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Agentes de saúde mais fortalecidos

História, legislação e regulamentação do piso integram ação que busca a valorização dos agentes comunitários de saúde e endemia.

Ana Paula Evangelista e Katia Machado
 

O Dia do Agente Comunitário de Saúde, comemorado em 4 de outubro, destacou-se face ao lançamento do Plano de Valorização dos Agentes de Saúde e Endemias. Além da história, legislação e parâmetro de cobertura dos agentes comunitários de saúde (ACS) e dos agentes de combate a endemias (ACE), o plano traz à tona questões importantes sobre as categorias profissionais, como o valor do piso nacional de R$ 1.014,00, aprovado com a Lei nº 12.994/2014 e regulamentado pelo Decreto nº 8.474/2015.

Com o objetivo de orientar, especialmente, os gestores de Saúde quanto ao papel desses profissionais e às responsabilidades dos entes federados, o plano busca responder perguntas  como “Quem são?”, “Onde trabalham?” e “Quem contrata?”. O fortalecimento das duas categorias encontra justificativa na relevância do trabalho junto à comunidade, ao bairro, à cidade ou à região rural, facilitando o acesso da população à saúde e atuando na prevenção de doenças.

Cabe ao ACS, por exemplo, visitar regularmente residências e fazer registros da população, em relação a documentos básicos para o acesso aos serviços de saúde e possíveis problemas de saúde que possam ser identificados na residência. Já o ACE é responsável pela promoção de ações de educação em saúde junto à comunidade e por informar sobre os riscos das doenças. É, também, de responsabilidade desse profissional realizar visitas a imóveis e outras localidades com foco na prevenção e controle de doenças, como dengue, malária, leishmaniose e doença de Chagas. Ele atua no controle de roedores e na prevenção de acidentes por cobras, escorpiões e aranhas e participa das ações de vacinação de cães e gatos para prevenção e controle da raiva.

Sendo parte da administração pública, os agentes estão submetidos ao regime jurídico do município ou do estado. Portanto, há duas possibilidades de contratação: empregos públicos, por meio dos quais esses profissionais são contratados diretamente sob o regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); e cargos públicos, por meio dos quais os entes federados podem contratar diretamente esses profissionais em regime estatutário.

Perfil profissional

O plano traz à tona outra importante iniciativa, a pesquisa Avaliação do perfil dos agentes comunitários de saúde no processo de consolidação da Atenção Primária à Saúde no Brasil. O estudo traça o desenho, as práticas e os aspectos relativos à gestão do trabalho dos ACS. Trata-se de um inquérito de abrangência nacional, desenvolvido pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/Ufba), por meio de cooperação técnica com a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde do Ministério da Saúde (Sgtes/MS), responsável pelo financiamento.

Realizada em duas etapas — a primeira, nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, entre novembro e dezembro de 2014, e a segunda, nas regiões Sul, Sudeste e Norte, entre junho e julho de 2015 —, a pesquisa envolveu 1.526 agentes, distribuídos em 303 unidades de atenção básica de cem municípios, selecionados a partir de um plano amostral por conglomerado que incluiu as 27 capitais do país. Por meio de entrevistas — a exceção dos que estavam em desvio de função, férias, afastamento por doença e licença maternidade, não sendo incluídos na pesquisa —, o estudo buscou investigar o perfil sociodemográfico do ACS, sua trajetória política, social e profissional, seus processos de formação, mecanismos de contratação e remuneração, política de valorização ao trabalhador e condições de trabalho.

Segundo o Ministério da Saúde, os dados coletados — ainda em processo de análise — poderão demonstrar mudanças na trajetória desses profissionais, desde a criação do Programa dos Agentes Comunitários de Saúde (PACS) no Brasil, em 1991. A pesquisa antecipa que, a despeito de algumas concepções em relação ao papel do ACS na intermediação da comunidade com as unidades de saúde manter-se nos dias atuais, outras características apontam para um novo perfil profissional, revelado na busca pela profissionalização e melhor formação.

O plano reforça, portanto, a importância da formação profissional. Nesse contexto, destacam-se os cursos introdutórios para os ACS e ACE, com o objetivo de fortalecer a atenção básica à saúde e garantido pela Lei nº 11.350 (art. 6º e 7º). Realizados por várias instituições que integram a Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS) — algumas, inclusive, com a formação técnica completa, a exemplo da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), do Centro Estadual de Educação Profissional em Saúde Monsenhor José Luiz Barbosa Cortez (ETSUS Piauí), do Centro de Educação Técnico-Profissional na Área de Saúde de Rondônia (Cetas), do Centro Formador de Pessoal para Saúde de São Paulo (Cefor-SP), da Escola de Formação Técnica em Saúde Prof. Jorge Novis (EFTS), da Escola de Governo em Saúde Pública de Pernambuco (ESP-PE), e da Escola Técnica em Saúde Maria Moreira da Rocha (ETSUS-AC) —, seguem a orientação do Ministério da Saúde. Com uma carga horária mínima de 40 horas, a primeira etapa formativa busca contemplar a integração entre as equipes de saúde e a população adscrita à unidade básica de saúde, as políticas públicas de saúde e a importância do controle social, bem como as ações de promoção de saúde e prevenção de doenças, visando à melhoria da qualidade de vida da população.

Trajetória de luta

O plano remonta uma trajetória de luta das categorias profissionais. No dia 17 de junho de 2014, a presidenta Dilma Rousseff sancionou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 270/2006, criando a Lei nº 12.994/14, que garante o repasse de R$ 1.014,00 aos municípios pelo governo federal para o pagamento dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias. Faltava, porém, a regulamentação da lei, que se deu com o Decreto nº 8.474, de 22 de junho de 2015, definindo regras específicas para o repasse dos recursos federais e, consequentemente, fortalecendo antigas reivindicações das categorias profissionais.

A norma foi resultado da atuação do grupo de trabalho criado pelo Ministério da Saúde, em setembro de 2014, para discutir a regulamentação da lei do piso salarial dos profissionais. Do grupo, segundo determinação da Portaria n° 333, fizeram parte representantes dos Ministério da Saúde, Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social.

Nas reuniões do GT, foi colocado em debate o financiamento do piso dos agentes, o estabelecimento de parâmetros numéricos para contratação de ACE por municípios e estados, a criação do Cadastro Brasileiro de Ocupações (CBO) Provisório para os agentes de combate a endemias, a solicitação ao Ministério do Trabalho e Emprego de criação do CBO permanente e a adequação do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) para cadastramento e recadastramento das duas categorias profissionais. “Essa iniciativa do governo federal se mostrou muito acertada e produtiva. Identificamos as principais dificuldades de implantação da lei e debatemos estratégicas de superação. O GT identificou também a necessidade de construir um grupo com duração maior que propusesse estratégias e acompanhasse o desenvolvimento de ações de regularização e formação dos agentes”, anunciou Hêider Aurélio Pinto, titular da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (Sgtes).

Pactuações

Quanto aos parâmetros numéricos para contratação dos agentes de combate a endemias, o grupo definiu que este deve ter como base o perfil demográfico e epidemiológico do município, a atuação específica dos ACE, a carga de doenças que necessitam de ações de controle de vetores, considerando como premissa a integração da Vigilância em Saúde com a Atenção Básica, e o desenvolvimento de atividades de vigilância pelo agente.

O parâmetro para o cálculo de agentes de combate a endemias baseou-se nas ações de campo relacionadas à vigilância e ao controle das três principais endemias no país, a citar dengue, malária e leishmaniose. Considerou-se, também, a integração com a Atenção Básica à Saúde, as atividades comuns aos agentes e a referência de ACE por município. Sabe-se que, segundo estimativas preliminares da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), o Brasil necessita de 58.598 ACE, garantindo, pelo menos, um profissional por município. O parâmetro, segundo o GT, seria pactuado entre os gestores do SUS.

O grupo identificou que, para a viabilização do financiamento dos agentes, seria indispensável a criação de uma Classificação Brasileira de Ocupações específica. O GT encaminhou, em dezembro de 2014, ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) uma Nota Informativa, solicitando a inclusão de um novo número na CBO específico para o ACE e, paralelamente, solicitou o uso de uma classificação provisória no SCNES.

A classificação provisória foi concedida e publicada na Portaria nº 165, de 25 de fevereiro de 2015. Diante disso, o Ministério da Saúde adequou o SCNES para que pudesse ser feito o cadastramento tanto do ACE quanto dos ACS, conforme as exigências da lei. O grupo identificou a necessidade de cadastramento e recadastramento das duas categorias e o enquadramento dos trabalhadores na nova tabela de vínculos do SCNES. Este cadastramento é pré-condição, prevista em lei, para que o município ou estado possa receber o financiamento do Ministério da Saúde.

Desafios

A situação de formação dos agentes no Brasil é muito distinta, com diferenças marcantes a depender do estado, região ou município. Com isso, o GT que dá continuidade ao debate sobre questões relativas às duas categorias terá como primeira tarefa fazer uma análise situacional e propor estratégias necessárias para a regularização e a formação dos profissionais. Para este trabalho, espera a conclusão do estudo Avaliação do perfil dos agentes comunitários de saúde no processo de consolidação da Atenção Primária à Saúde no Brasil. “Será um importante subsídio para o grupo. Do ponto de vista da formação, por exemplo, será necessário que as três esferas de governo, as escolas técnicas do SUS, o Ministério da Educação, entre outros, realizem um importante esforço de qualificação dos agentes”, orientou Hêider.

No que tange ao tema da regulamentação do trabalho, o desafio reside na desigualdade em que os estados se apresentam. Isso por que outra lei mais antiga, a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, já reconhece há alguns anos as seleções públicas para os agentes comunitários de saúde e agentes de endemias e a criação de cargos e empregos na administração pública, direta ou indireta. Há estados onde mais de 95% dos agentes estão regularizados e outros com um número muitos abaixo de profissionais regularizados. A Lei nº 12.994/14, ao trazer o valor do piso, a regulamentação e a especificação do apoio financeiro da União e a definição das condições em que os recursos poderiam ser repassados, cria, portanto, instrumentos para acelerar o processo da regulamentação. E, o papel do Ministério da Saúde será, junto com os estados, apoiar os municípios para que possam regularizar os agentes com velocidade e qualidade possíveis.

O GT já conseguiu dar conta de alguns desafios, como os sistemas de informações, que foram adequados conforme as exigências da lei, e propôs estratégias para que os três entes federativos e os trabalhadores possam agir juntos em benefício das duas importantes categoriais profissionais.

Para saber mais sobre o Plano de Valorização dos ACS e ACE, acesse o site portalsaude.saude.gov.br/index.php/acs-e-ace.

 

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