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- Pela primeira vez, protagonistas do debate

Encontro sobre Saúde e Ambiente se destaca pela aproximação entre academia e movimentos sociais, abrindo caminho para uma relação isonômica.

Ana Paula Evangelista
 

Em sua segunda edição, sob o tema Desenvolvimento, conflitos territoriais e saúde: ciência e movimentos sociais para a justiça ambiental nas políticas públicas, o Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente (Sibsa), promovido de 19 a 23 de outubro, em Belo Horizonte (MG), pelo Grupo Temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (GTSA/Abrasco), apostou na aproximação entre academia e movimentos sociais, dando o mesmo protagonismo aos dois segmentos. A iniciativa abriu caminhos para a definição de uma relação sujeito-sujeito, mesclando trabalhos científicos e relatos de quem tem um saber do modo de vida, sobre o contexto socioambiental. “O Sibsa é fruto da construção do conhecimento que flui dentro dos movimentos sociais e pode tornar-se um pensamento coletivo. Fomos além de nossas expectativas ao incluir os movimentos sociais como partícipes da comissão científica e organizadora do simpósio”, informou o presidente do evento e diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Hermano Albuquerque de Castro. Ele defendeu, para além da inclusão dos movimentos sociais nos debates científicos, maior empenho na defesa da vida e da saúde.

“Aos que lutam pela reforma agrária, apresento o silêncio contra o apodrecimento da palavra. Para que não se chame de conflito a chacina, de paz a polícia, violência de segurança e manipulação de justiça, voltemos ao silêncio”, recitou Mercedes Zuliani, da Organização Via Campesina, o poema de Clei de Souza, intitulado Para não calar, informando que os movimentos sociais sentem-se reconhecidos com a participação no simpósio. “Agradecemos ao povo que lutou para chegarmos até aqui, sob uma resistência que constrói projetos”, exaltou. Presente na mesa de abertura, o presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Gadelha, observou que os temas saúde e ambiente são quase simbióticos e não podem ser pensados de forma desconectada. “A produção do conhecimento não é um monopólio da academia. É algo vivo presente na luta e na prática das pessoas”, reconheceu.

Sem saúde, o mundo vai mal

Histórico militante da Reforma Agrária e precursor da agroecologia no Brasil, o francês Jean Pierre Leroy proferiu a conferência de abertura do 2º Sibsa, sob o tema Direitos, justiça ambiental e políticas públicas, defendendo a retomada do sentido de simbiose das sociedades na contemporaneidade e explicando que a saúde é o termômetro desse processo. “Se a saúde não vai bem, o mundo não vai bem”, enfatizou.

Segundo Leroy, os direitos são arbitrários, principalmente, quando dizem respeito ao território. “O Congresso Nacional — que é dominado pelo agronegócio — quer dar a ele o direito e o dever de definir onde haverá povos indígenas. Mas os índios já existiam. É ainda mais arbitrário quando o governo federal atribui essa decisão aos estados ou quando liberam, por exemplo, a construção de hidrelétricas em territórios tradicionais, indo contra a Constituição Federal”, criticou.

Em suas palavras, justiça ambiental implica a luta travada para que ninguém entre na condição de atingido. “É um grito dos que não aceitam ser destruídos, eliminados, silenciados pela injustiça e pelo processo de desenvolvimento capitalista”, explicou, acrescentou que justiça ambiental é uma afirmação de algo que interpela toda a sociedade, que diz que não se pode mais pensar o futuro da sociedade brasileira sem que o meio ambiente faça parte da vida. “Há 20 anos os ambientalistas já diziam que faltaria água e outros bens naturais. Hoje, é o grito do povo que ecoa o problema”, ressaltou.

Interesses antagônicos

A mesa Conflitos territoriais no campo, florestas e cidades: implicações para a saúde reuniu Cristiane Faustino, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Guilherme Delgado, da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), e Roberto Passos Nogueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Delgado falou sobre a mercadorização do trabalho e dos territórios. “Estamos falando sobre a violência institucional, governamental ou empresarial, sobre as pessoas e o ambiente”, explicou. Coube a Passos tratar do conceito de habitação e das relações históricas que fizeram com que a habitação perdesse, pelo menos na prática, a designação do ato de viver em um lugar natural, no qual o homem tem sua morada, o campo para cultivar, as florestas, os rios e as montanhas. “O trabalho não se separa do viver nesse modo natural de posse da terra”, enfatizou. Cristiane afirmou que o conflito nasce da diferença de interesse do governo e das populações. “Conflitos territoriais e sociais estão ligados à força patriarcal, que domina as minorias”, enfatizou.

Na mesa Agroecologia e Saúde, Agnaldo Fernandes, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi (RN), Renato Moreira de Souza, do Assentamento Santo Dias (MG), e Emília Alves da Silva Rodrigues, do Movimento Quebradeiras de Coco (TO), trataram das concepções de relação humanidade-natureza presentes em experiências agroecológicas e dos conflitos com o agronegócio. A ética pela vida, o protagonismo social, a criatividade e a visão sistêmica foram pontos comuns das histórias de vida apresentadas pelos participantes. Eles apontaram como desafios e possibilidades manter as novas gerações no campo, atuando na lavoura, fortalecendo o diálogo de saberes entre universidade e campo e promovendo o intercâmbio de experiências, em que se repense o conceito de saúde e a ação crítica do mundo acadêmico junto aos movimentos sociais para transformar a realidade e supere a inversão de valores relacionada à comprovação de que o orgânico faz bem e os alimentos contaminados não são identificados como tal.

A mesa Agronegócio e Saúde reuniu José Gomes da Silva, da Associação Regional de Produtores Agroecológicos, do Assentamento Roseli Nunes (MT), e Cosme Rite, da tribo Xavantes (MT). Gomes apresentou o contexto dos conflitos do Assentamento Roseli Nunes, ligado à cadeia agroindústria no Centro-Oeste, que inclui as atividades de mineração, agrotóxicos e insumos, monoculturas e disputa por território. Rite, por sua vez, contou que a Azienda Generale Italiana Petroli (Agip) — empresa que atua no ramo de combustíveis — deixou o território indígena, mas o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Inca) permitiu a ocupação pelos fazendeiros. Depois de muitos anos, a organização indígena conseguiu expulsar os fazendeiros da terra. No entanto, o solo estava destruído e contaminado. “Não precisamos apenas ocupar a terra, mas produzir e se sustentar”, reclamou.
 

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