revista ret-sus . seções . escola em foco

Versão para impressãoEnviar por email

escola em foco
Vinte e cinco anos de formação para o SUS

Inspirada na enfermeira Izabel dos Santos, a Etis segue em sua missão de ensinar segundo a problematização da realidade.

Flavia Lima
 

“Nossa escola tem a missão de promover a saúde, qualificando, habilitando e especializando trabalhadores do SUS por meio de uma educação problematizadora”, destacou Marta de Fátima Lima Barbosa, diretora da Escola de Formação Técnica em Saúde Enfermeira Izabel dos Santos (Etis), no Rio de Janeiro, em solenidade que comemorou o jubileu de prata da instituição. O evento comemorativo, realizado no dia 19 de dezembro de 2014, na sede da escola, situada no Instituto Municipal Nise da Silveira, no Engenho de Dentro (RJ), contou com a presença de alunos, professores e ex-dirigentes. “A educação é um importante processo de investimento, e a Etis cumpre bem esse papel”, observou Sônia Maria Alves, ex-diretora da escola (2000 a 2008) e atual presidente da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), seção Rio de Janeiro.

O aniversário destacou-se pela exibição de um vídeo com depoimento da enfermeira Izabel dos Santos, uma das pessoas que mais atuou em defesa da qualificação do trabalhador de nível técnico em saúde no Brasil, falecida em 2010, aos 83 anos, e pela encenação de uma peça sobre a importância de se qualificar para lidar com os pacientes. “A peça ressaltou, de forma bem objetiva, o principal papel da escola”, esclareceu Marta.

Além das apresentações, os alunos Dayana Figueiredo e Anísio de Farias Júnior, do projeto Caminhos do Cuidado — formação em saúde mental (crack, álcool e outras drogas) dos agentes comunitários de saúde e auxiliares e técnicos em enfermagem da Atenção Básica —, coordenado pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC), de Porto Alegre, e pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em articulação com as instituições do SUS protagonistas da formação desses trabalhadores, entre elas a Etis, deram depoimentos sobre o trabalho nas unidades de saúde e como lidam com a temática.

Na escola desde 1986 — mas, no cargo de diretora desde setembro de 2013 —, Marta aproveitou para reafirmar o compromisso com a escola, em defesa de sua manutenção e da qualidade da formação. Segundo ela, muitas discussões foram promovidas ao longo dos anos com diversos gestores em prol da continuidade da unidade, buscando sempre mostrar a importância da escola técnica em saúde para o estado do Rio de Janeiro.

Origem

A criação da escola, em 1° de novembro de 1989, no contexto da Reforma Sanitária Brasileira e, ainda, no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, como parte do Projeto de Formação de Trabalhadores de Nível Médio em Larga Escala, vem na esteira do surgimento da Escola de Auxiliares de Enfermagem do Hospital dos Servidores do Estado (HSE), em 1954. A instituição atuava tanto na sede do hospital, bem como de forma expandida, por meio dos Núcleos de Ensino para Hospitais do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social.

Hoje, a Etis faz parte da Fundação de Apoio às Escolas Técnicas (Faetec) da Secretaria de Ciência e Tecnologia do estado do Rio de Janeiro, mantendo seus objetivos. Segundo Marta, a escola tem como metas formar profissionais críticos e comprometidos com a atenção à saúde da população, pautando-se nos princípios e diretrizes do SUS; implantar cursos de educação profissional técnica de nível médio para trabalhadores do SUS ou em processo de inserção; desenvolver cursos de formação inicial e continuada para trabalhadores da saúde, bem como para os profissionais das instituições conveniadas; promover educação permanente; desenvolver produção técnico-científica no âmbito institucional, com a participação dos docentes e discentes, e projetos de extensão por meio de parcerias públicas e/ou privadas; oferecer cooperação técnica no campo da educação profissional e das políticas de saúde; e privilegiar metodologias que contribuam para fomentar a reflexão, a crítica e o aprender a aprender, com vistas a vincular a educação ao mundo do trabalho e à prática social.

Ao longo desses 25 anos, avanços são observados, entre eles, na avaliação de Marta, a ampliação do acesso à formação profissional de nível médio, consolidação do processo ensino-aprendizagem por meio da educação libertadora e novo olhar para a formação profissional. “O currículo da Etis é organizado em áreas de conhecimento, pautadas no perfil profissional, assumindo uma organização curricular integrada e a relação ensino-serviço-comunidade e teoria-prática”, explicou. Para ela, a Educação Profissional de Nível Técnico em saúde é um campo que precisa de constante aprimoramento, investimento e adequação às demandas.

Seguindo os ensinamentos de Izabel dos Santos, o processo pedagógico adotado pela escola tem por base a problematização da realidade, com proposta pedagógica baseada na Teoria Crítica da Educação, que propõe a capacidade de construção e reelaboração do conhecimento pelo aluno, estimulando a reflexão e a articulação entre ensino, serviço e ação junto à comunidade.

Elo da Rede

Como integrante da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS), a Etis oferece cursos técnicos em Enfermagem, Saúde Bucal, Administração em Saúde e Vigilância em Saúde, bem como a tradicional formação inicial do Técnico em Agente Comunitário de Saúde. Seguindo os princípios da Rede, a escola descentraliza suas turmas pelo estado do Rio por meio dos centros de Execução Programáticos Descentralizados permanentes, existentes no HSE e no Hospital Federal de Bonsucesso. “Onde não há centro de execução permanente, sua instalação se dá como uma contrapartida do município por meio de convênio de cooperação técnica”, explicou.

A instituição integra, também, a Rede de Bibliotecas do SUS (Rede BiblioSus), o Núcleo de Conteúdo do Telessaúde, do Núcleo do Estado do Rio de Janeiro, o Comitê Executivo da Biblioteca Virtual em Saúde – Educação Profissional em Saúde (BVS/EPS) e trabalha em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), no Projeto de Saúde Indígena.

Referência internacional

“Quando você aprende uma coisa fazendo, você modifica a sua prática automaticamente, e não consegue mais fazer do mesmo jeito. Isto é, se você aprende mesmo, se você processa o novo dentro de você, você modifica enquanto pessoa. E, sendo outra pessoa, você atua de outro jeito no serviço”. A declaração é de Izabel dos Santos, referência internacional na área da saúde pelo seu pioneirismo na luta contra as desigualdades e injustiças sociais. A mineira, de Pirapora, formada pela Escola de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, trabalhou pela Fundação de Saúde Pública (Fesp) em diferentes regiões do Brasil e, como docente, na Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Mentora do Programa de Formação em Larga Escala de pessoal de Nível Médio e Elementar para os Serviços Básicos de saúde, também conhecido como Projeto Larga Escala (1981), lançado pelo Ministério da Saúde, Izabel sempre se destacou pelo trabalho em prol da qualidade do cuidado em enfermagem, tendo como foco a qualificação e a formação de pessoal. Sua grande obra foi tornar os profissionais de nível médio de enfermagem em sujeitos sociais capazes de trabalhar com dignidade e competência.

Além do Larga Escala, cuja metodologia foi orientada pela concepção pedagógica da problematização, com formação em serviço e utilização de metodologias centradas nos estudantes, Izabel assumiu a construção do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (Profae), financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Tesouro Nacional e Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Os resultados do Profae surpreenderam pela eficácia e eficiência das ações, capacidade de desenvolvimento de metodologias, produção de material educativo e, sobretudo, pela capilaridade do projeto, que atingiu mais de quatro mil municípios em todo o Brasil. O processo de capacitação de tutores ocorreu de forma descentralizada e com intensivo grau de atividades semipresenciais, representando, também, inovações tecnológicas no campo da formação de profissionais de saúde.

Além da homenagem que a Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro fez a ela, em 1989, dando o seu nome a Etis, por meio do Decreto Governamental nº 13.802, Izabel foi agraciada, em 2002, com a publicação do livro Izabel dos Santos: a arte e a paixão de aprender fazendo, organizado por Janete Lima de Castro, José Paranaguá de Santana e Roberto Passos Nogueira.

Ela sempre contestou as desigualdades e injustiças, inconformada com uma assistência da enfermagem não condizente com as necessidades de saúde da população e o desinteresse na qualificação dos profissionais da área de nível médio. “Fui massacrada pela ideia de defender a formação no nível médio. Eu só tinha (e tenho) compromisso com uma coisa: com a qualidade do serviço prestado à população”, afirmou a enfermeira, em artigo publicado na Revista da Escola de Enfermagem da USP, em 2007. Izabel faleceu em 1º de dezembro de 2010, em Brasília, deixando um extenso legado.
 

Galeria de Fotos

Comentar