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Os rumos da educação profissional técnica

Especialistas analisam programa de expansão da oferta de cursos de educação profissional e tecnológica no país.

Flavia Lima
 

A caminho de seu quinto ano, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec) reafirma a promessa de facilitar o acesso ao ensino profissional técnico de qualidade. Em agosto deste ano, a presidente da República Dilma Rousseff anunciou a oferta de mais 1,3 milhão de vagas no Programa — ainda que tenham sido abertas até agora 288 mil vagas para 333 municípios em todo o Brasil. Os recursos são também volumosos: desde a sua criação, o Pronatec já investiu R$ 14 bilhões, em um total de 6,8 milhões de matrículas até 2014. Criado em 2011, por meio da Lei nº 11.513, buscando atender, prioritariamente, os estudantes do ensino médio da rede pública ou que tenham cursado em instituições privadas na condição de bolsistas integrais, trabalhadores e beneficiários dos programas federais de transferência de renda, além dos que integram a educação de jovens e adultos, o Programa vem em direção da expansão, interiorização e democratização da oferta de cursos de educação profissional e tecnológica no país.

Cinco frentes fazem parte dessa iniciativa: a expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica; o Programa Brasil Profissionalizado, por meio do qual o governo federal repassa recursos aos governos estaduais para equipagem de laboratórios e construção, reforma e ampliação de escolas técnicas estaduais; a Rede E-Tec Brasil, por meio da qual são ofertados cursos técnicos e de qualificação profissional, na modalidade a distância; o acordo de gratuidade com o Sistema S (Senai, Senac, Senat e Senar), para estudantes de baixa renda e trabalhadores; e o bolsa-Formação, por meio da qual o governo federal oferta cursos técnicos e de qualificação profissional gratuitos, em instituições que atuam na educação profissional e tecnológica.

Na Rede

Algumas instituições integrantes da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS), ao longo desses anos, abraçaram a iniciativa, a exemplo da Escola Técnica de Saúde do Centro de Educação Profissional e Tecnológica da Universidade Estadual de Montes Claros (ETSUS Unimontes). Segundo a coordenadora geral do Pronatec na escola, Zaida Ângela Marinho de Paiva Crispim, os cursos oferecidos no contexto do Programa do MEC são os técnicos em Enfermagem e Gerência em Saúde, a formação inicial do Agente Comunitário de Saúde e do Agente de Combate a Endemias e as formações iniciais e continuadas em Assistente Administrativo, Assistente de Recursos Humanos, Balconista de Farmácia e Recepcionista em Serviços de Saúde. “Com a primeira pactuação com o Pronatec, a ETSUS formará um total de 1.630 alunos, nos anos de 2016 e 2017”, anunciou.

O Programa fez parte também da Escola de Saúde Pública do Ceará Paulo Marcelo Martins Rodrigues (ESP-CE), entre os anos 2011 e 2013. Segundo a assessora técnica da Diretoria de Educação Profissional em Saúde (Dieps) da escola da RET-SUS, Wilma Lins, as formações oferecidas com recursos do Pronatec foram os técnicos em Saúde Bucal e Enfermagem. No primeiro caso, foram formados 61 profissionais. No segundo, 119 enfermeiros. Os cursos contaram com 1.200 horas de aulas teóricas e práticas e 600 horas de estágio supervisionado. “Nove municípios receberam esses cursos. A ESP-CE já ofertava essa modalidade de cursos para profissionais do SUS. Com o Pronatec, houve a possibilidade de ampliar para a população em geral que tinha interesse nas formações”, revelou Wilma.

O mesmo aconteceu com a Escola Técnica em Saúde Maria Moreira da Rocha, no Acre. Vinculada à Secretaria Estadual de Educação, a escola aderiu ao Pronatec em 2012, com cursos técnicos — por meio dos quais formou, até 2014, um total de 2.159 pessoas, e na modalidade Formação Inicial e Continuada (FIC) — que envolveu até agora 1.027 alunos. Segundo o coordenador de projetos da escola, Arthur Fontenelle, fazem parte desse contexto os cursos técnicos em Enfermagem, Análises Clínicas, Gerência em Saúde, Massoterapia, Órtese e Prótese, Imobilizações Ortopédicas, Saúde Bucal, Nutrição e Dietética, Citopatologia e Hemoterapia e as formações iniciais em Recepcionista em Serviços de Saúde, Higienista em Saúde, Aconselhador em Dependência Química, Cuidador de Idoso, entre outras. “Os cursos ofertados com recursos do Pronatec são de extrema importância para o Acre, permitindo ampliar a demanda para além dos trabalhadores do SUS”, observou o coordenador, revelando, ainda, outra iniciativa da escola com recursos do Pronatec: “Em 2015, de forma inédita, a ETSUS Acre iniciou o curso de Agente de Combate à Endemias, para pessoas em regime semiaberto”. A formação, segundo ele, acontece no interior do estado de forma descentralizada e com material didático elaborado pela própria escola.

Prioridades

No Brasil, o Pronatec conta com uma rede de instituições que demandam cursos voltados para públicos específicos em cada região e, ainda, com uma rede de instituições, incluindo o setor privado, que ofertam os cursos. “O Pronatec tem a proposta de ser uma política pública de inclusão para pessoas que tenham tido dificuldade, em sua trajetória de vida, de acessibilidade ao mundo do trabalho, por meio de um instrumento formal de educação profissional em nível básico ou médio, possibilitando o acesso a uma formação técnica e a ampliação dos níveis de escolaridade”, caracterizou o presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Belchior de Oliveira Rocha.

De acordo com dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), somente as instituições privadas receberam em torno de R$ 645 milhões do governo federal para atuarem no Pronatec. Na avaliação de Rocha, o montante de recursos aplicados na educação profissional deve ser avaliado a partir do benefício que traz à sociedade e a cada sujeito em particular, de forma que possa assumir a sua cidadania de uma maneira participativa e produtiva para a coletividade. “Entendemos que a rede pública de educação profissional, mesmo com sua considerável expansão nos últimos anos, provocada pela reestruturação e do aumento no número de campi dos institutos, não tem capacidade suficiente para atender a grande demanda de jovens e adultos deste país desprovidos de uma formação profissional que lhes dê mais e melhores condições de acesso ao mundo do trabalho”, observou o presidente do Conif.

O reitor do Instituto Federal Fluminense (IFF) e ex-presidente do Conif, Luiz Augusto Caldas, verifica, por outro lado, consequências nocivas provocadas pela transferência de recursos públicos da União para a iniciativa privada. “Em se tratando da educação profissional e tecnológica, o que se evidencia é que isto concorre para o distanciamento da esfera pública de seu compromisso com a educação e do fortalecimento da iniciativa privada”, avaliou. Segundo ele, se considerarmos as instituições do Sistema S, que recebe mais de 90% dos recursos, são mais de seis bilhões de reais repassados pelo FNDE à iniciativa privada para a execução do Pronatec.

A participação massiva do Sistema S foi também questão identificada pela pedagoga Fernanda Cosme da Costa, aluna do Mestrado em Educação Profissional em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Em seu trabalho de conclusão de curso, intitulado O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e a educação escolar da classe trabalhadora, a partir de dados sobre a Política de Educação Profissional do país, com base no Pronatec, entre os anos 2011 e 2014, Fernanda constatou que o Progama é tratado, de modo geral, como uma iniciativa que oferta vagas no Sistema S, apesar de, do ponto de vista orçamentário, definir todos os recursos para a educação profissional.

Consequências

Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), do total de oito milhões de matrículas realizadas até hoje com recursos do Pronatec, apenas 30% foram em cursos técnicos. A maioria foi direcionada à modalidade FIC, em acordo com o Decreto nº. 5.154/2004. “Tais cursos podem ser para principiantes, mas também para os trabalhadores que já têm a formação inicial e necessitam de uma especialização, atualização e aperfeiçoamento em nível de qualificação técnica”, explicou Rocha. O presidente do Conif lembrou que questões como duração e exigências legais estabelecidas para algumas profissões técnicas quanto ao estágio supervisionado são usadas como justificativas para a baixa oferta de cursos técnicos.

De acordo com Fernanda, que também integra o grupo de pesquisa ‘As reconfigurações contemporâneas do conceito do público’, coordenado pela vice-diretora de Pesquisa da EPSJV, Marcela Pronko, dos oito milhões de vagas ofertadas pelo Pronatec, entre os anos de 2011 e 2013, 70,05% foram para cursos FIC, com duração entre 160 e 400 horas, e apenas em 2013, 70,45% das vagas foram ofertadas e executadas pelas empresas do Sistema S. “Em números absolutos, isto significa que das 1.548.013 vagas ofertadas, o Sistema S foi responsável por 1.090.575”, informou.

Nesse sentido, Caldas orientou mudanças de rumos, observando que os cursos FIC são mais permeáveis à mercantilização da educação. “Em geral, são projetos desvinculados do compromisso com a elevação de escolaridade do trabalhador e, no atual estágio do desenvolvimento científico e tecnológico e seus impactos nos processos de trabalho, é imperiosa a necessidade de o trabalhador dominar princípios que superem o paradigma exclusivo do fazer”, avaliou. Ele reconheceu a importância da modalidade, mas ponderou que os cursos FIC não podem ser tomados como prioritários, uma vez que são muito aligeirados e “uma porta aberta à banalização da formação para o trabalho”.

O relatório de execução de 2013 da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec/MEC) revela que os IFs têm críticas à modalidade FIC. “A Rede de IFs não faz resistência ao Pronatec como um todo, mas sim críticas à prioridade por esta modalidade e à centralidade ao bolsa-formação”, esclareceu Caldas. Por sua vez, o presidente atual do Conif admitiu o processo de críticas às ações de qualquer política pública e às suas gestões como uma característica do processo democrático. No entanto, destacou Rocha, “enquanto integrante de uma instituição que nasceu para atender demandas de qualificação dentro de um contexto em que as ocupações eram bem menores e com menos exigências, devido ao nível de desenvolvimento científico e tecnológico, acreditamos que a ampliação da missão que foi definida para os Institutos Federais não descarta a sua função de contribuir com a formação inicial e continuada.

Fragilidades

No centro das críticas feitas pelo reitor do IFF está, também, o problema da fragilidade do controle dos recursos públicos e da efetividade do financiamento. “O que temos hoje não vai para além do registro de matrículas no Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (Sistec) que, por si só, não revela o melhor resultado dos recursos repassados pelo Governo Federal”, opinou. Para ele, o que há é uma aproximação em parte entre a necessidade de qualificação para o trabalho e as políticas de desenvolvimento produtivo — normalmente pautadas pelos setores mais robustos, prósperos e politicamente representados — e as demandas referenciadas a partir da instituição ou empirismo de especialistas.

O mesmo conferiu Fernanda que, ao verificar a distribuição dos recursos do Pronatec, atestou que 48,89% do dinheiro foram direcionados ao Bolsa-Formação. “Com relação ao orçamento, entre 2011 e 2014, foram destinados quase R$ 16 bilhões para o Pronatec, dos quais 48,89% custearam a Bolsa Formação, e os demais recursos para as outras ações da EPT, como investimento em infraestrutura, pagamento de pessoal e capacitação”, esclareceu.

A pedagoga notou, com isso, que o Pronatec foi adequado às necessidades do mercado de formação do trabalhador, “acabando por contribuir para a organização dos interesses burgueses quanto à educação da classe trabalhadora”. Ou seja, concluiu, “o Programa implicou um processo de sucateamento das instituições públicas”.

Para Caldas, os recursos repassados para os sistemas públicos para a execução do Bolsa Formação, especificamente para os Institutos Federais (Ifs), abala a natureza pública das instituições ao estimular a constituição de estruturas internas, paralelas e assimétricas e contribuem, face às disputas por acesso aos recursos, para a fragmentação do corpo funcional dos IFs. “Em se tratando do Bolsa Formação, tenho inteira convicção de que, no mundo atual, uma política de formação profissional que não esteja reforçadamente pautada pela elevação de escolaridade e pela centralidade na ciência contribui muito pouco para alterar a realidade dos jovens e adultos trabalhadores na perspectiva de sua emancipação”, observou. Para o reitor do IFF, o Bolsa Formação não deveria estar compreendido como  política, mas sim como  uma medida estruturada, com base em metas de elevada escala na oferta de algumas modalidades de cursos de EPT.

 

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