perspectiva neoliberal, de desregulamentação do trabalho. “Há um processo crescente de flexibilização do trabalho nos serviços públicos, e, na Saúde e na Educação, isso talvez seja mais evidente”.
Na observação de Moema, residem ao mesmo tempo, na Saúde, trabalhadores estatutários, celetistas, com contratos temporários, bolsa salário e cargos comissionados e terceirizados por meio de cooperativas e associações, provocando graves problemas, como a perda da memória institucional, do comprometimento da continuidade de ações e da qualidade na prestação dos serviços. “Isso é estruturante para o sistema público de saúde”, destacou. Ainda, de acordo com Moema, em contrapartida, a desregulamentação institui o trabalho informal e não bem remunerado, a exemplo dos prestadores de serviço. “Um sistema de saúde precarizado resulta em um trabalhador precarizado”, ponderou.
“A partir da década de 1990, a formação profissional passou a ser massificada, mercantilizada e voltada para o mercado privado. Isso não foi diferente no setor Saúde”, observou o farmacêutico Francisco Batista Júnior, presidente do Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Norte e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde. Ao lado de Nelci Dias, enfermeira e docente da Secretaria Municipal de Saúde de Porte Alegre, Junior participou da mesa de debate Os trabalhadores da Saúde: desafios e luta, apontando o movimento sindical como principal ferramenta de mudanças das condições de trabalho, cuja marca é a precarização. “Não dá para pensar a Saúde e o trabalhador da saúde sem uma profunda reforma sindical que democratize os sindicatos brasileiros”, disse, apontando ainda para a necessidade de reestruturação curricular e reforma da formação profissional. “Não podemos continuar formando profissionais que não sabem o que é SUS”, orientou.
Júnior fez crítica também ao crescimento do número de estabelecimentos de saúde privados em detrimento dos públicos e de sua concentração em poucas regiões. Segundo ele, com base nas estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2009, dos 94.070 estabelecimentos de saúde existentes no país, 42.049 eram de natureza privada e mais de 50% estavam localizados nas regiões Sul e Sudeste. “Esse dado é absolutamente relevante quando se trata de um sistema de saúde que se propõe ser universal e integral”, disse, observando, durante os 25 anos de SUS, uma sobrecarga de responsabilidades sobre o ente municipal, incluindo a força de trabalho na Saúde, e certa desresponsabilização dos entes federal e estadual. Ele revelou que dos 94.070 estabelecimentos de saúde, apenas 1.318 eram de natureza estadual e 950, de natureza federal. Para Júnior, esse processo obrigou os municípios a fazer milhares de contratações, saltando de 306 mil postos de trabalho no ano de 1992 para 997 mil em 2005, segundo o IBGE.
Na avaliação de Nelci, o homem contemporâneo relaciona-se objetiva e subjetivamente com um mundo do trabalho de forma muito diferenciada, “chegando a ser desumana”. Ela apontou algumas soluções para este problema, entre elas reforma sindical, reestruturação curricular da formação profissional, foco na Atenção Básica e financiamento ampliado. A enfermeira lembrou, ainda, a necessidade de valorização do trabalhador da saúde e a importância da Mesa Nacional de Negociação Permanente do Sistema Único de Saúde (MNNP-SUS), fórum paritário e permanente de negociação, que reúne gestores públicos, prestadores de serviços privados da saúde e entidades sindicais nacionais representativas dos trabalhadores da saúde, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) e sob a coordenação do Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde (Degerts) da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (Sgtes) do Ministério da Saúde.
Quanto à formação profissional em Saúde, ela criticou a abertura desenfreada de novos cursos universitários com formação precária e chamou atenção para a necessidade de regulamentação da jornada de trabalho e de debate sobre piso salarial e plano de carreira, além da criação de uma legislação específica que trate do adoecimento por acidentes de trabalho e doenças profissionais do setor público. “Nós, profissionais da Saúde, temos o direito a uma carga horária de trabalho justa, bem como a tempo de lazer e cultura. Isso faz bem à saúde da classe trabalhadora”, defendeu.

Contrapartida educacional

Para os pesquisadores do Lateps/EPSJV Marise Ramos e Júlio César França Lima, o setor Saúde cumpre um papel extremamente capitalista desde o século 20, tornando-se competitivo e desgastante. Em contraposição a este contexto, Lima citou o processo de criação das Escolas Técnicas do SUS (ETSUS), iniciado na década de 1990, e da Rede Nacional das ETSUS (RET-SUS), em dezembro de 2000, para atender às demandas locais de formação técnica dos trabalhadores que já atuam nos serviços de saúde, acompanhando o processo de municipalização do SUS no Brasil, bem como o Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio para a Saúde (Profaps), do Ministério da Saúde (MS), lançado em 2009.
O Profaps apostou na formação técnica de áreas estratégicas para o SUS, como Vigilância em Saúde, Radiologia, Citopatologia e Hemoterapia, além das formações em Saúde Bucal, Prótese Dentária, Manutenção de Equipamentos e Enfermagem. Inspirado no Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da área da Enfermagem (Profae), de 2002, cujo foco era a formação em massa nesta área, o programa surge, na avaliação de Lima, em contradição ao chamado Sistema S. Este, por sua vez, segundo o pesquisador, foi criado em 2008, a partir de um acordo entre o governo federal e quatro das onze instituições de interesse de categorias profissionais — Sesc (Serviço Social do Comércio), Sesi (Serviço Social da Indústria), Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio) —, para a oferta gratuita de cursos técnicos na área da Saúde.
Para Lima, ao mesmo tempo em que o governo, por meio do MS, começa a organizar o Profaps, ele apoia a criação do Sistema S da Saúde, acreditando que essa iniciativa contribuiria para a construção da relevância social e da saúde. “O MS avalia que este seria um instrumento importante para o cumprimento da missão constitucional do SUS. Ou seja, a de promover a ampliação do acesso à saúde com qualidade em todos os níveis de atenção”, observou, balizando-se no relatório elaborado pelo senador Sérgio Guerra (PSDB- PE), em 2008, sobre a atuação do Sistema S.
Lima lembrou que a criação desse sistema encontrou justificativa no argumento de que a Saúde não é comércio. “Essas foram as palavras da Confederação Nacional da Indústria”, recordou. No entanto, os cursos previstos pelo Sistema S acabaram por privilegiar o interesse do setor privado e as graduações tecnológicas em detrimento da formação técnica. “Entre os cursos ofertados por este sistema estão auditoria e faturamento hospitalar, hotelaria hospitalar e gestão dos custos em saúde”, citou como exemplo desse cenário.
O mesmo avaliou Marise, para quem a reforma educacional, proposta na ocasião pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, cujo mandato durou oito anos (1995 a 2003), fortaleceu uma perspectiva privatista da oferta da educação profissional em saúde, apesar do surgimento das ETSUS e do Profaps.
Segundo a pesquisadora, a partir dos anos 2000, houve uma explosão de cursos de graduação tecnológica em todas as áreas do conhecimento, especialmente na área da Saúde. Com base no Censo da Educação Superior de 2000, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Marisa revelou que, entre 1991 e 1999, a oferta de cursos tecnológicos em Saúde estava concentrada nas áreas de Equipamento, Radiologia e Saúde Visual. A partir dos anos 2000, acrescentou, a oferta se ampliou para as áreas de Educação Física, Estética, Gestão em Saúde, Nutrição e Dietética, Reabilitação, Saúde Bucal, Saúde Pública e Segurança do Trabalho.
Duas fortes tendências inerentes à educação profissional em saúde surgem no século 21, pontuou Lima. A primeira, revelou, é o aumento da escolaridade dos trabalhadores técnicos em saúde, tendo o Ensino Médio como patamar mínimo para o ingresso no mercado de trabalho setorial. A segunda é a abertura, a ampliação e a diversificação dos cursos de graduação tecnológica sob a lógica do Sistema S da Saúde, pautada em uma proposta de formação profissional predominantemente capitalista. “Isso implica o risco de esvaziamento das ETSUS ou de subordinação das escolas aos interesses do mercado privado de saúde”, advertiu.

Saúde pós-capitalismo

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, médico e doutor em Sociologia, Álvaro Roberto Crespo Merlo, e a professora da Universidade Federal da Bahia, assistente social e doutora em Administração, Isabela Cardoso Pinto, avaliaram o tema A saúde do trabalhador e do trabalhador da Saúde. “Já saímos de casa pensando no trabalho. Eu, por exemplo, já sonhei com soluções para problemas que eu tinha no trabalho. Isso significa que estamos usando todo nosso conhecimento e nosso corpo para transformar o trabalho”, observou Merlo. Segundo ele, é frenquente a violência psicológica no trabalho, gerando problemas de saúde de várias ordens.
Merlo citou relatos de trabalhadores atendidos por ele que desenvolveram transtornos pelo estresse no trabalho, a exemplo de uma trabalhadora de uma rede de supermercados que recebia ligações até de madrugada sobre o trabalho. “Hoje em dia, ela não consegue ficar numa sala que tenha telefone”, descreveu. Segundo o médico, não são as pessoas mais frágeis psicologicamente que estão submetidas a riscos de adoecimento, “mas sim os mais comprometidos com o trabalho”, lembrando que os modelos de organização do trabalho, balizados no capitalismo, são as causas de muitas patologias. 
Com base em uma pesquisa realizada com trabalhadores da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia, cujo objetivo foi analisar as condições de saúde e identificar os fatores relacionados ao adoecimento e ao afastamento desses profissionais do trabalho, Isabela afirmou que as principais causas do adoecimento são a precarização das relações de trabalho, a falta de estrutura material e os baixos salários.
Outra causa de muitas doenças é a violência no trabalho, incluindo o assédio moral, a discriminação e a humilhação. “A pesquisa revelou que 58,9% dos profissionais estão preocupados com a violência no trabalho, 25,9% sofreram algum tipo de violência e 61,6% sofreram assédio moral nos últimos seis meses”, citou Isabela, informando ainda que tal desvalorização e falta de reconhecimento do trabalho acabam por antecipar os pedidos de aposentadoria.
Vale citar que o tema das doenças relacionadas ao trabalho faz parte de um documento, publicado em 2001, pela Área Técnica de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde. A publicação Doenças Relacionadas ao Trabalho - Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde objetivou orientar os profissionais de saúde sobre a caracterização das relações entre as doenças e as ocupações. A publicação baseou-se na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, citada na Portaria nº 1.339, de 18 de novembro de 1999, que organiza os agravos a partir dos agentes etiológicos, fatores de risco de natureza ocupacional e doenças, incluindo neoplasias, transtornos mentais, doenças infecciosas, parasitárias, do sangue, do sistema nervoso, do olho, do ouvido e dos sistemas circulatório, respiratório, digestivo, osteomuscular e endócrino, dentre outras.
Desde então, o material norteia as atividades dos profissionais dos 150 centros de Referência em Saúde do Trabalhador do SUS que integram a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador, realizando ações de prevenção, promoção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e vigilância em saúde dos trabalhadores urbanos e rurais, independentemente do vínculo empregatício e do tipo de inserção no mercado de trabalho.

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