entrevista
Maria do Socorro de Souza
‘A conferência deve ser encarada como um processo articulado com o cotidiano de luta da sociedade’
Ana Paula Evangelista
“Boa parte do que temos hoje no SUS foi legitimada nas conferências nacionais de saúde”. A afirmação é de Maria do Socorro de Souza, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e coordenadora da 15ª Conferência Nacional de Saúde, a se realizar de 1º a 4 de dezembro deste ano, em Brasília, sob o tema Saúde Pública de qualidade para cuidar bem das pessoas: direito do povo brasileiro. Em entrevista à RET-SUS, ela faz um balanço desse espaço de participação popular e aponta as expectativas para que esse grande encontro consiga reafirmar, impulsionar e efetivar os princípios e diretrizes do SUS, mobilizar e estabelecer diálogos com a sociedade brasileira acerca do direito à saúde, fortalecer a participação e o controle social, avaliar a situação de saúde e aprofundar o debate sobre as reformas necessárias à democratização do Estado, em especial as que incidem sobre o setor Saúde.
Algumas estratégias se destacam nesse contexto, entre elas as plenárias regionais de conselhos de saúde e movimentos sociais, populares e sindicais, antecedendo as etapas municipais, estaduais, distrital e nacional da 15ª CNS, além de um portal para inscrições livres, a ser lançado pelo CNS neste primeiro semestre, esperando credenciar de 200 a 300 participantes. Segundo Maria do Socorro, a próxima edição da Conferência Nacional de Saúde tem o desafio de ampliar a participação da sociedade e avaliar os 25 anos de SUS, articulando a agenda da Saúde com a agenda nacional e apontando diretrizes que sirvam de subsídios para os planos estaduais e nacional do setor. “É preciso atentar que a participação direta é o caminho para resolver boa parte dos problemas. Precisamos dar à conferência um caráter ainda mais popular. Esse espaço não pode ser encarado como um evento, mas como processo articulado com o cotidiano de luta da sociedade”, observa.
Como avalia as conferências nacionais de Saúde?
Boa parte do SUS que temos hoje foi pauta de debate das conferências. Podemos citar como exemplos o Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (Coap), previsto no Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, e que regulamenta a Lei nº 8.080/90, programas de Saúde — como o Mais Médicos — e algumas leis, como a Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, regulamentando o parágrafo 3o do art. 198 da Constituição Federal, em relação aos valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, estados, Distrito Federal e municípios em ações e serviços públicos de saúde. Isso legitima a conferência nacional de saúde como importante espaço de participação popular. Apesar dos avanços, precisamos superar alguns limites, pois nem sempre as prioridades e as ações da gestão vão ao encontro das prioridades apontadas pela sociedade, seja por falta de orçamento, seja porque não apostam 100% no SUS, ou porque cada município tem uma dificuldade.
Quais são as expectativas para que a 15ª se faça efetiva?
Nós já aprendemos muito ao longo desse tempo a fazer conferência. Para a 15ª CNS, estamos reinterando muitas estratégias e mudando outras. Temos o desafio de ampliar a participação social, incluindo populações de rua, rurais, jovens e outras categorias de trabalhadores da saúde, como os agentes comunitários de saúde, que não conseguem vir para a etapa nacional. É preciso atentar que a participação direta é o caminho para resolver boa parte dos problemas. Precisamos dar à conferência um caráter ainda mais popular. A conferência não pode ser encarada como um evento, mas como processo articulado com o cotidiano de luta da sociedade. Com isso, esperamos que as proposições apontadas pela sociedade sejam transformadas em diretrizes e ações estratégicas para o SUS. Ou seja, que sirvam de subsídio para os planos estaduais e nacional de Saúde.
Como a 15ª poderá dar conta de ampliar a mobilização social e a diversidade de representações e interesses?
Em primeiro lugar, o regimento da conferência inovou ao assegurar em todas as etapas a paridade dos representantes dos usuários do SUS em relação ao conjunto dos demais segmentos, conforme previsto na Resolução nº 453/2012 do CNS. O segundo ponto favorável são as plenárias regionais de conselhos de saúde e movimentos sociais, populares e sindicais, realizadas em março, cujo objetivo foi mobilizar esses sujeitos e incluir novos. Outra estratégia é o credenciamento livre. Lançaremos um portal que, além de trazer informações sobre a 15ª, documentos e outros registros, abre vagas para credenciamentos livres de cidadãos que queiram participar do evento. Esperamos alcançar um percentual de 30% em torno da delegação geral, o que dará em média de 200 a 300 participações livres.
O CNS vem destacando alguns pontos caros à sociedade. Quais seriam?
Esses pontos estão contemplados no tema da conferência e nos eixos temáticos, com destaque para os que tratam do direito à saúde, garantia de acesso e atenção de qualidade, da valorização do trabalho e da educação em saúde e da participação social. São pautas que, geralmente, estão sendo “empurradas com a barriga” ou relegadas a segundo plano. Outro tema importante, que dá título a um dos eixos temáticos da conferência, é o financiamento do SUS e a relação público-privado. Isso implicará discutir a taxação das grandes fortunas, das heranças, o fim da isenção fiscal do imposto de renda de pessoa física. O eixo temático Ciência, tecnologia e inovação no SUS, por sua vez, põe em debate o que o SUS precisa para ser mais moderno e garantir mais qualidade no atendimento. Por fim, o eixo Informação, educação e política de comunicação do SUS ressalta o debate da reforma política e evidencia a necessidade de desconcentração do poder de mídia nas mãos de grupos econômicos que estão muito mais a serviço dos interesses privados do que dos públicos. Entre esses interesses está a destruição do SUS para firmar a ideia de que a saída para o Brasil está no plano privado de saúde.
O SUS completa 25 anos. Que outros desafios precisam ser superados?
Além de ampliar a participação popular, é preciso articular a agenda da saúde com a agenda nacional. É preciso promover a reforma democrática do Estado e o debate sobre a reforma política e a democratização dos meios de comunicação. Não existe direito à saúde nem um SUS concluído se não enfrentarmos esses debates.
Os direitos sociais, incluindo à Saúde, estariam em risco?
Em nome da crise econômica, os direitos sociais estão sendo atacados todos os dias. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, propôs um plano privado de saúde para todos os trabalhadores de carteira assinada [a PEC 451/2014, que obriga todas as empresas a pagarem aos seus funcionários um plano de saúde]. Isso é dizer que o SUS não é viável. É bom salientar que não será o plano privado que vai resolver os problemas do setor Saúde. As gestões precisam assumir como subsídios para seus planos de saúde o que temos deliberado nas conferências e nos conselhos de saúde.
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