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Aedes: décadas de impactos sobre a população

Escolas da Rede  mostram como estão envolvidas com o combate aos vírus da dengue, chikungunya e zika.

Ana Paula Evangelista
 

“A água está contaminada”. É o que afirmavam os moradores da cidade de Camaçari, região metropolitana de Salvador (BA) aos veículos de comunicação, por conta de um grande número de pessoas com manchas pelo corpo, febre e dores que surgiu em 2015. Mas não era a água o motivo pelo qual mais de 200 mil habitantes receberam o diagnóstico de síndrome eczematosa indeterminada. Era um problema até então desconhecido, o zika vírus. A descoberta foi feita pelo médico Antonio Carlos Bandeira, em 28 de abril de 2015, após análises de amostras de sangue dos pacientes da região, realizadas pelos virologistas Gubio Soares e Silvia Sardi, da Universidade Federal da Bahia (Ufba). O que o médico ainda não imaginava que a doença tomaria grandes proporções e, somando-se a outros dois vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti — dengue e chikungunya —, alarmaria o país e o mundo, em face de sua provável relação com a microcefalia em recém-nascidos e, até mesmo, com doenças neurológicas, como a síndrome de Guillain-Barré.  Estudos recentes, também, identificaram o vírus ativo na urina e na saliva, e não se sabe se a doença é autoimune, o que pode complicar ainda mais o diagnóstico, já que o zika pode se manifestar de várias formas.

Os números da tríplice epidemia são impactantes. Segundo o informe epidemiológico do Ministério da Saúde (MS), até meados de fevereiro deste ano, foram registrados 170.103 casos prováveis de dengue, sendo a Região Sudeste a líder do ranking, com 96.664 (56,8%) de possíveis casos. Em 2015, foram notificados 26.952 casos autóctones suspeitos de febre de chikungunya, com registro de três óbitos — dois na Bahia e um em Sergipe. Quanto ao zika, até meados de fevereiro, foram confirmados autoctonia da doença em 22 estados. Além disso, dois óbitos pelo vírus no país — um em São Luís (MA) e outro em Benevides (PA) — foram também confirmados laboratorialmente.

Segundo o MS, até meados de março deste ano, foram identificados 4.231 casos suspeitos de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso, sugestivas de infecção congênita. Dos casos analisados, 745 foram confirmados e 1.182 descartados — os casos confirmados ocorreram em 282 municípios, localizados nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pará, Rondônia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Desde o início da investigação, foram notificados 6.158 casos suspeitos de microcefalia. Até o dia 5 de março, o MS revelou o registro de 157 óbitos suspeitos de microcefalia e/ou alteração do sistema nervoso central após o parto ou durante a gestação (abortamento ou natimorto). Destes, 37 foram confirmados para microcefalia e/ou alteração do sistema nervoso central, outros 102 continuavam em investigação e 18 foram descartados. Do total de casos de microcefalia confirmados, 88 tiveram resultado positivo para o zika.

Situação alarmante

O estado é de emergência em saúde pública de importância nacional, decretou o Ministério da Saúde, em novembro de 2015. Na corrida contra o tempo para encontrar respostas para a tríplice epidemia, especialmente para as consequências nefastas do zika — talvez, a maior delas, seja a microcefalia —, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, em março, anunciou um investimento de R$ 10,4 milhões para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para o desenvolvimento de estudos no combate ao mosquito Aedes aegypti. Destes, R$ 4,4 milhões destinam-se ao financiamento da vacina contra o vírus zika. O restante — cerca de R$ 6 milhões (US$ 1,5 milhão) — será destinado a projetos de cooperação bilateral para pesquisas de Zika e microcefalia entre a Fiocruz e a agência de saúde do governo norte-americano National Institutes of Helth (NIH). O repasse do recurso será feito por descentralização de crédito orçamentário.

O MS tomou a formação dos trabalhadores do SUS como outra importante estratégia de combate ao Aedes e seus vírus. Exemplo nesse sentido é o curso Zika: abordagem clínica na Atenção Básica, lançado em fevereiro, em parceria com a Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS). A formação, com 45 horas de aula, é destinada a médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e demais profissionais de nível superior da Atenção Básica à Saúde, trazendo um capítulo integralmente dedicado aos cuidados voltados às gestantes com infecção pelo vírus e a recém-nascidos com microcefalia, além de abordar questões relacionadas a suspeita, notificação, investigação, diagnóstico e conduta, nos casos e situações tratadas nos protocolos aprovados pelo Ministério da Saúde. 

O curso foi elaborado pela unidade da Fiocruz do Mato Grosso do Sul, em parceria com as universidades federais de Mato Grosso do Sul (UFMS) e de Pernambuco (UFPE), Estadual de Feira de Santana (UEFS) e a Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande, e recebeu, nas primeiras 48 horas, mais de oito mil inscrições — estas seguem, pelo site da UNA-SUS, até o dia 15 de fevereiro de 2017. Seus objetivos são orientar os profissionais de saúde quanto ao modo de transmissão, período de incubação, vetor e características do zika vírus e aos meios de proteção individual e coletiva, além de sensibilizar e instrumentalizar o profissional para identificação de quadro clínico sugestivo de infecção pelo vírus e realização do cuidado adequado de pacientes com quadro suspeito e apresentar critérios para indicação e interpretação de exames laboratoriais e por imagens referentes à doença.

Trata-se de uma formação autoinstrucional sobre o vírus, composta por quatro unidades educacionais: aspectos epidemiológicos, promoção à saúde e prevenção de infecção por vírus zika; quadro clínico e abordagem a pessoas infectadas com vírus zika; os cuidados com as gestantes com suspeita ou confirmação de infecção por vírus zika e do recém-nascido com microcefalia; e vigilância da infecção por vírus zika e suas complicações. A ação trabalha pedagogicamente com atividades interativas, casos clínicos, vídeos com especialistas e entrevistas.

De acordo com o secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Hêider Aurélio Pinto, a ideia é capacitar recursos humanos para enfrentar esse novo desafio de saúde pública. “Os profissionais de saúde estão na linha de frente na batalha contra a microcefalia e o Aedes. É essencial que eles estejam atualizados e preparados para orientar as pessoas de um modo geral e cuidar daquelas com zika ou qualquer uma de suas complicações”, justificou.

Quatro opções de capacitação voltadas para o combate ao mosquito, bem como para a atenção às doenças transmitidas pelo vetor, fazem parte do rol de coesações. Entre as opções destaca-se o curso de Atualização no Combate Vetorial ao Aedes aegypti, voltado para agentes comunitários de saúde, agentes de combate às endemias, profissionais de educação, assistência social, defesa civil, militares e multiplicadores, em resposta a emergências em saúde pública, lançado em janeiro. Além desses profissionais, podem também participar as pessoas que estiverem interessadas em ampliar os conhecimentos sobre as doenças e sobre como eliminar o mosquito.

A atualização, com linguagem simples e de fácil entendimento, e de acesso livre a qualquer pessoa, tem apenas 16 horas de duração e é realizada pela internet, com certificação ao fim. Para acessar o conteúdo, é preciso fazer um cadastro na página do Ambiente Virtual de Aprendizagem do SUS (AVA-SUS) ou do Telessaúde do Rio Grande do Sul e começar as aulas virtuais. A expectativa é de que agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias de todo o país atualizem-se pela plataforma. O curso já conta com 7,5 mil inscritos.

Novo canal

Paralelo ao curso, um novo canal de informações foi disponibilizado aos agentes comunitários de saúde, de combate às endemias e militares. Trata-se do telefone 0800 645 3308. O serviço, disponível desde o dia 1º de fevereiro, oferece suporte para esclarecimento de dúvidas sobre identificação de focos do mosquito transmissor da dengue, chikungunya e zika, além da mobilização da população para o enfrentamento ao vetor. A ação promove a formação permanente dos profissionais envolvidos no combate ao Aedes.

O esclarecimento pelo 0800 ocorre de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h30, pela central TelessaúdeRS, que integra o Programa Telessaúde Brasil Redes do Ministério da Saúde. Pelo telefone, os profissionais podem tirar dúvidas sobre procedimentos a serem adotados pela população, como, por exemplo, o uso de telas em portas e janelas, repelentes, inseticidas e roupas que reduzam a exposição de partes do corpo ao mosquito. Além disso, é possível esclarecer sobre como realizar de forma mais prática e rápida as ações para identificação de focos e para combate ao Aedes.

Formação permanente

No contexto das formações estão também os cursos para diagnóstico e manejo de dengue e de chikungunya, ofertados de forma permanente pela UNA-SUS a profissionais de saúde de nível superior. O primeiro, composto por oito estudos de caso, tem como foco a identificação do risco de casos suspeitos de dengue e a adoção das condutas corretas diante das diferentes situações clínicas, visando à redução de complicações. Já o curso de chikungunya, lançado em dezembro de 2015, é composto por duas unidades. A primeira traz informações sobre epidemiologia, quadro clínico, diagnóstico, ações de vigilância e organização dos serviços de saúde, além de apresentar a importância da educação permanente em saúde. A segunda unidade aborda casos clínicos, por meio dos quais o profissional é estimulado a refletir sobre a melhor conduta para realizar o manejo de pacientes com suspeita da doença.

O combate ao mosquito por meio da formação profissional faz parte, também, do contexto de instituições que integram a Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS). É o caso da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), no Rio de Janeiro, que retomou no ano passado, no contexto do Programa de Formação de Agentes Locais de Vigilância em Saúde (Proformar-Rio) — parceria entre a EPSJV e a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS/RJ) — duas turmas do curso Técnico em Vigilância em Saúde. Para além da demanda focalizada em combater o Aedes, a formação busca oferecer aos 70 alunos matriculados — agentes de saúde do Rio — um olhar sobre o território sob a lógica do conceito ampliado de saúde. Baseada na Portaria nº 1.007/2010, do Ministério da Saúde, a formação preconiza a integração do trabalho dos agentes de vigilância com as equipes da Estratégia de Saúde da Família, buscando maior aproximação com a Atenção Básica à Saúde. A previsão é que o curso técnico seja concluído em setembro de 2016, com previsão de novas turmas para os trabalhadores da SMS/RJ até o fim do ano.

Ainda na região Sudeste, a Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais (ESP-MG) sediou a palestra Aedes aegypti: conhecer para controlar, ministrada pelo biólogo e pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou, unidade da Fiocruz em Minas Gerais, Fabiano Duarte Carvalho. Ele falou sobre os sintomas que caracterizam os três tipos da doença, enfatizando a importância da prevenção, que se baseia na eliminação de criadouros.

A bióloga e pesquisadora da Fundação Ezequiel Dias (Funed), Alzira Batista Cecílio, destacou um estudo para produção de larvicida a base de produtos naturais para combater o vetor.  Ela revelou que, na Funed, estão estudando plantas medicinais que tem capacidade de eliminar as larvas do mosquito. “Esse trabalho tem se concentrado nos óleos de cravo orégano, que em contato com as larvas as elimina em 24 horas”, esclareceu, explicando, porém, que a substância é produzida somente em laboratório e que, portanto, o uso puro do cravo e do orégano nos criadouros não tem efeito. Segundo Alzira, a previsão é que o produto esteja totalmente aprovado e no mercado no segundo semestre deste ano. 

No sul do país, apesar de um menor número de casos de zika, a Escola de Formação em Saúde (Efos), em Santa Catarina, realizou ação formativa sobre as estratégias de combate do Aedes aegypti. Tratou-se da roda de conversa Atualização do cenário estadual e orientações sobre estratégias de combate ao Aedes Aegypti (Dengue, Chikungunya e Zika), realizada na sede da escola, no dia 10 de março, com a participação de Yoná Simon, do Programa de Controle da Dengue da Diretoria de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de São José. Segundo a palestrante, os casos de zika e chikungunya notificados em Santa Catarina são oriundos de outros estados. Mas a incidência de focos do mosquito, acrescentou, tem aumentado no estado, principalmente nas regiões Oeste e da Grande Florianópolis.

No Mato Grosso do Sul, a Escola Técnica do SUS Profª Ena de Araújo Galvão (RET-SUS/MS) tem realizado reuniões em todos os municípios, com o objetivo de sensibilizar e atualizar os agentes comunitários de saúde e de endemias no combate ao mosquito. Os encontros servem, também, para informar que atividades os municípios estão desenvolvendo e promover a integração das ações entre as áreas da Atenção Básica e da Vigilância em Saúde.

Apoio relevante

No Nordeste, região com maior número de casos de zika vírus e microcefalia, as ETSUS assumem o apoio às ações de combate à epidemia. Vinculada à Fundação Estadual da Saúde (Funesa) de Sergipe, a ETSUS-SE, como coordenadora das ações de educação profissional do estado, vem focalizando a tríplice epidemia — dengue, chikungunya e zika — nas aulas teóricas dos cursos técnicos em Enfermagem e Vigilância em Saúde.

No Ceará, a Escola de Saúde Pública de Iguatu realizou uma capacitação para os agentes de endemias, com a colaboração de profissionais da Vigilância Epidemiológica. O objetivo foi sensibilizar a população em relação ao combate e à proliferação do mosquito, destacando os problemas de saúde provocados pelos três vírus e como os profissionais devem atuar. Além da formação, a escola integrou-se à Brigada de Enfrentamento do Aedes Aegypti, criada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), realizando vistorias e limpeza das dependências de prédios públicos, encaminhando semanalmente relatório à SMS.

Uma brigada de enfrentamento funciona, também, na Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE). A cada sete dias, todas as brigadas do estado promovem inspeção e eliminação de possíveis focos e criadouros do Aedes aegypti.  Além disso, a escola promoveu, nos meses de janeiro e fevereiro, encontros com os alunos do curso Técnico em Vigilância em Saúde (CTVS), que são agentes de combate às endemias do estado, com foco nas ações de combate ao mosquito. Ao todo, mais de três mil alunos participaram dos encontros, que contou com a parceria da Marinha do Brasil.

Na Bahia, a Escola de Formação Técnica em Saúde Prof. Jorge Novis (EFTS) por meio da Portaria Sesab nº 134, de 4 de fevereiro de 2016, formou uma comissão de combate ao mosquito composta por quatro servidores da escola. Junto com os servidores da higienização, eles elaboraram plano de ação e monitoramento no prédio, ampliando para o entorno da escola. As atividades incluem a limpeza sistemática da instituição, a poda de árvores, a criação de uma campanha oficial sob o slogan Dia D de Combate, um cronograma de vistoria, ações educativas e de comunicação, a criação de proteção de tela para computadores alusivo ao combate ao vírus e a promoção de palestras com especialistas no controle da dengue, da febre chikungunya e do ziKa vírus.

A escola realizou, ainda, em sua unidade descentralizada, no município de Itaberaba, o curso de Qualificação em Vigilância em Saúde, com ênfase nos três vírus transmitidos pelo mosquito do gênero Aedes. Em fevereiro, a unidade descentralizada e a sede da EFTS integraram-se à blitz educativa no trânsito realizada pelas Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Prefeitura de Itaberaba e Base Operacional de Saúde, no município, alertando a comunidade sobre a tríplice epidemia e a importância do combate ao mosquito. A unidade de Itaberaba sediou, também, reuniões para discutir estratégias de combate ao vírus zika, com a participação da sociedade civil, órgãos públicos e privados, organizações não governamentais e secretários municipais.

No Centro-Oeste, o Centro de Educação Profissional de Saúde da Escola de Saúde Pública de Goiás Cândido Santiago (CEP-Saúde) integra uma força tarefa de combate ao Aedes, lançada em dezembro de 2015, quando o estado decretou estado de emergência em saúde pública devido à tríplice epidemia. A escola enviou técnicos em vigilância para colaborarem no planejamento, orientação, acompanhamento e supervisão do trabalho de controle do vetor que vem sendo realizado nos municípios goianos. Além disso, os técnicos do CEP-Saúde acompanham os agentes nas visitas domiciliares, observando se as orientações estão sendo feitas de maneira correta e se o manejo ambiental está adequado. A escola faz parte, também, do movimento Goiás contra o Aedes, coordenado pelo Comitê Executivo Estadual de Combate ao Aedes. O grupo conta com o apoio da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO), secretarias municipais, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, agentes de endemias, agentes comunitário de saúde, professores das escolas públicas e voluntários.

Saneamento em foco

O zika traz à tona questões caras para a sociedade, como as formas de controle do vetor.  Para o representante do Departamento de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, médico Cláudio Maierovitch, uma intervenção arquitetônica nas cidades se faz necessária, mas não seria suficiente. “Tem que mudar o estilo de vida, mudar a distribuição de renda, para que as pessoas tenham acesso a políticas importantíssimas para combater o vetor, o exemplo mais típico é a política de educação”, orientou em entrevista à RET-SUS, durante o Workshop A,B,C,D,E do vírus zika, promovido pela Fiocruz Pernambuco, nos dias 1º e 2 de março — o encontro, que recebeu grande repercussão midiática, reuniu cerca de 600 participações presenciais e 4.424 acessos via web de 26 países, além do Brasil, com destaque para o anúncio que o estado de Pernambuco receberá um incentivo de três milhões de reais para modalidade de pesquisa chamada fast track.

Maierovitch reconhece a dívida que o Brasil tem quanto ao saneamento básico, mas afirma que muitas ações emergenciais estão em curso e que o país nunca agiu de maneira tão integrada. “Há ações que são específicas de combate ao vetor que podem funcionar, mas certamente há um limite. Elas não conseguirão sozinhas acabar com o mosquito. Precisamos que algumas prioridades sociais sejam atendidas por todas as esferas de governo mais rapidamente”, ressaltou.

Em nota técnica sobre a microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti, os grupos temáticos de Saúde e Ambiente, Saúde do Trabalhador, Vigilância Sanitária, Promoção da Saúde, Desenvolvimento Sustentável e Educação Popular em Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) observam que a expansão territorial da infestação pelo mosquito atesta o fracasso da estratégia nacional de controle do vetor. Segundo o documento, são várias as causas desta “tragédia sanitária”, entre elas a degradação das condições de vida nas cidades, o saneamento básico inadequado, particularmente no que se refere à dificuldade de acesso contínuo à água, a coleta de lixo precária, o esgotamento sanitário e o descuido com higiene de espaços públicos e particulares.

As estratégias de combate estão ultrapassadas, pois são as mesmas usadas nos últimos 40 anos, alerta o documento da Abrasco.  “Não há integração entre municípios, estados e União, o que impede a implementação de ações sincronizadas. Defendemos a constituição de estruturas de Vigilância à Saúde, em cada uma das 400 regiões de saúde, com unificação de recursos visando planejamento e gestão das ações tanto dos municípios quanto de estados e União”, recomenda a instituição.

Segundo os sanitaristas que integram os grupos temáticos, é preciso problematizar o uso de produtos químicos em uma escala que desconsidera as vulnerabilidades biológicas e socioambientais de pessoas e comunidades, pois o uso de tais substâncias pela Saúde Pública não tem tido efetividade, não diminui a infestação pelo Aedes e provoca danos sérios às pessoas.  “Preocupa-nos o uso intensivo de produtos químicos sabidamente tóxicos, como o Malathion, um verdadeiro contrassenso sanitário. Este produto é um agrotóxico organofosforado considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) como potencialmente cancerígeno para seres humanos”, escrevem.

“Por que não foram priorizadas até agora as ações de saneamento ambiental, estratégia que parece ficar ainda mais distante?; O que de fato está sendo feito para o abastecimento regular de água nas periferias das cidades?; Como as pessoas podem proteger a água para consumo?; Por que, apesar de muitas cidades terem coleta de lixo regular, ainda se observa uma quantidade enorme de lixo diariamente presente no ambiente”. Esses são alguns dos questionamentos apresentados no documento da Abrasco, recomendando, a curto e médio prazo, apoio e articulação de pesquisas voltadas para produção de vacinas, com prioridade para o zika vírus, estudos para produzir conhecimentos da epidemia desta doença, definindo cientificamente seu modo de transmissão e os danos ao sistema nervoso, e o desenvolvimento em escala de testes clínicos. Além disso, a instituição propõe o controle da infestação de Aedes por meio do desenvolvimento de ações imediatas em larga escala de destruição de criadouros e melhoria das condições socioambientais das cidades.

Prioridades em xeque

“Essa epidemia é também oportunidade de negócios e deve ser percebida, também, como oportunidade para a transformação das condições de vida que propiciaram sua emergência”, pontuou André Monteiro Costa, pesquisador do Departamento de Saúde Coletiva da Fiocruz Pernambuco. Em entrevista à RET-SUS, o engenheiro ambiental criticou o fato de se dar maior prioridade a estudos do campo biomédico e pouca importância ao campo da saúde coletiva. Ele chamou atenção para o foco dado ao que chamou de “mercado da epidemia”, ou seja, a vacinas, venenos, biolarvicidas, mosquitos transgênicos e mosquitos estéreis. “Obviamente, o desenvolvimento de vacinas me parece necessário, mas há questões estruturais, que passam pelo saneamento básico e pelo controle mecânico do vetor, que precisam estar no centro da agenda”, opinou.

Monteiro faz uma reflexão sobre o tema, a partir da determinação social da saúde, sob a perspectiva latino-americana. “Em Pernambuco, 97% dos nascimentos dos casos de microcefalia acontecem em hospitais do SUS. Infelizmente, isso significa que são pobres. E, ainda em Pernambuco, 77% das famílias com bebês microcéfalos estão na linha de extrema pobreza”, sublinhou.  Segundo ele, essas famílias vivem em comunidades com habitações precárias, sem acesso a saneamento básico. “Hoje, 30% da população de Recife sofrem com o desabastecimento de água, com coleta de esgotos escassa e de lixo inadequada”, exemplificou.  Para ele, a epidemia de zika vírus está diretamente associada às condições de pobreza, decorrente ao que ele define como “abissal iniquidade brasileira”, expressas no acesso desigual à infraestrutura urbana e aos precários serviços essenciais para a saúde e para o bem estar.

 

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Condição em que o sistema imunológico ataca os nervos.  É uma doença neurológica grave caracterizada pela inflamação dos nervos e fraqueza muscular provocando paralisia, que em alguns casos pode ser fatal. As causas da Síndrome de Guillain-Barré estão relacionadas as defesas do próprio organismo, porque neste caso os anticorpos devido a um erro, atacam o próprio sistema nervoso periférico, destruindo a bainha de mielina que recobre os nervos, gerando os sintomas.

O que intriga os pesquisadores é o aumento dos pacientes com a síndrome de Guillain-Barré foi registrado em nove países, sendo que em vários casos houve a confirmação da presença da zika. No Brasil, o maior número de casos está na Região Nordeste, coincidência ou não, é o local com a maior incidência do vírus. Muitos pacientes precisam ficar na UTI até 51 dias. A síndrome foi detectada em crianças e adolescentes, mas é mais comum em adultos, especialmente homens. Porém, ainda não há nada conclusivo.

 

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