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Uma história rara de superação

Apesar de uma anomalia incomum, sobre a qual só há três registros no mundo, Auristela Viana conclui curso de enfermagem pela Etesb.

Ana Paula Evangelista
 

“Nasci com uma anomalia rara, incompatível com a vida”. A definição é de Auristela Viana da Silva, de 26 anos, sobre a alteração genética com a qual nasceu. A jovem é uma das únicas três pessoas de que se tem conhecimento no mundo com aglossia congênita isolada, ou seja, ausência total do órgão da língua, sem que haja outras deformidades. A anomalia causa a perturbação da capacidade de expressão pela linguagem verbal. Não se refere, portanto, às deficiências de articulação, nem à deformação vocabular e ao tartamudeio. Nesses casos, as chances de sobrevivência são pequenas — segundo a literatura médico-odontológica, a expectativa de vida dos
portadores do problema é de apenas três dias de vida.

A despeito dos números, Auristela transformou sua história em um lindo exemplo de superação. Não somente driblou a baixa expectativa de vida, como se formou, em outubro de 2015, no curso de Auxiliar em Enfermagem pela Escola Técnica de Saúde de Brasília (Etesb), com outras 22 alunas. 
“Estou subindo mais um degrau na vida. Com esse diploma já posso trabalhar. É muita felicidade e não quero parar por aqui”, comemorou a profissional, que, hoje, dá continuidade na escola à formação técnica na área.

Resiliência

Chegar à juventude não foi fácil, muito menos concluir mais uma etapa acadêmica. O passado de Auristela foi marcado por cirurgias e tratamentos realizados no Brasil. Sem a língua, órgão fundamental para o bom desenvolvimento dos dentes e da mandíbula, a jovem tinha dificuldades para engolir e falar. Além disso, precisou enfrentar, durante boa parte da infância e do início da juventude, o preconceito e a rejeição. “Devido à deficiência, que causava muita saliva, me chamavam de ‘Maria Babona’. Minha dicção era péssima e, com isso, me excluíam das brincadeiras”, recordou, informando, porém, que a despeito dos apelidos inoportunos, buscou sempre sorrir para a vida.

Conseguir falar sem dificuldades implicou esforço da aluna e envolvimento de vários profissionais de saúde. Responsável por acompanhar o caso desde que ela era criança, o cirurgião bucomaxilofacial Frederico Salles liderou um grupo multidisciplinar de profissionais da odontologia, fonoaudiologia, nutrição e psicologia no desenvolvimento da comunicação por meio da voz. Aos 15 anos, foi submetida a mais uma cirurgia, dessa vez para expandir a mandíbula e alinhar os dentes. Auristela precisou, também, usar o distrator ostiogênico, um aparelho importado para assegurar o desenvolvimento correto dos ossos. Até abril deste ano, ela ainda estava sob cuidados da odontologia e da fonoaudiologia. “Fiz tratamento ortodôntico para cuidar da estética dos dentes e acompanhamento com a fonoaudióloga. Atualmente, faço exercícios de fala em casa”, informou a jovem que, hoje, além de falar corretamente, é capaz de sentir todos os sabores. “O resultado das cirurgias e tratamentos foi a melhoria significante da fala, da deglutição e, sobretudo, da autoestima”, ratificou.

Escolha justificada

Mas por que a opção pela enfermagem? A aluna responde que a escolha pelo curso foi em retribuição à dedicação dos vários profissionais que cuidaram dela. A escola, por sua vez, foi indicada por amiga que iniciou os estudos em fevereiro de 2014.
“Os alunos e a equipe da escola tiveram um papel importante para minha formação, me apoiando e auxiliando nos estudos”, frisou.

Segundo a coordenadora do curso, Célia Maísa Felipe, os alunos e os cenários de prática sempre buscaram um relacionamento respeitoso e solidário com a egressa. “A Auristela sempre mereceu a nossa consideração por sua persistência, constância e determinação”, observou Célia. Ela revelou que a Etesb sempre buscou a excelência na formação de seus estudantes, face à preocupação com a qualidade do SUS. “A turma de Auristela concluiu mais uma etapa, estando preparada para entrar no mundo do trabalho”, afirmou.

Os cursos de Auxiliar e Técnico em Enfermagem são o mais antigos da Etesb. Eles surgiram em 1964, sob a missão de promover a educação profissional e a melhoria da assistência à saúde em todos os níveis. De lá para cá, a escola formou 4.300 auxiliares e mais de mil técnicos em enfermagem a serviços do SUS distrital, com previsão de diplomar, em 2016, outras dezenas de técnicos, incluindo a turma da qual Auristela faz parte. 

Prática antiga

Seguindo a tradição de uma formação pública com qualidade e voltada para o SUS, a diretora Ena de Araújo Galvão reforça o compromisso da escola com a promoção, a recuperação e a manutenção da saúde da comunidade por meio do curso técnico em enfermagem, estruturado em três etapas. A primeira, segundo Ena, corresponde ao núcleo básico da área da saúde e não confere a terminalidade da formação. A segunda etapa qualifica o profissional como auxiliar. Por fim, a terceira corresponde à habilitação profissional de técnico.

A formação, comum às escolas da RET-SUS, destaca os valores ético-profissionais que orientam a atuação profissional no mundo do trabalho, relativos a uma estética da sensibilidade, uma política de igualdade e uma ética da identidade. Integrados, esse valores obedecem aos princípios da laboralidade, flexibilidade, interdisciplinaridade, contextualização, identidade profissional, atualização permanente e autonomia da escola. A formação do auxiliar e técnico em enfermagem somam uma carga horária de 400 e 1.200 horas, respectivamente. Ou seja, o curso completo se dá em 1.800 horas, incluindo as fases de estágio supervisionado.

À luz do SUS

Os cursos visam atender às necessidades de formação de profissionais auxiliares e técnicos em enfermagem dos programas públicos de saúde no âmbito distrital do SUS, focalizando a qualidade e a integralidade da atenção à saúde nas comunidades atendidas. Nesse contexto, a escola propõe uma formação crítico-reflexiva sobre os princípios e as diretrizes do sistema público de saúde. Além dos cursos técnicos em Enfermagem,
Saúde Bucal e Análises Clínicas, em andamento, a escola promove a Especialização Técnica de Nível Médio em Saúde da Família, Enfermagem e Saúde Bucal.

Não à toa, a Etesb tornou-se referência no ensino técnico da região, recebendo o prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), na década de 1990, e integrando-se, em 2001, à Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS), juntando-se as outras 39 escolas técnicas, centros formadores de recursos humanos e escolas de saúde públicas em todo o país.

 

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