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Os contornos da enfermagem brasileira

Pesquisa inédita traça perfil da enfermagem no Brasil e remete ao número de profissionais formados pelas ETSUS.

Flavia Lima
 

A enfermagem brasileira é composta por 80% de técnicos e auxiliares e 20% de enfermeiros. A maioria (53,9% de enfermeiros e 56,1% de técnicos e auxiliares) concentra-se na Região Sudeste, enquanto o Nordeste tem apenas 17,2% das equipes de enfermagem. Sabe-se, também, que mais da metade das equipes de enfermagem (59,3%) encontram-se no setor público. O panorama é da pesquisa O perfil da enfermagem no Brasil, realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recursos Humanos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (NERHUS/Ensp/Fiocruz), em parceria com Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e Federação Nacional da Educação (FNE).

O mais amplo levantamento sobre as categorias profissionais de uma mesma área já realizado na América Latina — portanto, inédito — envolveu 1,6 milhão de profissionais, desde profissionais no começo da carreira (em média, auxiliares e técnicos que iniciam com 18 anos e enfermeiros, com 22) até aposentados (pessoas de até 80 anos), de aproximadamente 50% dos municípios brasileiros e dos 27 estados da Federação. O objetivo foi conhecer a fundo a enfermagem, fornecendo subsídios ao desenvolvimento de políticas em prol dos profissionais, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), representa cerca de 50% de um contingente de 3,5 milhões de trabalhadores da Saúde.

Características

Pesquisadora do núcleo e integrante da equipe técnica de trabalho, Mônica Wermelinger conta que o estudo, cujos dados foram coletados entre os anos 2011 e 2014, encontrou justificativa na necessidade de conhecer como os profissionais da área foram educados, além de sua participação política e como se sentem representados ou buscam uma representação. De acordo com a coordenadora-geral, Maria Helena Machado, o estudo apresenta as características da profissão segundo a identificação socioeconômica, a formação profissional, o acesso à informação técnico-científica, o mercado de trabalho, a satisfação no trabalho e o relacionamento e a participação sociopolítica. “A proposta foi construir o perfil das categorias profissionais, considerando as características socioeconômicas, de formação e desenvolvimento profissional, inserção no mundo do trabalho e sua participação sociopolítica, além de analisar a dinâmica atual do mercado de trabalho da enfermagem no Brasil e apontar tendências e perspectivas para a enfermagem no Brasil”, acrescentou, revelando que os entrevistados foram selecionados por amostragem a partir da base de dados do Cofen. Segundo o Conselho, são 1.804.535 profissionais, sendo 414.712 enfermeiros e 1.389.823 auxiliares e técnicos. 

Coordenadora adjunta do estudo, a pesquisadora da Ensp Eliane Oliveira ressalta que, apesar da busca ativa em todo o país, a Região Nordeste demandou mais tempo para a pesquisa, devido à recusa dos hospitais. “Em muitas unidades, não conseguimos acesso”, revelou. Ela contou que, no quesito mercado de trabalho, 59,3% das equipes de enfermagem estão no setor público, enquanto que 31,8%, no privado, 14,6%, no filantrópico e 8,2%, nas atividades de ensino.

Renda mensal

A pesquisa revelou a renda mensal desses profissionais, indicando que 16,8% declararam receber até mil reais e 1,8% (em torno de 27 mil pessoas), menos de um salário-mínimo por mês. Além de saber que a maioria (63%) tem apenas uma atividade/trabalho, o estudo identificou que os setores privado (21,4%) e filantrópico (21,5%) são os que mais praticam salários com valores de até mil reais. Nos dois, os vencimentos de mais da metade dos empregados não passam de dois mil. Paralelamente ao baixo salário, há uma dificuldade de encontrar emprego. O problema foi revelado por 65,9% dos profissionais de enfermagem, e 10,1% dos profissionais entrevistados declararam situações de desemprego nos últimos 12 meses.

Vale citar que há dois projetos de lei apresentados no Congresso Nacional que dizem respeito à carga horária e ao salário mensal. O primeiro, PL 2.295/2000, tenta fixar a jornada de trabalho em seis horas diárias e trinta horas semanais. O segundo, PL 4.924/2009, arquivado neste ano, estipulava piso salarial de R$ 4.650 para enfermeiros,
R$ 2.325,00 para técnicos e R$ 1.860,00 para auxiliares.

O estudo apontou, também, que a Enfermagem é predominantemente feminina, correspondendo a 84,6% dos entrevistados — sendo que a maioria tem até 40 anos de idade (54,5%) —, apesar de registrar a presença de homens (15%). “Embora tenhamos identificado uma masculinização da profissão, a Enfermagem é ainda majoritariamente feminina”, atestou Maria Helena.

Qualificação

Outro perfil analisado foi a vontade que muitos profissionais têm em qualificar-se, ainda que poucos auxiliares e técnicos tenham declarado ter nível superior completo. Segundo o levantamento, 23,8% dos auxiliares e técnicos declararam ter nível superior incompleto e 11,7% indicaram ter concluído curso de graduação. No caso dos enfermeiros, a maioria formou-se em instituições públicas de ensino (54,6%).

O projeto, encomendado pelo Cofen, contou com apoio do Ministério da Saúde, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), da Rede ObservaRH, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Seguridade Social (CNTSS), da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), da Associação Nacional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem (Anaten) e do Fórum Nacional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem.

Mônica Wermelinger recordou que o primeiro levantamento sobre as categorias foi feito na década de 1980 pela ABEn. “Era uma pesquisa mais focada e não tinha o número de profissionais que temos hoje”, ponderou. A necessidade de uma pesquisa mais detalhada surgiu em meados dos anos 1990, como fruto de uma negociação entre Cofen, ABEn e FNE. “A pesquisa ficou parada por mais de uma década, por questões políticas”, lembrou a pesquisadora.

Retomada a ideia, o estudo contou com a cooperação do Conselho Regional de Enfermagem (Coren) de cada federação. “Construímos um questionário divididos em sete blocos, enviado pelos correios e, também, disponível online para todos os profissionais sorteados”, revelou Mônica.

Invisibilidade

Eliane Oliveira classificou a pesquisa como essencial, em face de seu tamanho e alcance. “A partir de agora, temos um diagnóstico que contribuirá com a construção de políticas para a categoria”, observou. O que lhe chamou atenção na pesquisa foi o sentimento de invisibilidade que declararam ter técnicos e auxiliares em enfermagem, além de problemas quanto às condições de trabalho. O mesmo observou Mônica, reconhecendo que o técnico e o auxiliar têm se qualificado como enfermeiro, mas continuam atuando como técnicos e invisíveis na equipe.

Integrante da equipe técnica da pesquisa, a pesquisadora do Laboratório de Trabalho e Educação Profissional em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Lateps/EPSJV), Monica Vieira, observou que apesar da insatisfação quanto às condições de trabalho e baixa remuneração, a maioria declarou gostar da profissão. Segundo ela, os profissionais querem construir uma identidade na área. “Os mais novos veem a área técnica como um campo de manutenção de emprego. Eles falam que podem ganhar pouco, mas terão emprego”, ponderou.

Para ela, a pesquisa inspira outros levantamentos, destacando a necessidade de se conhecer mais o setor privado de ensino. “Precisamos saber que condições e qualidade têm esses cursos”, defendeu a pesquisadora.  Mônica Vieira sugeriu que o Estado assuma mais a área de formação em Saúde, tomando como prioritária a enfermagem. Para a pesquisadora, instituições que são referência na Educação Profissional em Saúde, como as Escolas Técnicas do SUS (ETSUS), precisam ser integradas a este processo, chamadas para uma conversa sobre o estudo.

Nas ETSUS

A formação na área da enfermagem, com foco no sistema público, é prática antiga nas ETSUS. A Escola de Formação em Saúde (Efos), em Santa Catarina, por exemplo, já formou 3.069 auxiliares, 3.884 técnicos (além de 163 alunos em curso), totalizando 7.116 profissionais. Para a coordenadora pedagógica Susana Maria Polidório dos Santos, a formação é tema debatido rotineiramente pela equipe escolar, que tem a preocupação com a qualidade da assistência prestada aos usuários do SUS. “A metodologia de ensino que a escola usa provoca transformações em seus alunos e reflexões sobre o atendimento ao usuário do sistema. A ideia é que o egresso seja incorporado ao mundo do trabalho com um olhar crítico sobre seu papel e sua atuação junto aos grupos familiares e à comunidade”, ressaltou.

O Centro de Formação de Recursos Humanos para o SUS de Araraquara, em São Paulo, desde sua criação, em 1990, formou 3.224 auxiliares e 1.010 técnicos em enfermagem. Segundo a coordenadora do Núcleo de Multimeios, Isabel Cristina Gorla, a formação técnica imprime o impacto de mitigação na falta de qualificação e habilitação profissional nos serviços de saúde da rede. Ela revelou que, hoje, os municípios da região apontam para a necessidade de especializações técnicas.

Em Sobral (CE), a Escola de Formação em Saúde da Família Visconde em Sabóia, formou, em 2009, 167 técnicos em enfermagem. Em 2012, foram 102 concluintes e, em 2014, 71 alunos. Na avaliação da coordenadora pedagógica, Maria José Galdino Saraiva, a qualificação profissional e a formação em serviço ocupam lugar de destaque no mercado de trabalho. “As ETSUS vêm ao longo dos anos oferecendo qualificação para os profissionais de nível médio da saúde, com vistas a melhorar a qualidade da assistência prestada aos usuários dos serviços de saúde”, garantiu.

Outro exemplo, nesse sentido, é a Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG) que formou, de 1992 a 2003, 7.901 auxiliares, em um total de 226 turmas. Já o curso técnico, realizado entre os anos 2006 e 2007, contabilizou sete turmas e 428 alunos. Entre 2012 e 2013, a escola ofertou mais uma turma do mesmo curso, totalizando 156 alunos formados. Por fim, em 2015, conta com uma turma em andamento, com 22 alunos.

Na Bahia, a Escola de Formação Técnica em Saúde Prof. Jorge Novis contabiliza 305 turmas de auxiliar em enfermagem, por meio das quais 8.375 alunos concluíram o curso, e 78 turmas de técnico em enfermagem, com 2.134 concluintes, totalizando 383 turmas e 10.509 alunos formados.

Sempre presente

Entre os anos 1956 e 2014, a Escola Técnica do Sistema Único de Saúde Blumenau (ETSUS Blumenau) formou 1.579 alunos no curso de auxiliar e 651 no técnico em enfermagem. Na Região Nordeste, o Centro de Formação de Pessoal para os Serviços de Saúde Dr. Manuel da Costa, no Rio Grande do Norte, formou 7.117 auxiliares e 3.037 técnicos em enfermagem, nos anos 1987, 1991, 2000 a 2003 e 2015. Já o Centro de Educação Profissional do Estado de Goiás, entre 1982 e 2015, certificou 4.344 auxiliares e 615 técnicos.

Na mesma direção, a Escola Técnica de Saúde da Universidade Estadual de Montes Claros (ETSUS-Unimontes) formou, de 1998 a 2014, 3.679 alunos, entre auxiliares e técnicos. De 1995 a 2001, a Escola de Governo em Saúde Pública de Pernambuco (ESP-PE) formou 3.182 auxiliares e, entre 2003 e 2010, certificou 407 alunos como técnicos.

Entre os anos 1993 e 2004, a Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), por meio da Diretoria de Educação Profissional em Saúde (Dieps), formou um total de 9.961 auxiliares e, entre 2002 e 2015, capacitou 1.775 técnicos em enfermagem em cursos presenciais e 119 em cursos semipresenciais, totalizando 1.894 profissionais. Atualmente, a escola está com três turmas do curso técnico (presenciais) em execução e 107 alunos em sala de aula.

Em São Paulo, ainda, o Centro Formador de Recursos Humanos de Nível Médio para a Saúde (CeforRH Pariquera-Açu) formou 2.546 auxiliares e 185 técnicos em enfermagem. A diretora Ruth Gouvea informou que a instituição formou, também, 28 auxiliares de enfermagem do trabalho e 40 auxiliares de enfermagem do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

 

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