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Dilemas da participação social em ano de conferência de saúde

Conferência Distrital de Saúde, no Rio, defende um sistema sob a gestão pública e direta do Estado.

Ana Paula Evangelista e Flavia Lima
 

Pedra de toque da comunicação, como assim definem Inesita Araújo e Janine Cardoso, pesquisadoras do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz), no livro Comunicação e Saúde, onde discorrem sobre os princípios do SUS e o campo da comunicação, a participação social é ponto essencial, especialmente no ano da Conferência Nacional de Saúde (CNS), ampliando as vozes mais periféricas para além dos conselhos. A mobilização da sociedade em torno da 15ª CNS, a realizar-se entre 1º e 4 de dezembro, em Brasília, começa com as etapas distritais, municipais e estaduais, por serem fundamentais para o amadurecimento das propostas que visam o fortalecimento do SUS.

No Rio de Janeiro, a participação destacou-se com a 12ª Conferência Distrital de Saúde da Área Programática (AP) 3.1 — que envolve os bairros de Bonsucesso, Brás de Pina, Complexo do Alemão, Cordovil, Ilha do Governador, Jardim América, Manguinhos, Maré, Olaria, Parada de Lucas, Penha Circular, Penha, Ramos e Vigário Geral —, entre os dias 7 e 9 de maio. A etapa reuniu diversos segmentos da sociedade civil organizada e autoridades públicas para avaliar a situação da saúde, formular diretrizes e definir propostas, visando alcançar a otimização do acesso com qualidade para a região.

Localizada no território de Manguinhos, a sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) teve participação ativa neste processo. Somente a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), unidade da Fiocruz e integrante da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS), contou com dez representantes no evento — todos convidados. Eles integraram um grupo de 28 trabalhadores, estudantes e moradores da região, responsável, também, pela construção de um documento (veja no site da RET-SUS) com propostas que recuperam o ideário da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) e o direito a todos à saúde garantido pela Constituição Federal de 1988.

Determinação social

O documento traz orientações para atuar nas condições e determinações sociais, econômicas e políticas que afetam a saúde e a qualidade de vida das populações. Defende um SUS público, universal, de qualidade e sob a gestão pública e direta do Estado, no regime de direito público, e um modelo de cuidado de base territorial, com porta de entrada prioritária na Atenção Primária, com desenvolvimento pelas linhas de cuidado por meio de rede que integrem as ações de saúde nos territórios com as ações das esferas municipais, estaduais e federais do SUS.

Em suma, combate os modelos privatizantes de gestão na saúde, como as Organizações Sociais (OS), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), as Fundações Estatais de Direito Privado, as fundações de apoio das universidades e entidades de Ciência e Tecnologia e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), e defende a implantação da Reforma Psiquiátrica, com ampliação e fortalecimento da rede de atenção psicossocial, a ampliação do controle social, com autonomia e independência perante à gestão.

O texto expressa os anseios da maioria dos participantes da Conferência Distrital. Os delegados e convidados criticaram, por exemplo, a avaliação feita pelo secretário de saúde do município do Rio de Janeiro, Daniel Soranz, que atribui o avanço da Atenção Básica à atuação das OSs no município, ao participar da mesa de abertura da Conferência Distrital de Saúde, trazendo alguns dados sobre o avanço da cobertura da Atenção Básica na cidade e a meta de alcançar em 70% de cobertura da Saúde da Família como legado das Olimpíadas Rio 2016.

Gilberto Reis, coordenador do Núcleo de Ações e Estudos de Comunicação e Saúde em Espaços Coletivos, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) — vizinha à EPSJV —, e delegado eleito como representante do segmento de profissionais de saúde na Conferência Distrital, é um dos que observam que as OSs se expandem como um modelo privatista de gestão da saúde e na contramão da ideia de público. “Cada vez mais, os trabalhadores terceirizados do SUS são submetidos a condições e contratos de trabalho autoritários, produtivistas e precarizados”, criticou.

Segundo ele, algumas OSs fazem, inclusive, cortes de investimento e de pessoal.  “Estamos diante de um panorama que exige reflexão, mobilização e atitude. Precisamos continuar coerentes com nosso compromisso histórico com a 8ª CNS e a Reforma Sanitária e, principalmente, com os princípios da universalidade, equidade, integralidade e participação social, para garantir uma saúde pública de qualidade”, orientou.

Reis chamou atenção para a necessidade de renovação dos espaços de discussão, na busca de um efetivo controle social e, também, de mais criticidade ao modelo capitalista, cujo foco é a privatização do setor público. 

Menos burocracia

O grupo de Manguinhos alerta para o problema da burocratização das conferências e dos conselhos. Um dos representantes da EPSJV na Conferência Distrital, o coordenador da Cooperação Internacional da unidade da Fiocruz, Geandro Ferreira Pinheiro, observa que os espaços de participação social estão muito limitados, pois só permitem a participação de grupos com CNPJ. “Apesar da orientação de se ter novos formatos de participação, os municípios e os estados se apropriam disso da maneira que querem. Se a Conferência Estadual do Rio de Janeiro fosse acontecer hoje, por exemplo, seria completamente fechada e vedada a outros grupos”, criticou.

Ele defendeu que instituições que interferem na saúde, como escolas técnicas ou escolas de saúde pública, a exemplo da EPSJV, sejam consideradas “unidades de saúde” para efeitos de participação nos conselhos e conferências — apenas as unidades assistenciais podem ter representatividade nessas instâncias. “A EPSJV e a Fiocruz foram extremamente importantes na Reforma Sanitária, na 8ª CNS e na criação do SUS, mas esse entusiasmo foi perdido, saiu do campo popular e se aproximou do campo da institucionalidade”, avaliou.

Geandro revelou que, para não deixar morrer esse movimento de inserção na 15ª CNS, o grupo do qual a Fiocruz participa já começou a se organizar para as próximas etapas. “Vamos continuar essa articulação na Fiocruz e na própria escola [EPSJV], buscando ampliar essa discussão. Estamos nos programando para realizar uma conferência local e incorporar propostas para levar para municipal e mostrar o que está em jogo”, anunciou.

O representante da EPSJV atentou, ainda, para a necessidade de um olhar específico para o que determina os problemas da região. “Os problemas não são somente na saúde, mas também na forma de entender o estado e a proteção social. Os principais problemas de modelo de cuidado estão vinculados à contratação e à fixação de profissional. Precisamos valorizar o trabalhador, ter um plano de carreira”, defendeu.
 

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