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Repercussões da educação profissional e tecnológica

Representantes de mais de 20 países, alunos e gestores de instituições federais de ensino reverberam o que pensam do campo na atualidade.

Ana Paula Evangelista
 

Sob o objetivo de discutir o papel da educação profissional no século 21, o 8º Congresso da Federação Mundial de Colleges e Politécnicos (WFCP) e a 40ª Reunião dos Dirigentes das Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica (Reditec), realizados sequencialmente em Vitória (ES), entre os dias 22 e 27 de setembro, reuniram representantes de mais de 20 países, além de alunos e gestores de instituições federais de ensino de todos os estados brasileiros. “É muito importante para o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) ser anfitrião deste evento. Foram dois anos de preparação e sabemos dos desafios que a educação profissional e tecnológica enfrenta na atualidade”, destacou o reitor do Ifes, Denio Rebello Arantes, ao abrir a solenidade. “Estamos em um momento de encolhimento de recursos, mudanças mundiais, mas estamos aqui para conhecermos histórias e líderes inspiradores e experiências da juventude. Não resolveremos aqui os desafios da educação profissional, mas veremos as melhores práticas ao redor do mundo e teremos a oportunidade de aprender uns com os outros”, ponderou a presidente da WFCP, Denise Amyot.

Antecedendo o debate que inauguraria os encontros, o presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Marcelo Bender, além de ressaltar a importância da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica (EPCT) — com mais de 850 mil alunos matriculados — para o desenvolvimento da educação no Brasil, focalizou a importância dos dois eventos. “O congresso e a reunião ajudam a traçar o futuro da Rede EPCT. Cada passo adiante requer nossa profunda atenção”, sublinhou.

Movimento mundial

Sob o título Trajetória da educação profissional no mundo, o pesquisador britânico Robert Cowen falou na conferência de abertura sobre o que se entende por educação vocacional, desde seu surgimento na Europa, e avaliou como as escolas seguem neste mundo globalizado, revelando o processo de importação pelo Japão de um modelo de educação na década de 60. “Os japoneses entenderam que era necessário um novo sistema de educação para alcançar o desenvolvimento e que, para isso, era preciso importar esse modelo do Ocidente. Por isso, criaram escolas vocacionais, que se tornaram base das futuras universidades japonesas”, ensinou.

O pesquisador trouxe à tona, criticando os modelos, a instituição do doutorado alemão nas universidades dos Estados Unidos e a do ensino universitário estadunidense no Brasil. Ele observou que o objetivo, nesses casos, é a concorrência de mercado, nociva ao propósito da educação. Cowen ainda fez menção à invenção de uma nova linguagem na educação, que focaliza os conceitos de competência e habilidade, deslocando o campo do setor cultural para o econômico. Ele atentou para o fato de as escolas estarem apenas preocupadas com as inovações tecnológicas. “São escolas que vendem as pesquisas, que cumprem o papel de unidades econômicas, se tornando um tesouro nacional”, advertiu.

Expectativas do futuro

Na conferência Perspectivas para a sociedade do século XXI, abrindo o segundo dia de debate, o sociólogo italiano Domenico De Masi, autor do texto Ócio Criativo, fez uma retrospectiva das grandes revoluções que mudaram a economia, o trabalho e o desenvolvimento humano, pontuando as consequências do neoliberalismo para a sociedade e projetando o futuro. “O neoliberalismo estimula uma desigualdade social crescente, que resulta na migração em massa e no contraste entre as necessidades humanas e os recursos naturais, explorados como se fossem infinitos. Em 2030, seremos oito bilhões de pessoas no mundo, com uma grande diferença entre ricos e pobres”, garantiu, ponderando que a situação pode ser revertida com intervenção de caráter revolucionário. “As reformas não são mais suficientes para trazer o equilíbrio ao mundo atual”, justificou.

Segundo De Masi, o progresso científico não significa o fim da mão de obra humana. “A máquina pode realizar tarefas em grande escala, mas tem uma limitação para ir além do quantitativo, ao contrário de nós”, comparou. Ele concluiu a mesa com observações sobre a Medida Provisória  nº 746/16, que institui uma reforma do Ensino Médio — proposta pelo Ministério da Educação e enviada pelo presidente Michel Temer ao Congresso Nacional em 22 de setembro —, fazendo críticas à exclusão das disciplinas de Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física do currículo obrigatório desta etapa do ensino, como assim propõe a reforma. “É uma loucura total, pois educar é enriquecer a dimensão estética e filosófica das coisas. Devemos ser os pioneiros da formação humanística. Destruir isso é assassinar a civilização. Precisamos ter cuidado com as políticas perigosas que estão ameaçando o desenvolvimento intelectual nos países latino-americanos”, orientou.

Vale citar que a Câmara dos Deputados concluiu, em 13 de dezembro, a votação da MP 746/16. Os deputados, que já haviam aprovado o texto-base no dia 7 de dezembro, ficando para votar posteriormente os destaques que modificavam a proposta, delegaram as disciplinas de educação física, arte, sociologia e filosofia à Base Nacional Comum Curricular, ainda em elaboração, e aprovaram as parcerias com instituições de ensino privadas para educação a distância. Pelo novo texto, “os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento”. A medida mexe em toda a estrutura de aprendizagem do ensino médio, desconsiderando as obervações e pleitos de professores e alunos. O texto segue para o Senado Federal e precisa ser aprovado até o dia 2 de março de 2017, caso contrario perde a validade.

Pensar o futuro foi também a proposta da mesa de debate Desigualdade Social, Trabalho e Emprego, mediada pelo diretor do Centro Internacional para a Educação e Treinamento Técnico e Vocacional (Unevoc), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Shyamal Majumdar, com a participação do reitor do IF de Brasília e coordenador da Câmara Internacional do Conif, Wilson Conciani, da presidente da WFCP, Denise Amyot, e do representante dos Serviços de Suporte aos Estudantes (SSS, na sigla em inglês) e do Qingdao Technical College da China, Zehem Li. Os palestrantes focalizaram a educação profissional como força motriz do ensino, apontando a urgência de se questionar os caminhos que os jovens seguirão após a conclusão dos estudos.

Na avaliação de Majumdar, dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que devem ser implementados por todos os países do mundo até 2030, três são essenciais à educação profissional, por tratar dos temas da inclusão e do acesso à educação continuada. São eles: assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos (objetivo 4); alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas (objetivo 5); e promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos (objetivo 8).

Com destaque para o acesso à aprendizagem e ao emprego, Conciani, por sua vez, falou sobre as políticas de cotas e as saídas para a diminuição da evasão escolar. “O que devemos mudar é a maneira que recebemos os alunos. Em países pobres como o nosso, há muitas pessoas que querem ter acesso à aprendizagem, mas não têm oportunidades. Por isso que temos a necessidade de cotas sociais e raciais”, justificou.  Para o reitor do IF de Brasília, um importante desafio a ser enfrentado pelas escolas é a evasão de alunos. Segundo ele, o Brasil — assim como alguns outros países da América Latina — enfrenta uma evasão que varia de 40% a 60% dos matriculados ao ano. “Inclusive o ensino a distância sofre com a alta taxa de evasão”, acrescentou, revelando que as condições sociais são as causas deste cenário. “Precisamos mudar a maneira que ensinamos. O professor precisa parar de falar o tempo todo. Os alunos precisam ser motivados a participar do processo de aprendizagem. O ensino está centrado na figura do professor. Devíamos focar no processo de aprendizagem, e não de ensino”, sugeriu.

À Denise Amyot coube discorrer sobre os temas da liderança e do empreendedorismo, duas áreas que segundo ela receberam o maior número de propostas nas escolas e no mundo. “O empreendedorismo e a liderança são como um estado mental que uns têm mais facilidades que outros, mas que todos podem ter”, defendeu, destacando, ainda, a liderança sentimental, que diz respeito à coragem que um indivíduo tem de mostrar seus sentimentos. “Os melhores líderes são aqueles que mostram suas emoções. São os mais bem sucedidos e que mais colaboram”, afirmou. Denise estima que as pessoas estejam percebendo que não podem mais contar com as grandes corporações e isso explicaria o crescimento do empreendedorismo. De acordo com ela, os jovens da atualidade estão mais comprometidos com o empreendedorismo social. “Se tem alguma universidade que ainda não está fazendo isso, deve começar já”, sentenciou, bem como recomendou que a matéria “empreendedorismo” fosse incluída em todos os currículos profissionais.

Com foco na troca de conhecimentos, Zehem Li falou sobre o Serviço de Suporte aos Estudantes (do inglês Student Support Services). Segundo ele, a proposta é construir, entre outros projetos, uma plataforma internacional de compartilhamento de informação. “Isso possibilitaria uma maior integração cultural entre países do Ocidente e do Oriente”, defendeu, anunciando que a inovação será utilizada de imediato para estruturar a 9ª edição do Congresso Mundial da WFCP, que acontecerá de 8 a 10 de outubro de 2018 em Melbourne, na Austrália.

Força motriz

A 40ª Reditec, por sua vez, se destacou pela construção do planejamento estratégico do Conselho Nacional dos Dirigentes das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). O presidente do Conif, Marcelo Bender, ressaltou o poder de inovação da Rede EPCT. “Nossas práticas precisam ser revigoradas”, sublinhou, destacando a necessidade de se promover articulações com outras redes que estejam voltadas para a educação pública.

Articulação, aliás, foi a palavra de ordem do encontro. Durante os fóruns do Conif, Jefferson Almeida e Daiana Crús, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), representando a Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS) do Ministério da Saúde, da qual a EPSJV faz parte, apresentaram a proposta de encontro entre a RET-SUS e a Rede EPCT. A iniciativa integra o Projeto de Apoio Estratégico e Fortalecimento da Formação Técnica de Nível Médio em Saúde, abrigado na EPSJV, como fruto de parceria da unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Coordenação-Geral de Ações Técnicas em Educação na Saúde do Departamento de Gestão da Educação na Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde. “O objetivo da nossa participação no evento foi apresentar nossa proposta aos representantes institucionais dos institutos e centros federais de Educação, Ciência e Tecnologia de todo o Brasil”, anunciou Jefferson, que é sociólogo e mestre em antropologia, assessorando a Vice-Direção de Ensino e Informação da EPSJV.

Ele revelou que o objetivo da ação é contribuir para o fortalecimento da educação profissional em saúde no Brasil, integrando esforços e identificando as capacidades institucionais da RET-SUS e da Rede EPCT. O trabalho começará pela identificação e mapeamento dos centros e institutos federais de educação, ciência e tecnologia que integram a rede do MEC, com foco na oferta de cursos técnicos presenciais por instituto ou centro, campi e modalidades de ensino. Tal proposta, acrescentou Daiana, que é historiadora e mestre em História das Ciências e da Saúde, assessorando a Direção da EPSJV, encontra justificativa na necessidade de apoiar e de fortalecer a educação profissional, especialmente no campo da saúde, em todo o território nacional, e busca auxiliar o compartilhamento de propostas e de ações entre as duas redes, frente a uma dinâmica de expansão do campo. Este compromisso implica favorecer arranjos locais que construam, de modo complementar e integrado, ações de formação e de qualificação no campo da Educação Profissional em Saúde.

O assessor da Setec, Franklin Nascimento, o secretário-executivo do Conif, Alexandre Bahia, e Marcelo Bender mostraram interesse em promover a interlocução entre as duas redes, com foco na necessidade de congregar esforços para o desenvolvimento da educação profissional no país. Eles receberam dos assessores da EPSJV um documento de apresentação da proposta de articulação entre as redes do MS e do MEC.

A articulação foi também força motriz para a construção da Carta de Vitória. Seguindo a tradição, o documento foi apresentado ao fim da 40ª Reditec, tratando do comprometimento dos dirigentes das Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica com a qualidade da educação profissional e tecnológica. A Carta de Vitória fez duras críticas a propostas do atual, como a Medida Provisória 746, que propõe uma reforma do Ensino Médio, sem consulta a profissionais da área, e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, aprovada pelo Senado Federal, no dia 13 de dezembro, congelando os gastos públicos federais por 20 anos. “Tal medida requer amplo debate envolvendo a sociedade. O uso de medida provisória fere o princípio de construção coletiva e o protagonismo da sociedade na formulação das políticas de interesse coletivo. Ademais, a MP marginaliza disciplinas de base humanística, retrocede a formação integral de nossos jovens e adultos e, ainda, precariza o ensino, ao permitir o reconhecimento do ‘notório saber’ para o exercício da docência”, escrevem os dirigentes da Reditec, sobre a MP 746. “Restringir investimentos na manutenção e expansão da rede, desvincular percentuais constitucionais obrigatórios e abolir a destinação do percentual de 10% do PIB são ações que ferem a garantia do direito à educação pública e gratuita”, acrescentam, em menção à PEC 55.

A Carta de Vitória defende a Rede EPCT como uma política de Estado e propõe aprofundar o debate acerca, do Projeto de Lei 257, que autoriza o refinanciamento da dívida dos estados e do Distrito Federal, do quadro orçamentário e financeiro de 2016, que, conforme o documento, vem prejudicando a Rede EPCT neste ano em curso, em face dos cortes e da não liberação de limites orçamentários, e da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2017, “por não garantir a fixação da matriz atual acrescida da incidência do IPCA, para assegurar o funcionamento da Rede, como propõe o Conif”.

 

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