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O retrato da saúde dos brasileiros

Estratégia inédita, em face da sua amplitude, pesquisa traz informações sobre doenças crônicas, estilos de vida e a autopercepção da saúde do brasileiro.

Maíra Mathias
 

“Iniciativa estratégica para o planejamento e a condução das políticas de saúde mais adequadas às necessidades do país”. A observação é do ministro da saúde, Arthur Chioro, sobre a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), cujos primeiros resultados foram divulgados em 10 de dezembro do ano passado. O maior e mais detalhado estudo sobre a saúde do brasileiro, realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), abarcou 81.767 mil domicílios em 1,6 mil cidades do país ao longo do segundo semestre de 2013. Ao todo, 63 mil adultos participaram.

As informações são apresentadas por gênero, raça-cor, faixa etária e níveis socioeconômico e educacional. Em uma primeira etapa, a pesquisa traz informações sobre doenças crônicas, estilos de vida e a autopercepção da saúde do brasileiro. Em maio, saem os resultados relativos ao desempenho do sistema nacional de saúde e, em agosto, as informações sobre a saúde das mulheres, a funcionalidade de idosos e os cuidados preventivos às crianças menores de dois anos. Por fim, em novembro, serão divulgados os dados referentes às medidas físicas e aos exames laboratoriais. A PNS será atualizada a cada cinco anos, passando a compor o Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares do IBGE.

Diferente de levantamentos realizados anteriormente — como o Suplemento de Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) e a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), que se baseiam exclusivamente no relato dos entrevistados —, a PNS inovou ao aferir medidas como peso, altura, circunferência da cintura e pressão arterial. A coleta de material biológico (sangue e urina) foi feita em 25% dos participantes. Na avaliação da coordenadora da PNS e pesquisadora do Laboratório de Informação e Saúde do Icict, Célia Ladnmann, a proposta garante outra dimensão aos resultados. “Será possível investigar o acesso ao diagnóstico e a assistência do indivíduo hipertenso, diabético ou depressivo, incluindo acesso a medicamentos, exames laboratoriais e consultas com especialistas, limitações, sequelas e internações”, esclareceu. Além disso, permite descrever o perfil lipídico da população brasileira adulta e o consumo de sal por meio da dosagem de sódio na urina. “Programas preventivos, como os de câncer de colo de útero e de mama, serão igualmente avaliados”, acrescentou.

Doenças crônicas

O primeiro volume da PNS revelou que 57,4 milhões dos brasileiros adultos (40%) têm, pelo menos, uma doença crônica não transmissível (DCNT). Somente em São Paulo — estado mais populoso do país —, 14 milhões de pessoas são afetadas, o que corresponde a 42% dos adultos. A pesquisa contabilizou as 11 principais DCNTs que, juntas, são a causa de 72% de todas as mortes no país.

A PNS estima que 31,3 milhões de brasileiros são hipertensos, 27 milhões sofrem com problemas na coluna, 18,4 milhões têm colesterol alto, 11,2 milhões foram diagnosticados com depressão, 9,1 milhões têm diabetes e 6,1 milhões têm doenças cardiovasculares, que é a principal causa de morte no Brasil. Os números apontam, ainda, que 2,2 milhões de adultos já sofreram um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e 2,7 milhões tiveram diagnóstico de algum câncer confirmado, o que equivale a 1,8% da população. Cânceres de mama, pele, próstata e de colo de útero foram os tipos mais frequentes. A pesquisa também investigou diagnósticos de insuficiência renal crônica e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Dort) que, em 2013, afetavam 1,4% e 2,4% dos brasileiros.

As dificuldades de locomoção — a partir do relato de uso de muleta, bengala, cadeira de rodas etc. — afetam 2,5% das pessoas de 18 anos ou mais de idade. A prevalência de pessoas com sintomas de angina também foi investigada. A doença pode ocorrer no grau 1 (dor ou desconforto no peito ao subir ladeiras, um lance de escadas ou ao caminhar rápido no plano) ou no grau 2 (dor ou desconforto no peito ao caminhar em lugar plano em velocidade normal). As incidências nos graus 1 e 2 foram, respectivamente, de 7,6% e 4,2%. Asma ou bronquite asmática afetam 4,4% dos brasileiros, completando o quadro. Todas as estimativas se referem a pessoas diagnosticadas por um profissional de saúde.

Segundo a pesquisa, as DCNT têm respondido por um número elevado de mortes antes dos 70 anos de idade e perda de qualidade de vida, gerando incapacidades e alto grau de limitação das pessoas doentes. São doenças associadas a fatores de risco, também identificados na pesquisa, tais como tabagismo, consumo abusivo de álcool, sobrepeso, sedentarismo e alimentação pobre em frutas e verduras.

Estilo de vida

A PNS retratou de maneira ampla os estilos de vida dos brasileiros. Foram investigados hábitos alimentares, consumo de tabaco e álcool, prática regular de exercícios e até costumes relacionados ao sedentarismo, como tempo que se leva sentado diante da tevê. Os resultados não foram muito animadores.

Quando o assunto é alimentação, o estudo mostra que apenas 37,3% da população consomem cinco porções diárias de frutas e hortaliças, conforme recomendação da OMS. Um número próximo disso (37,2%) relatou ter o hábito de comer carne com excesso de gordura, o que também está na contramão do que advertem as autoridades sanitárias. Os brasileiros preferem ainda o leite integral (60%), mais gorduroso, e 23% bebem refrigerantes ou sucos artificiais pelo menos cinco vezes na semana. Esse ritmo de consumo se repete em relação ao consumo de doces, que seduzem 21,7% da população. Já 14,2% das pessoas relataram salgar excessivamente os alimentos.

O sedentarismo é outro grave problema no país. Entre os adultos, 46% não praticavam atividade física em nível suficiente no lazer, no trabalho, nos afazeres domésticos e nos seus deslocamentos diários e 42,3 milhões de brasileiros assistem pelo menos três horas de televisão todos os dias. Segundo a pesquisa, um nível mínimo adequado de atividade física seria 150 minutos de intensidade leve e moderada ou 75 minutos de atividade intensa por semana.

O consumo de álcool também foi considerado alto no país. A PNS apontou que 24% dos adultos ingeriam bebidas alcoólicas uma vez ou mais por semana Essa frequência era quase três vezes maior entre os homens (36,3%) do que entre as mulheres (13%) e maior entre quem tem nível superior completo (30,5%), comparado com quem tem fundamental incompleto (19%). A pesquisa concluiu ainda que 24,3% dos adultos conduziram carro ou motocicleta depois de beber.

Em meio a informações preocupantes, a PNS revelou ao menos uma boa notícia: o Brasil vem reduzindo significativamente o número de fumantes, principalmente entre os jovens. Se em 2008, quando foi realizada a Pesquisa Especial de Tabagismo do IBGE (PETab), 18,5% dos adultos declararam fumar cigarros e outros produtos derivados do tabaco, em 2013 esse número caiu para 14,7%. Em apenas cinco anos, a redução foi de 20,5%, o que destaca o Brasil em relação a países vizinhos, como o Uruguai, onde os esforços antitabaco são reconhecidos internacionalmente. “Isso mostra que o Brasil está tendo um sucesso muito importante. Se considerarmos que temos cerca de 200 mil óbitos por ano relacionados ao tabagismo, isso significa uma perspectiva de economia de recursos e de mais qualidade de vida. Com os dados da pesquisa, vamos poder aperfeiçoar as políticas de prevenção e as políticas que organizam o sistema de atendimento”, destacou Chioro.

Otimismo

O conjunto de dados objetivos contrasta com certo otimismo por parte dos brasileiros. É que 66,1% avaliaram a própria saúde como boa ou muito boa, sendo que na região Sudeste esse número chegou a 71,5%. Célia Landmann explica, contudo, que a autoavaliação da saúde é subjetiva, combinando componentes físicos, emocionais, do bem-estar e de satisfação com a vida e que, portanto, o fenômeno está relacionado aos avanços socioeconômicos no país: “Entre 2003 e 2013, a proporção de brasileiros adultos com percepção boa da própria saúde cresceu de 57% para 66%, apesar do envelhecimento da população. Isso significa que a percepção de bem-estar melhorou, refletindo os avanços alcançados nas condições de vida dos brasileiros”. 

Por outro lado, a coordenadora da PNS alerta que é chegada a hora de promover estilos de vida mais saudáveis. “É preciso reduzir a tendência crescente de excesso de peso e obesidade, diminuir o consumo de álcool, praticar mais atividade física e realizar medidas físicas e exames laboratoriais para o devido controle das doenças crônicas”, enumera.

 

BOX

Foco na boa alimentação e na saúde da população

Para incentivar a prática de hábitos saudáveis na população, o Ministério da Saúde lançou, no segundo semestre de 2014, a nova edição do Guia Alimentar para População Brasileira. A publicação defende que a alimentação tenha como base alimentos frescos (frutas, carnes, legumes) e minimamente processados (arroz, feijão e frutas secas) e adverte para os riscos dos produtos ultraprocessados. É consenso entre especialistas que o aumento do consumo desses produtos — como macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote e refrigerantes — está ligado à chamada epidemia mundial de obesidade e diabetes, contribuindo ainda para a escalada de doenças cardiovasculares e até para alguns tipos de câncer.

O guia foi elogiado pelos pesquisadores Eduardo Faerstein, médico epidemiologista e especialista em Alimentação, Nutrição e Saúde pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e Fábio Gomes, nutricionista do Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), que em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo (10/1/2015) alertaram: “Tem se tornado confusa a noção do que é de fato alimento. O espaço da comida no orçamento dos brasileiros tem sido cada vez mais tomado por produtos que são chamados indevidamente de alimentos”. Os falsos alimentos, advertem, têm algumas caraterísticas marcantes: alto teor de gordura, açúcar e sal, baixo teor de fibras e alta densidade de calorias. São, ainda, hiperpalatáveis — ou seja, compostos por substâncias que os tornam saborosos artificialmente.

Faerstein e Gomes compreendem que o problema ultrapassa “soluções” normalmente apontadas pela mídia, como força de vontade para seguir dietas saudáveis e balanceadas. Para eles, o tema deve ser tratado como questão de saúde pública. “O consumo desses produtos deve ser limitado por meio de medidas legislativas restritivas das estratégias mercadológicas e econômicas (por exemplo, taxação), uma vez que esforços individuais são insuficientes contra o arsenal persuasivo, e iniciativas voluntárias do setor produtivo não são efetivas contra sua própria prática”, escreveram.
 

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