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Saúde da pessoa idosa em foco

Política de Saúde da Pessoa Idosa encontra nas ETSUS a parceria fundamental para a promoção da autonomia e independência dos idosos.

Ana Paula Evangelista

 

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, a população idosa brasileira corresponde a 26,2 milhões, o que significa 13% da população total, e a expectativa de vida é de 74 anos, sendo 77,7 para as mulheres e 70,6 para os homens. Em 2025, o Brasil estará entre os dez países com maior número de idosos do mundo: serão 32 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade, revela a Organização Mundial da Saúde (OMS). A estimativa está atribuída às quedas das taxas de fecundidade e à diminuição gradativa das taxas de mortalidade registradas nas últimas décadas. O Brasil, assim, tenderá a envelhecer em 34 anos o que países europeus demoraram um século — na França, por exemplo, a população idosa dobrou de 7% para 14% em cem anos.  Uma reflexão sobre os desafios e as políticas — principalmente de saúde — voltadas para essa parcela da população, portanto, se tornaram urgentes. “Esse envelhecimento acelerado vem produzindo necessidades e demandas sociais que requerem respostas políticas adequadas do Estado e da sociedade”, afirmou Cristina Lobo, coordenadora adjunta de Saúde da Pessoa Idosa do Departamento de Atenção Especializada e Temática da Secretaria de Atenção à Saúde (Cosapi/Daet/SAS).

Com oito anos de vida, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006) aposta na recuperação, manutenção e promoção da autonomia e independência dos idosos.  Entre as diretrizes norteadoras dessa iniciativa está a promoção do envelhecimento ativo e saudável, a atenção integral e integrada à saúde da pessoa idosa, o estímulo às ações intersetoriais e à participação e ao fortalecimento do controle social, o provimento de recursos e a formação e a educação permanente dos profissionais de saúde do SUS. Essa última torna-se uma das ferramentas mais importantes para a promoção da política e encontra nas escolas técnicas do SUS a parceria fundamental. “Para responder às particularidades do cuidado à pessoa idosa, o profissional de saúde deve estar preparado para reconhecer na pessoa idosa a sua potencialidade para o autocuidado, a necessidade de interdependência para o cuidado e a importância de preservar a autonomia para que o processo de envelhecimento seja com qualidade de vida”, obervou Cristina.

Experiências exitosas

A Escola Municipal de São Paulo (EMS-SP) iniciou, em agosto de 2014, o curso Gerenciamento de Cuidados para a Atenção Integral à Saúde da Pessoa Idosa, voltado para 70 auxiliares e técnicos de enfermagem que atuam na Atenção Básica. Dividido em oito módulos e com carga horária de 160 horas, o curso tem metodologia pautada em sucessivas discussões sobre o cotidiano do idoso. Entre as inúmeras contribuições, deverá qualificar os profissionais e oferecer condições para lidar com situações adversas, tendo em vista a autonomia funcional de parte dessa população.

Na mesma direção, a Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE) desenvolve estratégias de formação de recursos humanos em gerontologia e geriatria, com o forte propósito de capacitar trabalhadores da saúde frente às especificidades do envelhecimento e da saúde da pessoa idosa, a exemplo dos cursos de pós-graduação lato sensu em Geriatria (2004, 2005, 2006) e Gerontologia (2005). “O investimento na formação dos profissionais da rede de atenção ao idoso no Ceará é orientado pelas demandas específicas da epidemiologia do envelhecimento”, informou Tulia Fernanda Meira Garcia, técnica da ESP-CE e doutoranda em Gerontologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

Outra importante ação da escola é o Curso de Capacitação de Cuidadores de Idosos, para instituições, serviços, educadores, agentes públicos, lideranças comunitárias, sejam vinculados a organizações governamentais ou organizações da sociedade civil organizada, integrantes da Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa (Renadi). A capacitação contribui, também, para a implantação da linha de cuidado para pessoas idosas e famílias em situações de violência, negligência e maus-tratos, além de colaborar para a implementação da Política Estadual do Idoso do Ceará ao capacitar pessoas para exercerem funções de cuidador de idosos em domicílios, hospitais, centros de referência e instituições de longa permanência para idosos. Com carga horária de 160 horas aula, sendo 80 horas teóricas e 80 horas de prática supervisionada, a formação destina-se a pessoas com formação mínima no ensino médio — preferencialmente, com experiência prévia na ação e indicadas por serviços de atenção ao idoso —, cuidadores de serviço de atenção domiciliar e demais interessadas na aprendizagem de cuidar. A escola já formou 200 alunos e há previsão de novas turmas para 2015.

Em 2008, foi a vez da Escola de Formação em Saúde (Efos) dar início ao projeto de integração com a comunidade, realizando encontros e atividades para entender melhor as limitações das pessoas na terceira idade.  Em 2009, cerca de 30 idosos da comunidade tiveram o contato com a informática, com ajuda dos próprios servidores. Em outro projeto da Efos, foi apresentado a esse grupo populacional o real benefício de uma alimentação adequada e balanceada. As atividades culminaram, em 2010, no planejamento da Especialização Técnica de Nível Médio em Saúde do Idoso, voltada aos profissionais técnicos de enfermagem que atuam no SUS, com turmas realizadas em 2011 e 2014.

Da ETSUS Blumenau surgiram, em 2007, duas modalidades de formação em saúde da pessoa idosa, voltadas a profissionais e cuidadores. As matrizes curriculares dos cursos tomaram como base os resultados de oficinas sobre o tema, realizadas pela escola e o Ministério da Saúde. Destinado aos trabalhadores da saúde de nível médio, o Aperfeiçoamento em Saúde do Idoso teve uma carga horária de 180 horas. Para os cuidadores, a capacitação foi de 160 horas, incluindo encontros de educação permanente em saúde. De acordo com a coordenadora pedagógica da escola, Teresinha Nogueira, os eixos norteadores de discussão dos cursos perpassam pelos temas Processo saúde-doença, Políticas sociais, Processo de trabalho e Cuidado assistencial e domiciliar ao idoso.  A escola formou, ao todo, 267 alunos.

No Piauí, alunos do Curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde, oferecido pelo Centro Estadual de Educação Profissional em Saúde Monsenhor José Luiz Barbosa Cortez, realizaram uma atividade inédita de dispersão, que teve como foco a campanha contra a gripe entre a população idosa. Somente no chamado Dia D, 89% dos idosos foram vacinados. Eles apostam na inserção do tema na matriz curricular dos cursos, assim como acredita o Centro Formador de Pessoal para a Saúde de Araraquara (SP). A escola considera a saúde do idoso eixo transversal dos cursos técnicos, de formação inicial e das atualizações e especializações técnicas, resultando em trabalhos de conclusão de curso, como o de Daniele Marquetti, Denise Rosalino, Francisco de Assis Souza Machado, Lucinéia Aparecida Silva, Regiani Botta e Sergio Hermes das Neves, egressos do curso Especialização Técnica em Urgência e Emergência, da classe descentralizada de São Carlos, sob o tema Conceitos modernos para prevenção e tratamento de diabetes tipo II em idosos.

Em destaque

Por meio do Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio à Saúde (Profaps) do Ministério da Saúde, o Centro de Educação Técnico-Profissional na Área da Saúde de Rondônia (Cetas) oferece o Curso de Qualificação em Cuidador de Idosos, cujo objetivo é capacitar 300 técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde que atuam na Atenção Básica, contemplando os 52 municípios do estado. Já foram finalizadas as turmas dos municípios de Porto Velho, Jaru, São Miguel do Guaporé, Chupinguaia, Vilhena e Ji-Paraná. Outras quatro turmas estão em andamento nas cidades de Rolim de Moura, Colorado do Oeste, Ariquemes e Cacoal, o que representa 87% de profissionais qualificados.

O trabalho tem como base quatro pilares da educação — aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; e aprender a ser —, motivando os alunos confrontarem os aspectos da vida real por meio de visitas aos centros de Convivência de Idosos e às instituições de longa permanência dos municípios. Durante as visitas, os alunos promovem atividades culturais e educativas, como teatro, cinema, concurso de música e dança. “A formação dos trabalhadores nessa área é uma importante estratégia para a inclusão da população idosa no acesso ao cuidado e à promoção à saúde, uma vez que possibilita uma melhor compreensão sobre o processo do envelhecimento, abrangendo aspectos relativos à saúde física, capacidade cognitiva, afetiva, social e funcional”, frisou a diretora do Cetas, Angelita Mendes.

Na Região Norte, também, a Escola Técnica de Saúde Dr. Gismar Gomes (ETSUS Tocantins) tem como ação prioritária a Qualificação do Cuidador de Pessoas Idosas com Dependência, como foco na promoção e prevenção, na recuperação, na reabilitação e no acompanhamento da população idosa.  Com carga horária de 160 horas, o curso está dividido em três módulos, buscando desenvolver ações para a proteção social e promoção da saúde, a prevenção e o monitoramento das situações que oferecem risco à saúde da pessoa idosa com dependência, bem como para o processo de interação e comunicação entre o idoso, seus familiares e a comunidade e para a presteza em situações imprevistas, articulando os recursos para seu pronto atendimento. No ano de 2014, três turmas iniciaram o curso, nos municípios de Palmas, Gurupi e Araguaína. Com turmas em andamento, a escola pretende formar mais de 100 profissionais na área.

Em Sobral (CE), os 31 técnicos em enfermagem que fazem parte da Especialização Técnica em Saúde do Idoso, promovida pela Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, iniciaram, em novembro, os estágios referentes ao módulo Agravos da terceira idade, cujo propósito é fomentar a reflexão da teoria apresentada no decorrer do curso. Os estágios acontecem nos hospitais Regional Norte e de Ensino Santa Casa de Misericórdia de Sobral. Iniciado em agosto, o curso está dividido em 300 horas de teoria e 150 horas de estágios e, organizado em cinco módulos — Políticas públicas e sociais de relevância para a saúde da pessoa idosa no SUS; Humanização e acolhimento da pessoa idosa; Agravos da terceira idade; Assistência da enfermagem à pessoa idosa; e Metodologia de pesquisa.

Entre 2006 e 2008, o Centro de Educação Profissional de Saúde da Escola de Saúde Pública de Goiás Cândido Santiago (Cep Saúde) qualificou 151 cuidadores de idosos, por meio de cursos com carga horária de 100 horas, que contou com a participação de pessoas da comunidade que precisavam cuidar de algum integrante da família ou desejavam atuar na  área. De setembro de 2012 a abril de 2014, a escola promoveu mais duas turmas do curso, com 41 cuidadores formados, trabalhadores das instituições de prestação de cuidados às pessoas idosas, como os complexos gerontológicos Sagrada Família e Vila Vida, gerenciados pela Organização das Voluntárias de Goiás (OVG) — parceira nessa ação.

Em Minas Gerais, a Escola de Saúde Pública do estado (ESP-MG) e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Belo Horizonte realizam, desde 2009, o Projeto de Qualificação do Cuidado Domiciliar à Pessoa Idosa Frágil. O objetivo principal do curso é a qualificação de profissionais da atenção primária, em interface com demais níveis de atenção, contribuindo para a capacitação dos profissionais da rede pública de saúde da capital mineira. O curso, destinado aos agentes comunitários de saúde ou profissionais de nível médio de Enfermagem do SUS de Belo Horizonte — desde que indicados pelo Centro de Educação em Saúde da SMS — é realizado por meio de exposições dialógicas e disciplinas com carga horária de duas ou quatro horas, trazendo temas como alteridade, envelhecimento, ambiência, problemas de saúde mais comuns, rotinas do cuidado ao idoso frágil, situações de risco de vida, humanização, cuidados paliativos, relações sociofamiliares, entre outros. Ao fim do curso, há um momento de construção de propostas de implementação de redes de atenção ao idoso e discussão de políticas públicas voltadas para o tema.


BOX

HIV na terceira idade

Quais são os fatores associados à vulnerabilidade dos idosos ao HIV/aids, considerando-se a dinâmica demográfica e o envelhecimento populacional? A pergunta norteou a tese de doutorado Idosos vivendo com HIV/aids: vulnerabilidade e redes sociais em Belo Horizonte (MG), 2013, defendida por Marília Borborema Rodrigues Cerqueira, professora do Departamento de Economia e da Escola Técnica de Saúde da Universidade Estadual de Montes Claros (ETSUS Unimontes), em junho de 2014, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Durante cinco anos, ela avaliou 58 prontuários de pessoas com 60 anos ou mais que vivem com o vírus, submetidas a tratamento no Hospital Eduardo Menezes. Entre as principais características desse grupo está a baixa capacidade de resposta à vulnerabilidade, somada à falta de informação e à percepção machista. “Uma idosa tratou de tuberculose em um município do interior de Minas Gerais, mas não conseguia sucesso no tratamento, pois não fizeram o teste de HIV. Ao chegar ao hospital, o diagnóstico foi confirmado”, contou Marília.

A tese aponta para a falta de políticas de prevenção e promoção da saúde sexual entre os idosos. Segundo o estudo, muitos idosos ressaltaram que nunca viram um programa voltado para a geração deles, e a falta de informações perpassa todos os níveis de vulnerabilidade. Em 2008, citou a pesquisadora, houve uma campanha sobre a necessidade de uso do preservativo para indivíduos com 50 anos ou mais, mas foi uma ação isolada. “Os idosos fazem sexo e têm direito a uma vida sexual plena e saudável. Eles precisam de informações sobre sexo mais seguro, uso de preservativo, medicamento para disfunção erétil”, avaliou, chamando atenção, também, para a necessidade de políticas públicas para os profissionais de saúde.

O trabalho identificou que a maioria dos idosos tem vida sexual ativa, mas poucos declararam que se protegem, usando preservativos. Foi verificado0 que a adesão à terapia antirretroviral (Tarv) tem estrita relação com a forma de contração do vírus: as idosas que foram traídas têm adesão ruim à Tarv e são revoltadas e depressivas. Segundo a tese, as redes sociais servem, para muitos deles, como redes de apoio. Alguns idosos que vivem com o vírus exercem importante papel de conselheiros na rede social.

O cenário revelado por Marília é preocupante, pois apesar da dinâmica demográfica e envelhecimento populacional já terem sido incorporados aos debates, os idosos são vistos como seres assexuados. “Espera-se, nesse sentido, que esta tese possa contribuir para desmitificar a invisibilidade sexual dos idosos, garantindo-lhes uma vida sexual saudável e contínua, o que lhes é de direito”, escreveu.
 

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