O Ministério Público do Trabalho rejeitou a proposta apresentada pelo Ministério da Saúde para a regularização dos vínculos de trabalho do agente comunitário de saúde.
Os municípios brasileiros têm até o dia 30 de novembro deste ano para apresentar uma proposta de regularização da contratação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) em todo o país. Caso não cumpram essa determinação, o Ministério Público do Trabalho (MP) ameaça impedir o repasse federal de recursos que garante o pagamento desses profissionais.
O MP entende que, para desprecarizar as relações de trabalho do ACS, ele deve ser contratado por concurso público. O problema é que, pela lei, por concurso não se pode exigir que o candidato tenha residência prévia em determinada região, o que é condição tida até hoje como necessária para a eficiência do Programa de Saúde da Família (PSF). Outra questão relacionada a isso é que, hoje, se decidir mudar de moradia, o ACS é desligado do Programa, pela mesma razão. Mas se virar servidor, esse controle deixa de ser possível. “O ACS deve morar onde trabalha, por isso entendemos que o concurso não é a melhor opção”, opina Luiz Odorico de Andrade, presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems). Um último argumento dos gestores municipais contra o concurso público é que, integrando esse contingente de profissionais à folha de pagamento, eles vão, inevitavelmente, cair na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Para buscar uma solução que não prejudique nem os trabalhadores nem os gestores, o Ministério da Saúde se reuniu com representantes da Confederação Nacional dos Prefeitos, do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), da Associação dos Secretários e Dirigentes Municipais de Saúde (Assedisa) e do Conasems, no dia 2 de setembro. Segundo Jorge Paiva, assessor jurídico da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), desse encontro foi produzido um documento que pede ao Ministério Público que reveja sua decisão, uma vez que o vínculo de trabalho indireto, utilizado por alguns municípios hoje, está previsto no parágrafo único da lei 10.507, que cria a profissão do ACS.
No cenário atual, cada município contrata os ACS de uma forma. Alguns são contratados de modo indireto, com todos os direitos trabalhistas, mas essa não é a regra geral. Além disso, como não existe um padrão de seleção, em muitas cidades a indicação para o cargo de ACS é usada como barganha política.
Para tentar colcoar ordem nessa bagunça, o deputado federal Maurício Rands (PT-PE) criou um projeto de emenda constitucional (PEC) para o Inciso II do artigo 37 da Constituição Federal, determinando que os Agentes Comunitários de Saúde sejam contratados através de um Processo Seletivo Público, cujas regras, diferentemente do concurso, podem ser definidas de acordo com as necessidades do contratante. Com isso, seria possível exigir que o trabalhador morasse na região, mas ele não viraria servidor público, continuaria sendo contratado de forma indireta como, por exemplo, via Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). A Comissão de Constituição e Justiça aprovou um substutivo desse PEC, que troca a proposição do deputado do artigo 37 para o artigo 198, sem alteração de conteúdo.
Mas resta ainda um problema: o que fazer com os trabalhadores que já atuam no sistema? “O Ministério da Saúde tem todo interesse em regularizar os vínculos trabalhistas dos ACS, mas não quer sacrificar aqueles 190 mil que já fazem parte do programa”, afirma Jorge Paiva. Os deputados Walter Pinheiro (PT-BA) e Paulo Rocha (PT-PA) criaram outro PEC, que foi agregado ao primeiro e propõe que os ACS passem a ser contratados por concurso público, mas que aqueles que já trabalham no sistema sejam automaticamente incorporados ao serviço público. Essa proposta, no entanto, não resolve o problema do local de moradia dos ACS que serão contratados daqui pra frente.
Atualmente, os dois PECs estão em tramitação no Congresso Nacional. Na opinião da presidente da Federação Nacional dos ACS, Thereza Ramos, os agentes devem ser admitidos como celetistas, ou seja, pelas regras da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). “Nós concordamos com a proposta do deputado Maurício Rands, mas queremos que da emenda conste a incorporação de todos os trabalhadores que já atuam nos serviços. Para os próximos, ficaria valendo o Processo Seletivo Público”.
Essa polêmica está longe do fim. As diferentes opiniões e propostas apontam uma encruzilhada para o sistema. Por um lado, o Ministério Público entende que um trabalhador permanente do SUS como o ACS deve ser incorporado ao serviço público. Por outro, pelo menos até agora, se isso acontecer, será preciso abrir mão da necessidade de o trabalhador morar na comunidade em que atua, o que é um dos princípios básicos do PSF e exigência da lei que criou a profissão. Segue-se a estratégia do SUS ou prioriza-se o direito do trabalhador? Você tem alguma sugestão?
* Matéria publicada na Revista RET-SUS nº 2, de outubro de 2004
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