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entrevista
Paulo Cesar Ribeiro

‘É preciso renovar e fortalecer o processo de participação social’

Ana Paula Evangelista
 

Os movimentos sociais da década de 80 implicaram a modificação do modelo vigente de controle social, que culminou com a criação do SUS a partir da Constituição Federativa de 1988. De lá para cá, muito se caminhou. Mas qual a avaliação que se faz hoje da participação social no SUS? “Pensar a forma que essa representatividade vem sendo feita é muito importante para que se consiga renovar e fortalecer o processo de participação da sociedade”, afirmou Paulo Cesar Ribeiro, diretor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Nesta entrevista, face à 15ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), de 1º a 4 de dezembro, Ribeiro falou como o cenário político incide nas decisões ligadas à saúde e destacou a mobilização social como principal ferramenta para enfrentar a desconstrução do SUS. “A Conferência Nacional de Saúde pode ser um espaço de expressão dos interesses da classe trabalhadora. Ou seja, um local de construção e resistência ao processo de desconstrução do SUS”, defendeu.

Vale citar que a EPSJV precisou enfrentar, no Rio de Janeiro, a restrição de participação das instituições de ensino em conferências e conselhos de saúde. Para tanto, uniu-se a unidades assistenciais da Fiocruz, organizando reuniões e participando, como convidada, da 12ª Conferência Distrital de Saúde da área Programática (AP) 3.1, onde está localizada a Fiocruz, bem como das conferências Municipal e Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. “Essa é uma visão limitadora do que é saúde”, afirmou.
 

Quais são os dilemas da participação social ao pensar a 15ª CNS?

É preciso pensar o que é essa participação social no SUS de uma maneira geral. As dificuldades de participação nas conferências são, também, frutos do próprio modelo de participação social que temos. É inegável a importância dos conselhos de Saúde, mas eles são poucos representativos das necessidades da população. Muitas vezes, esses representantes têm pouco diálogo direto com a população ou grupos sociais que representam. Isso faz com que esses espaços tornem-se cada vez mais fechados. A perda dessa capacidade crítica faz com que não haja a apresentação de questões que incomodem a gestão. Pensar a forma como essa representatividade vem se dando é muito importante para que se consiga renovar e fortalecer o processo de participação social.
 

O que fazer diante de um cenário político que incide sobre direitos sociais, a exemplo da Leinº 13.079/2015, que altera a Lei Orgânica da Saúde, permitindo a participação do capital estrangeiro na assistência à saúde?

Estamos vivendo um momento político bastante complicado, com perdas de direitos sociais, colocadas como forma de enfrentar a crise econômica. A entrada do capital estrangeiro na saúde é mais um retrocesso de que o SUS padece. Somente uma mobilização social em prol do sistema e contra os cortes sociais será capaz de conter esse quadro. É clara uma disputa entre os interesses da classe trabalhadora, que depende e usa o SUS, e os empresários que representam o sistema financeiro. A própria Conferência Nacional de Saúde pode ser um espaço de expressão dos interesses da classe trabalhadora. Ou seja, um local de construção e resistência ao processo de desconstrução do nosso sistema.
 

Outro exemplo é a terceirização da gestão dos serviços de saúde, por meio das Organizações Sociais (OSs).  A EPSJV é um das instituições de saúde que fazem fortes críticas a esse modelo. Como fazer frente a este desafio?

A EPSJV, juntamente com a Fiocruz, lutou bastante pelo modelo de saúde que pauta o SUS e que foi aprovado e incluído na Constituição Federal de 1988. A possibilidade de formar recursos humanos com uma visão crítica sobre o processo de trabalho, com entendimento claro do que é o SUS, pode ser bastante eficiente em uma disputa dentro do próprio sistema.  Por isso, defendemos que esses trabalhadores sejam concursados, com a capacidade de fazer um enfrentamento por dentro do processo de gestão e do serviço, sem o elo frágil da possível demissão que a terceirização implica.  A concepção de serviço público é uma forma de ter um trabalhador estável, e esses pilares da Reforma Sanitária precisam ser reforçados enquanto escola.
 

A escola participou da Conferência Distrital de Saúde da AP 3.1, bem como das etapas da conferência do município e do estado do Rio de Janeiro, a despeito dos interesses que limitam a participação de instituições de ensino nas conferências e conselhos de saúde — apenas as unidades assistenciais podem ter representatividade nessas instâncias. Como a EPSJV observa essa questão?

O primeiro ponto a ser destacado é pensar o modelo de saúde de forma ampliada. Isso pressupõe que não é apenas o processo saúde-doença, mas todos os elementos que compõem as condições de vida. O processo saúde-doença é determinado pelas condições sociais, de trabalho, moradia, educação, acesso à terra, transporte público, pelas condições urbanas de uma maneira em geral. Esse tipo de organização, que pressupõe a exclusão das instituições formadoras e só coloca o assistencial como possível representante, traz uma visão limitadora do que é saúde. É importante pensar o processo de saúde como transformação social. E, desse processo, fazemos parte como centro formador de recursos humanos. É importante, porém, ressaltar que estamos falando de um modelo de organização do controle social do Rio de Janeiro. Temos que saber se a mesma regra de participação restrita a certos segmentos nas conferências de saúde foi aplicada em outros municípios.
 

Como a escola está se organizando para a 15ª CNS?

Estamos tentando, desde o início, participar desse processo. Enfrentamos dificuldades, porque não podíamos ter delegados nas distritais, mas conseguimos com as unidades assistenciais da Fiocruz abrir algumas portas para esse debate. Junto ao Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria e o conselho gestor do Teias-Escola Manguinhos [iniciativa de cogestão da saúde em Manguinhos, no Rio de Janeiro, por meio de um contrato entre a Secretaria Municipal de Saúde do Rio e a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca], conseguimos nos articular e fazer reuniões conjuntas com outros trabalhadores da Fiocruz e moradores de Manguinhos que tinham interesse nessa discussão. Conseguimos participar como observadores, eleger, nesse grupo ampliado, delegados que foram para a etapa municipal e, se tudo der certo, participarão como delegados da 15ª CNS. Esperamos conseguir reafirmar os princípios do SUS e dizer não aos processos de privatização da saúde e à entrada do capital estrangeiro. Que o controle social seja efetivo para a garantia do sistema.

 

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