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Humanização na formação técnica em saúde

Escolas focalizam o tema da Política Nacional de Humanização do SUS, sob a defesa de que o currículo não se esgota em si mesmo.

Jéssica Santos

Referências na formação profissional em saúde de seus estados, as escolas técnicas do SUS, centros formadores de recursos humanos em saúde e escolas de Saúde Pública da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS) destacam-se por focalizar nos currículos de seus cursos as diretrizes e as orientações da Política Nacional de Humanização (PNH), que neste ano completa 11 anos. Na Escola de Formação Técnica Professor Jorge Novis (EFTS), na Bahia, a PNH dá nome a uma unidade de ensino do eixo temático Políticas Públicas, fazendo parte do plano de ação pedagógica das formações profissionais técnicas nas áreas de Enfermagem, Saúde Bucal, Prótese Dentária, Vigilância em Saúde e Agente Comunitário em Saúde. Na Escola de Saúde Pública do Estado do Mato Grosso (ESP-MT), a política faz parte de todas as formações, desde as capacitações, passando pelos técnicos e incluindo as especializações. Na Escola Técnica de Saúde em Roraima (ETSUS-RR), o tema está inserido no primeiro módulo de cada curso técnico, bem como nas qualificações, capacitações e especializações técnicas de nível médio. Já, na Escola de Saúde Pública de Pernambuco (ESP-PE), a humanização em saúde passou a orientar o módulo básico dos cursos técnicos em Prótese Dentária, Saúde Bucal, Enfermagem, Citopatologia, Análises Clínicas e Hemoterapia.

Coordenadora pedagógica na EFTS, Leila Mazzafera conta que a escola revisa constantemente os guias curriculares adotados nos cursos que oferta, considerando a PNH estratégica para a mudança das práticas de saúde nos espaços de aprendizagem do SUS. Segundo ela, no curso Técnico em Enfermagem, por exemplo, a abordagem sobre o tema inclui atividades abertas à comunidade. “A experiência possibilita a prática do acolhimento e do diálogo entre profissionais, docentes, alunos e gestores, bem como fortalece o princípio da integralidade em saúde”, revelou. Além disso, a escola integra o Comitê de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS da Bahia (CH-SUS), criado pela Portaria nº 1.440, de 20 de setembro de 2013, que tem o objetivo de orientar a Secretaria Estadual de Saúde (Sesab) na consolidação da política no estado. Ao todo, 74 pessoas fazem parte do CH-SUS, das quais 11 são representantes da sociedade civil organizada e 26, do poder público. “O comitê tem função consultiva e propositiva. A EFTS, enquanto integrante desta iniciativa, articula-se com outros atores sociais e contribui para a elaboração de propostas que qualificam a atenção à saúde e extrapolam o contexto do currículo, estimulando a humanização das práticas de saúde”, explicou Iara Saldanha, também coordenadora pedagógica da EFTS.

Práticas mais igualitárias

Cecília Fortes, coordenadora das formações técnicas da Escola de Saúde Pública do Estado do Mato Grosso (ESP-MT), observa que a PNH contribui para uma educação em saúde cuja perspectiva é o autodesenvolvimento profissional, focalizando práticas mais humanitárias, igualitárias e dignas. De acordo com ela, a ESP-MT conta com uma equipe de Humanização que participa do processo de construção das competências dos cursos técnicos desde o início, o que inclui a abordagem sobre a PNH em todas as formações.

Na mesma direção, a Escola Técnica de Saúde em Roraima (ETSUS-RR) aborda o tema em todas as formações técnicas de nível médio. Nesse caso, o tema é apresentado no primeiro módulo, como unidade temática, bem como faz parte das qualificações, capacitações e especializações técnicas. “A ETSUS-RR tem por missão contribuir para a excelência da atenção à saúde, gestão em saúde e vigilância em saúde, fomentando os profissionais das áreas a incorporar, em suas ações, os princípios de integralidade, humanização, prevenção, controle e reconhecimento da autonomia e dos direitos dos usuários”, esclareceu Tania Soares, que, além de diretora da escola, integra o Colegiado Estadual da PNH desde 2010.

Em 2013, a ETSUS-RR destacou-se, ainda, pela promoção do Curso de Formadores de Apoiadores da PNH, com a participação de 45 profissionais de Saúde, de nível médio e superior, com algum envolvimento em ações que se relacionassem com a política. A formação foi organizada em 140 horas de aula, divididas em momentos presenciais e de dispersão. Segundo Tania, a proposta encontrou justifica na importância que o apoiador tem dentro da unidade de saúde para o fortalecimento da PNH. “A escola planeja ofertar, em 2014, outras turmas”, anunciou.

Na Escola de Saúde Pública de Pernambuco (ESP-PE), a humanização em saúde é tema orientador do módulo básico dos cursos técnicos em Prótese Dentária, Saúde Bucal, Enfermagem, Citopatologia, Análises Clínicas e Hemoterapia. No Colegiado de Gestão Administrativa e Pedagógica e no Conselho Escolar da ESP-PE, há outras estratégias em discussão com o objetivo de evidenciar a PNH, entre elas a criação de um grupo de estudo sobre esta política aberto à comunidade escolar, em parceria com outras instituições formadoras na área de saúde no estado. De acordo com Lorena de Melo, coordenadora de Educação Permanente da escola, o grupo seria responsável por orientar pesquisas que tratam dos eixos da PNH, organizar um seminário sobre o tema nos cursos da área da saúde do estado de Pernambuco e criar um fórum de debate periódico, capaz de identificar e fortalecer as iniciativas e práticas de humanização que estão sendo realizadas nos serviços de saúde do SUS.

Quando se trata do tema da humanização, as escolas vão além das salas de aula. Em 2013, por exemplo, servidoras do Núcleo de Redes de Atenção à Saúde (NRAS) da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG) participaram do Encontro HumanizaSUS, realizado nos municípios mineiros Paracatu e Patos de Minas. Promovida pela ESP-MG, Secretaria Municipal de Saúde de Paracatu, Superintendência Regional de Saúde de Patos de Minas e Uberlândia, Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e Ministério da Saúde, a iniciativa contou com palestras, reuniões, rodas de conversas e visitas técnicas que abordaram o tema da PNH.

Segundo Patrícia Cássia Duarte de Brito, assessora pedagógica do NRAS/ESP-MG, o encontro foi articulado pelas referências técnicas e representantes institucionais participantes do Grupo Interinstitucional de Humanização (GIPH), coordenado pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais. “Devido ao bom êxito dessa iniciativa, a ESP-MG e a equipe HumanizaSUS Paracatu estão planejando a realização de um curso de Apoiadores da PNH – HumanizaSUS Paracatu”, anunciou a também servidora do NRAS, Denize Armondm.

SUS que dá certo

Na avaliação do médico Gustavo Nunes, ex-coordenador da PNH, do Ministério da Saúde, os princípios, as diretrizes e os dispositivos da humanização permitem aos profissionais de saúde ampliar a capacidade de aprender, socializar e compartilhar experiências que melhoram o trabalho em saúde, sendo fundamental para a sustentabilidade do SUS. Para Nunes, a humanização possibilita lidar com as questões da diferença, do descenso, do conflito e da produção de subjetividade na gestão e na atenção à saúde. “Quando os profissionais de saúde passam a ter contato com a PNH na formação inicial, a capacidade de cuidado e de articulação de redes de produção de saúde é ampliada, proporcionando melhorias à vida e à saúde dos usuários, como também dos próprios trabalhadores envolvidos”, reconheceu.

Nunes lembrou que a PNH é transversal às demais ações e políticas de saúde, pois não somente transforma as relações de trabalho ao ampliar o contato e a comunicação entre pessoas e grupos, tirando-os do isolamento e das relações de poder hierarquizadas, como também assume o desafio de incluir em todas as instâncias do SUS grupos populacionais que normalmente estariam de fora, a exemplo das populações privadas de liberdade, dos povos ribeirinhos, remanescentes de quilombos, jovens negros das grandes cidades, mulheres gestantes negras, cujo risco de mortalidade no parto é maior que as mulheres brancas, bem como as pessoas alvo de discriminações, intolerância religiosa, racismo e violência institucional nos serviços do SUS. “Transversalizar é reconhecer que as diferentes especialidades e práticas de saúde podem conversar entre si e que esses saberes podem produzir saúde de forma mais corresponsável”, orientou.

Para a implantação de uma política efetivamente transversal, acrescentou, faz-se necessário combinar a atuação descentralizada dos diversos atores que constituem o SUS, experimentando novas propostas de ações e identificando experiências exitosas de humanização.  “Por este motivo, entre os meses de novembro e dezembro de 2013, os coletivos de consultores da PNH reuniram-se em cinco oficinas para mapear as ações realizadas no contexto da humanização no SUS e traçar um plano de ação para 2014, resultando na construção do Mapa de Ações da PNH”, contou.

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Mais de uma década de humanização no SUS

A humanização começa a se configurar como política em 2001, com o Programa Nacional de Humanização do Atendimento Hospitalar (PNHAH). O psicólogo Eduardo Passos, doutor em Psicologia e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembra que o tema já pautava os movimentos sociais bem antes. “A PNH nasce enquanto política na Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, mas o ideário de humanização no SUS já estava expresso na agenda de reivindicações dos movimentos sociais”, esclareceu, em alusão à antiga luta pela humanização do parto.

A PNH é instituída em 2003, a partir de um amplo debate entre diversos órgãos do Ministério da Saúde e representantes de movimentos sociais e secretarias estaduais e municipais de Saúde. Atualmente vinculada à Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, no Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas (DAPES), ela conta com um núcleo técnico sediado em Brasília e equipes regionais de apoiadores que se articulam às secretarias estaduais e municipais de Saúde. Os princípios e diretrizes da humanização estão presentes nas diferentes frentes do SUS, incluindo situações atípicas como, por exemplo, o apoio dado aos trabalhadores de saúde e familiares das vítimas do incêndio que matou 242 pessoas e feriu 116 outras na boate Kiss, em Santa Maria (RS), na madrugada de 27 de janeiro de 2013. À época, o consultor da PNH Carlos Garcia trabalhou na articulação com os diferentes núcleos da saúde (medicina, enfermagem e psicologia) para colaborar no alinhamento e acesso de familiares e ao cuidado às vítimas, reafirmando a transversalidade dessa política.

Entre os dias 7 e 11 de abril deste ano, na esteira das comemorações das Bodas de Estanho (10 anos) da PNH, iniciada em 2013, foi realizada a Semana Nacional de Humanização. Organizado de forma descentralizada, o seminário reuniu mais de 100 mil pessoas por todo o país, entre gestores, trabalhadores e usuários do SUS, que participaram de mais de 500 atividades em todo o país.

 No fim de 2012 e no início de 2013, foram organizados cinco seminários regionais que tiveram como objetivo ampliar o debate sobre a PNH, as redes temáticas prioritárias, a participação dos usuários e a integração de trabalhadores, gestores e parceiros de instituições formadoras. Com uma média de 150 participantes, os encontros regionais também serviram como prévia para atualizar os conhecimentos sobre a PNH e suas interfaces com o SUS e apontar para a realização do Seminário Nacional 10 anos da PNH, em novembro de 2013, na sede da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em Brasília.

O encontro nacional contou com a participação de mais de 100 pessoas, entre elas do ex-coordenador da PNH, Gustavo Nunes, que tratou do tema da gestão da política e seu projeto ético-estético-político na máquina de Estado, além de autoridades dos ministérios da Saúde do Brasil e de Angola e representantes da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) do MS, da Opas, dos conselhos nacionais de Secretários da Saúde (Conass), de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e de Saúde (CNS) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). “Os princípios e as diretrizes da PNH se confundem com os princípios do SUS. A pauta da humanização nasce no movimento sanitário e, hoje, se amplia para todos os trabalhadores e usuários do SUS”, lembrou Nunes.

Durante o evento, foi realizada a premiação do concurso cultural Faço Parte do SUS que dá certo. O objetivo da iniciativa foi produzir um vídeo e um catálogo institucional sobre a PNH, a partir de duas experiências de cada região brasileira. Foi preciso enviar um vídeo de até cinco minutos que mostrasse  algum serviço ou iniciativa da saúde pública com resultados positivos em unidades básicas de saúde, policlínicas, hospitais, serviços especializados e setores relacionados diretamente à gestão no SUS, fossem também de usuários e movimentos sociais, que estivessem em acordo com as diretrizes da humanização do SUS. Critérios como criatividade e potencial para melhorar o acesso e a qualidade do atendimento no SUS fizeram parte da avaliação, que selecionou 10 vídeos. Houve, também, uma premiação, na categoria Voto Popular, com Menção Honrosa para o vídeo mais votado pelos internautas na Rede HumanizaSUS.

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