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Novos agentes políticos em atuação

Formação técnica fortalece agentes indígenas de saúde do Rio Negro como elo entre Subsistema  e comunidades.

Flavia Lima
 

Morador da comunidade indígena Querari, na fronteira do Brasil com a Colômbia, Eduardo Martinho Gonçalves, 53 anos, foi um dos 139 alunos que concluíram a formação técnica em Agente Comunitário Indígena de Saúde (ACIS), promovida de forma inédita e conjunta pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e o Instituto de Pesquisa Leônidas e Maria Deane, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na Amazônia, na região do Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro (Dsei-RN) — que abrange os municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.

O entusiasmo com a elevação da escolaridade — ele não tinha o nível médio como a maioria — e o título de técnico, bem como a certeza de poder contribuir com o seu povo fizeram Eduardo driblar as dificuldades, principalmente a distância percorrida até o polo de formação. O indígena passava três semanas em um barco (movido a motor de rabeta) para chegar à cidade sede do curso, em São Gabriel da Cachoeira, no extremo noroeste do Brasil. “Como vivemos na fronteira, passamos por muitas dificuldades. Mas sempre me preocupei em trabalhar na comunidade e nunca abandonar meu povo. Com esse curso, irei levar conhecimento aos outros e repassar tudo o que eu aprendi”, afirmou, contando, ainda, que na reta final da formação, não pode voltar para casa, permanecendo na cidade durante três meses, na casa de parentes.

Então professora e pesquisadora da EPSJV e uma das coordenadoras do curso, a médica Ana Lúcia Pontes — atualmente, na Escola de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), unidade da Fiocruz, vizinha à EPSJV — contou que a formação, realizada em parceria com as secretarias Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira e Estadual de Educação e Qualidade do Ensino do Amazonas (Seduc), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e o Dsei-RN, teve como foco o conceito ampliado de saúde, usando, portanto, estratégias pedagógicas adaptadas à realidade local que valorizassem os conhecimentos que as populações indígenas já detinham, além de resgatar suas tradições.

Cultura reconhecida

Segunda a professora, o técnico de nível médio em agente comunitário indígena de saúde implica conhecimentos integrados à ciência e à tecnologia, com senso crítico e postura ética, habilitado a desempenhar suas habilidades na área da saúde indígena de maneira autônoma, interagindo de forma criativa e dinâmica na aldeia, no mundo do trabalho e na sociedade como um todo. “Ele vai atuar no contexto social onde vive, levando em conta os valores culturais de cada etnia”, esclareceu.

Para Ana Lúcia, a formação técnica fortalece a capacidade desse profissional de atuação dentro do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e os legitima como elo fundamental de ligação entre o SUS e as comunidades do Dsei-RN, onde vivem cerca de 20 mil indígenas. “Com o curso, acho que construímos uma boa base para estruturar o trabalho do agente. Terminamos a formação com uma discussão política de seu papel, para que lutem pelo reconhecimento da categoria profissional”, comemorou.

Ela contou que os alunos já atuavam em suas comunidades como agentes indígenas de saúde. No entanto, o trabalho desses profissionais se resumia, basicamente, à assistência e à remoção dos doentes, com ações curativas. “Quando eu comecei a trabalhar como agente, não tinha nenhum conhecimento. Com o curso, comecei a entender como devemos trabalhar com a comunidade. Hoje, graças à formação, meu povo está começando a entender qual o objetivo do agente comunitário de saúde indígena na comunidade”, revelou Moisaniel Fernandes Lourenço, de 28 anos. Agente indígena de saúde há cinco anos, ele se inseriu na formação por indicação dos moradores da comunidade Vila Nova, no Médio Rio Negro 2, território indígena localizado entre os municípios de Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira.

Respeito à tradição

O curso, iniciado em 2009, incluiu a elevação da escolaridade e a parte técnica — dividida em teoria e prática —, totalizando 3.240 horas de aula. Foram formadas cinco turmas, com aulas tanto na sede quanto nos cinco polos formativos — Rio Negro acima, Baixo Rio Içana e Xié (Polo 1); Alto Waupés, Iauaretê e Rio Papuri (Polo 2); Baixo Rio Waupés e Rio Tiquié (Polo 3); Médio e Alto Rio Içana, Aiari e Cuiari (Polo 4); e Rio Negro abaixo, Curicuriari e Santa Isabel (Polo 5). “A etapa final do curso foi realizada em São Gabriel, mas a maior parte da formação foi promovida nas comunidades, caracterizando um ponto importante da educação indígena”, explicou Ana Lúcia.

Se uma das especificidades do agente indígena de saúde é ser um articulador em sua comunidade, como reforçou Ana Lúcia, a formação técnica tratou de abordar importantes temas que foram divididos em cinco eixos: Vigilância Ambiental, Cuidados no Ciclo Materno-Infantil e Saúde Bucal; Vigilância Alimentar e Nutricional; Vigilância e Controle de Agravos Transmissíveis; Prevenção e Cuidado de Condições Crônicas; e Ações Intersetoriais, Política Indígena e Indigenista com Controle Social. “Todas essas dimensões são perpassadas pela cultura e tradição como eixo transversal”, lembrou a pesquisadora.

Os estudantes tiveram como atividades práticas o diagnóstico do seu território, a análise das condições de saúde, a identificação das situações de risco e o planejamento e a execução de um plano de ação em saúde. “Eles trabalharam bastante a questão da alimentação, pois, na região, há problemas de segurança alimentar e desnutrição. Associado a eles, observamos um aumento do consumo de comida industrializada, levando ao aparecimento de novos agravos como as diabetes e a hipertensão. Nas aulas, portanto, tentamos fazer com que eles passassem a valorizar a sua alimentação”, exemplificou Ana, destacando o compromisso que os novos
técnicos tinham com cada tarefa realizada.

Ela revelou que a ideia do curso surgiu de uma demanda identificada pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), em reniões com o gestor local do Dsei-RN, e pela Foirn. Como a equipe de coordenação pretende, ainda, sistematizar essa experiência piloto para que sirva de base para outras formações, todo o curso foi acompanhado por uma equipe de antropólogos, que fez a etnografia das aulas. “Vamos sistematizar todos os documentos e relatar nossos desafios para divulgar, debater, publicar artigos e livros. Achamos importante que essa formação tenha continuidade”, defendeu.

A também coordenadora do curso, a médica
Maria Luiza Garnelo, vice-diretora de Ensino da Fiocruz Amazônia, contou que a proposta foi elaborada de forma participativa e dialógica, com representantes indígenas (lideranças, professores e agentes indígenas de saúde) e as equipes de profissionais das instituições parceiras. A formação, acrescentou, pauta-se nos fundamentos da educação escolar indígena (específica, diferenciada, intercultural e bilíngue), priorizando a valorização dos processos próprios de ensino e aprendizagem. Prevê, também, a continuidade do diálogo e da participação, ao longo de todas as etapas formativas, bem como dos processos de avaliação discente e docente, instituídos ao longo do curso.

Construção coletiva

Para Luiza, a forma de construção e condução do curso não poderia ter sido diferente, dadas as peculiaridades da população indígena da Região do Alto Rio Negro, que enfrenta uma situação de alta vulnerabilidade social e sanitária, provocada pela dificuldade de acesso aos recursos alimentares, pelas altas taxas de natalidade e de mortalidade infantil e por um perfil epidemiológico marcado pela elevada frequência de doenças transmissíveis, que coexistem com uma precária interiorização das políticas públicas nas aldeias.

Segundo ela, esse contexto socioeconômico e demográfico se reproduz em um cenário geográfico adverso, marcado pelas grandes distâncias e por acidentes geográficos, rios encachoeirados, que dificultam o deslocamento fluvial — principal forma de transporte nessa região — e prejudicam o acesso ao atendimento em saúde e educação e a iniciativas voltadas para a melhoria das condições de vida.

É uma área geopolítica singular, localizada em uma tríplice fronteira (Brasil, Colômbia e Venezuela), nas margens do alto e médio curso do Rio Negro. Somente o município de São Gabriel da Cachoeira, segundo dados da Foirn, tem extensão territorial de 109.185,00 km² — 80% do qual constituída por terras indígenas — e uma população de aproximadamente 37 mil pessoas — sendo 90% indígenas. Vivem na região cerca de 20 etnias, distribuídas em mais de 800 assentamentos, dispersos em 12 mil hectares de terras indígenas demarcadas. A área é cortada por rios e igarapés.

 “Fizemos reuniões, no qual participaram lideranças do movimento indígena, gestores de escolas, Dsei-RN, secretarias municipais de Educação e de Saúde de São Gabriel da Cachoeira e Seduc, por meio de sua Gerência de Educação Escolar Indígena, para buscar parcerias para a operacionalização da proposta em construção”, recordou o cientista social Sully Sampaio, pesquisador da Fiocruz Amazônia e um dos coordenadores do projeto. Segundo ele, durante os encontros, se discutiu, por exemplo, a organização dos polos formadores, levando em consideração o pertencimento linguístico, e as estratégias para o aumento da escolaridade dos alunos, tendo em vista que parte deles não tinha o ensino fundamental.

Sampaio ratificou que o curso começou com o estudo do conceito ampliado de saúde. “A partir daí, passamos a discutir determinantes sociais de saúde, abrangendo questões amplas e intersetoriais. Passou-se então, a produzir informações e conhecimentos sobre a oferta de recursos alimentares disponíveis, conhecimento e valorização de cuidados tradicionais indígenas de acordo com as fases da vida, os lugares com riscos à saúde, etc”, detalhou. Segundo o pesquisador, isso serviu de base paras as discussões sobre os programas de saúde implantados em área indígena. “Com a ampliação do conceito de saúde, os novos técnicos poderão trabalhar para melhoria das condições de vida das suas comunidades e, por conseguinte, de suas condições de saúde. Essa é uma diferença significativa de enfoque”, garantiu. Para ele, a iniciativa é um marco político.

Categoria profissional

Assim também observou o presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi) e um grande entusiasta da iniciativa, André Fernando Baniwa. Para ele, o curso fortalece o agente como uma categoria profissional. “Ele se torna mais importante politicamente, pois mostra o quanto é essencial buscarmos formação dos nossos próprios parentes para cuidar da saúde nas comunidades. Tradicionalmente, os próprios indígenas cuidavam da sua saúde”, esclareceu.

André ressalvou que as condições de saúde da população indígena do Rio Negro não são boas. “Isso já dura mais de uma década. Apesar da criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no país, em 1999, e, consequentemente, do aumento dos recursos para a saúde dos povos indígenas, os resultados pioraram, em virtude da ausência de profissionais nas comunidades e das péssimas condições de trabalho”, ponderou.

Ele revelou que, para a realização da experiência formativa, o movimento indígena buscou apoio no Conselho Distrital e na Fiocruz Amazonas. No entanto, encontrou dificuldade no Dsei do Rio Negro. “Eu acredito que havia desconhecimento dos povos indígenas, pois eles não queriam reconhecer que o curso iria ajudar a melhorar os serviços de saúde nas comunidades indígenas”, avaliou, lembrando que a formação ajuda a enfrentar doenças que não faziam parte do universo indígena ao mesmo tempo em que retoma práticas tradicionais. “Os técnicos poderão ajudar a retomar os cuidados esquecidos pelas comunidades indígenas. Saúde não é tomar remédio, pois quando se toma remédio é porque não tem mais saúde. Acredito que essa é a importância da formação”, defendeu.

Sujeitos de direitos

Substituta da Coordenação-Geral da Educação Escolar Indígena da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC), a professora Susana Martelletti Grillo Guimarães recordou que a formação técnica dos agentes indígenas de saúde foi assinalada no Plano de Ação do Território Etnoeducacional (TEE) do Rio Negro, pactuado em 2008, em parceira com a Fiocruz, o Dsei-RN, a Foirn, as secretarias de Educação do Amazonas e de São Gabriel da Cachoeira e o Ministério da Educação. “É anseio dos povos indígenas assumir um papel ativo na gestão de ações importantes para o bem estar e desenvolvimento de suas comunidades, como são os serviços de saúde, educação, gestão territorial, desenvolvimento socioambiental e outros, referenciando suas práticas na interculturalidade. Ou seja, articulando o diálogo entre conhecimentos científicos e tecnológicos com os conhecimentos étnicos, que são dinamizados a partir das novas realidades e desafios que envolvem as comunidades”, defendeu.

Ela ressaltou que a Educação Escolar Indígena dispõe, hoje, de legislação fundamentada no princípio do reconhecimento da organização social dos povos indígenas, dos seus costumes, tradições, conhecimentos, sistemas cosmológicos, línguas, processos próprios de aprendizagem e do direito originário sobre seus territórios. “A Constituição de 1988 rompeu com a negação da alteridade dos povos, afirmando a plurietnicidade e o multilinguismo no país”, destacou, lembrando que os povos indígenas são sujeitos de direito nos campos educacional, da saúde, da cultura, da gestão socioambiental de seus territórios e político.

Susana lembrou, também, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, que regulamentou os direitos constitucionais dos povos indígenas. “O Conselho Nacional de Educação, por meio de sua Câmara de Educação Básica, normatizou em 1999 e 2012 as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Indígena na Educação Básica, orientando os sistemas de ensino para a efetivação da educação escolar própria a cada realidade, diferenciada, específica, intercultural, multilíngue e construída com a participação comunitária”, esclareceu.

Para ficar na história

A cerimônia de formatura, realizada em São Gabriel da Cachoeira, entre os dias 10 e 11 de abril, emocionou a todos. No primeiro dia, o evento foi realizado na Maloca da Foirn e contou com a participação da direção das unidades da Fiocruz envolvidas na formação e de autoridades locais. No dia seguinte, no Ginásio Arnaldo Coimbra, os novos técnicos receberam os certificados, seguida de uma festa de formatura, com comidas e danças da cultura indígena. “Eu, como mulher indígena, não tinha autonomia. Com essa formação, posso acompanhar gestantes, idosos, crianças na comunidade onde vivo”, comemorou a oradora da turma polo de formação Baixo Waupés e Tiquié, Jocimara Bosco Brandão, de 30 anos. Ela é moradora da comunidade Pari-Cachoeira, localizada em São Gabriel. Ao receber seu certificado, contou que como agente indígena de saúde faz de tudo um pouco. “Somos agentes de saúde, enfermeiros, técnicos, médicos, parteiros”, acrescentou, revelando que pretende, ainda, cursar uma faculdade de enfermagem.

A diretora-presidente da Foirn, Almerinda Lima, destacou a importância da formatura para o movimento indígena. “É uma conquista e um avanço para a Federação e para os indígenas”, afirmou, agradecendo o apoio da Fiocruz. “A realização desse curso só foi possível graças à parceira com as instituições envolvidas”, acrescentou.  Ela teceu elogios ao comprometimento com que os alunos tiveram com a formação, lembrando, porém, que os desafios continuam, como as longas distâncias e o desinteresse de alguns gestores.

Por sua vez, o secretário municipal de Saúde de São Gabriel da Cachoeira, Luiz Lopes de Aguiar Neto, falou sobre o quanto a formação contribui para a melhoria da qualidade de saúde nas aldeias. “Tudo iniciou nesta maloca, com uma grande assembleia com os agentes indígenas de saúde, e todos nós sabíamos do desafio. Pois não era só formar agente técnico, mas sim um profissional de saúde”, declarou. Na avaliação de Aguiar Neto, a proposta foi abraçada por todos, por estarem imbuídos da missão de melhorar os indicadores da atenção básica da saúde indígena. “Hoje afirmo que vocês estão realmente preparados, pois estudaram e se formaram, pensando a atenção básica no território de vocês, com respeito à identidade cultural, ética e territorial”, acrescentou.

Agentes preparados

Coordenador Regional do Rio Negro da Fundação Nacional do Índio (Funai), Domingos Sávio Borges Barreto classificou o projeto ousado e criativo. “A iniciativa nasceu em um país que não quer entender nossa língua, nossa visão, nosso futuro, não sabe ouvir nossas reivindicações. Hoje, esse projeto não está finalizado. Ele representa o início do reconhecimento como técnicos em agentes comunitários indígenas do Rio Negro”, disse. Para o diretor da EPSJV, Paulo Cesar Castro Ribeiro, a experiência foi exitosa por preparar os agentes a identificar os processos de saúde em suas comunidades. “Esse projeto cresce com cada um de vocês. A gente sabe das dificuldades e das distâncias geográficas que precisaram enfrentar”, lembrou.

O curso representa o primeiro de muitos passos em direção ao avanço da saúde indígena no Brasil. A afirmação foi do vereador Trinho Paiva, liderança indígena em São Gabriel da Cachoeira. “Os agentes são profissionais de suma importância para as nossas comunidades”, declarou o parlamentar, cobrando, porém, maior participação de prefeituras e governos na resolução dos problemas da saúde indígena. Trinho Paiva ressaltou que a formação promove o diálogo entre os conhecimentos indígena e não-indígena. “Cada vez mais, percebemos alteração na alimentação, com a entrada de comidas industrializadas nas comunidades, e no perfil epidemiológico, com doenças como hipertensão e diabetes. Isso requer que estejamos prontos para dialogar com os conhecimentos não-indígenas”, observou.

Perfil da saúde indígena

Estudo realizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), sob encomenda da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o 1º Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas descreveu a situação alimentar e nutricional e seus fatores determinantes em crianças indígenas menores de 60 meses de idade e em mulheres indígenas de 14 a 49 anos no Brasil. Segundo a pesquisa, realizada entre os anos 2008 e 2009, uma de cada cinco crianças indígenas de até cinco anos no Brasil tem estatura menor do que o esperado para a sua idade, e mais da metade sofre de anemia. Não por acaso que a alimentação foi tema destacado na formação técnica dos indígenas do Rio Negro.

A situação é ainda mais grave na Região Norte, onde 41,1% estão abaixo da estatura esperada para a idade e 66% têm anemia. De acordo com a pesquisa, mais de 19% das crianças indígenas de todo o país foram hospitalizadas nos 12 meses antes do levantamento, principalmente por pneumonia e diarreia. Entre as mulheres indígenas, chamou atenção a ocorrência de problemas de saúde verificados na população urbana não indígena: peso acima do normal (30,2%); obesidade (15,7%); e pressão arterial (8,9%); e problemas de nutrição como anemia em mulheres (32,7%) e em gestantes (35,2%). Os dados foram coletados aleatoriamente em 5.277 domicílios, em 113 aldeias de todo o país. Foram examinadas informações de 6.285 crianças e de mais 6.707 mulheres de 14 a 49 anos.

De acordo com o Censo Demográfico de 2010, o Brasil tem um contingente populacional de 896 mil indígenas (0,4% da população total), 505 terras (12,5% do território brasileiro), 305 etnias e 274 línguas. Pesquisadora do IBGE e coordenadora do Grupo de Trabalho de Demografia dos Povos Indígenas da Associação Brasileira de Estudos de População (Abep), Nilza de Oliveira Martins Pereira explicou que desses 896 mil indígenas que se declararam ou se consideraram indígenas, 63,7% viviam na área rural (572 mil) e 57,7% (517 mil) residiam em terras indígenas oficialmente reconhecidas. Segundo ela, entre as categorias de cor/raça investigadas os indígenas eram os menos favorecidos no que diz respeito aos serviços públicos oferecidos (abastecimento de água, esgotamento sanitário e destino do lixo).

O estudo apontou para a submissão das populações indígenas a um acelerado e complexo processo de mudanças, que atinge os mais diversos aspectos de suas vidas, com destaque para a restrição territorial, o progressivo esgotamento dos recursos naturais e o comprometimento das atividades de subsistência, somados a precárias condições sanitárias que contribui para as elevadas prevalências de doenças infecciosas e parasitárias.

Direito garantido

Na avaliação de Nilza, a formação é essencial para a garantia ao direito à saúde desses povos. Ela acredita no trabalho desses profissionais como interlocutores do SUS em suas comunidades. “Como pesquisadora, considero fundamental o curso, pois poderão atuar dentro das suas próprias comunidades e, assim, propiciar o intercâmbio cultural desses povos”, opinou.

A pesquisadora do IBGE, porém, lembrou que dados do Censo de 2010 revelaram que, no Brasil como um todo, 37,4% dos indígenas de cinco anos ou mais de idade falavam no domicílio uma língua indígena e 17,5% não falavam português. “Dentro das terras indígenas, 57,3% indígenas de cinco anos ou mais de idade eram falantes de línguas indígenas e 28,8% não falavam português. Portanto, seria fundamental que houvesse uma valorização tanto do falar quanto da escrita nos cursos oferecidos aos indígenas”, orientou, chamando atenção, também, para a necessidade de conservação de suas tradições quanto à prevenção de doenças, tais como pressão alta e diabetes, presentes no seu cotidiano. “Desafios como o alcoolismo e drogas merecem todo um destaque. E, finalmente, a integração do conhecimento da medicina ocidental com a tradicional”, concluiu.
 

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