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09/05/2011 Versão para impressãoEnviar por email

Educação e trabalho: interação essencial para o SUS

Mesa redonda discute como se dá formação de profissionais em consonância com o trabalho na área de saúde

Mesa redonda discute como se dá formação de profissionais em consonância com o trabalho na área de saúde

Educação e trabalho: interação essencial para o SUS

A mesa redonda ‘Formação técnica profissional de nível médio como cenário em que contracenam a educação e a saúde na perspectiva da qualificação do trabalho e do trabalhador do SUS’, coordenada por Carolina Feitosa, do Centro Formador de Pessoal para Área da Saúde de Osasco, foi composta pela diretora do Departamento de Regulação, Avaliação e Controle da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde (DRA/SAS/MS), Maria do Carmo, pela coordenadora da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde da Secretaria estadual de Saúde do Ceará, Lúcia Arruda, pela diretora técnico-pedagógica do Centro de Formação de Pessoal para os Serviços de Saúde Dr. Manoel da Costa Souza (CEFOPE), Magda Dantas, e pela coordenadora do Observatório dos Técnicos em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Mônica Vieira. As participantes apresentaram enfoques diferentes, baseados em pontos de vista teóricos e práticos para discutir o trabalho e a educação em saúde, dando ênfase ao trabalhador.

Primeira a falar, Maria do Carmo afirmou que enxerga o profissional de nível médio como parte da solução para o sistema de saúde brasileiro. “Todos nós sabemos que em uma unidade básica, em um hospital, em uma unidade de atenção secundária tem um grupo de pessoas que ali atua que é mais perene, que conhece mais o usuário e tem mais contato do dia-a-dia. Quando a gente trabalha alguns atributos para o sistema de saúde, quando se pensa em primeiro contato, em acolhimento, em horizontalidade, longitudinalidade e em vínculo não deixamos de pensar em momento nenhum nos profissionais de nível médio”, disse, exemplificando que é impossível pensar na rede de assistência à mulher sem se preocupar com a falta de técnicos na área de citopatologia.

A coordenadora listou os desafios que rondam o trabalho de nível médio em saúde: insuficiência da oferta em áreas específicas; baixa qualificação; alta rotatividade; multiplicidade de vínculos e deficiência de políticas de valorização, o que abrange condições de trabalho, remuneração, educação permanente e indução ao engajamento dos profissionais nos projetos políticos da instituição. “A gente percebe uma necessidade de capacitação para o SUS localizada no núcleo comum de conteúdos – políticas públicas, políticas sociais, SUS, sistemas locais, vida e trabalho – e nos núcleos específicos – vigilância e promoção da saúde, atenção primária, urgência e emergência, atenção hospitalar, atenção em alta complexidade. No núcleo comum estamos precisando de profissionais que entendam qual é o papel deles como agente político, agente público”, pontuou. 

Para ela, a gestão do trabalho no SUS é um desafio tão importante de ser enfrentado quanto o subfinanciamento do Sistema. “Podemos ter milhões de reais – que as redes vão consumir em quatro anos –, mas se não tivermos uma política vigorosa de investimentos nas pessoas para fazer isso, não vai acontecer”, disse, acrescentando que as necessidades de capacitação para as redes incluem tecnologias duras e leve-duras, como manejo clínico e protocolos em atenção materno-infantil, urgência e emergência, câncer ginecológico, atenção psicossocial, gestão de redes, sistemas e serviços; e tecnologias leves, como postura acolhedora; trabalho em equipe, interdisciplinaridade, projetos terapêuticos individuais como norteadores da relação profissional/usuário e dispositivos de humanização do cuidado.

Para resolver a questão, Maria do Carmo vê como caminhos as decisões políticas, a formulação e gestão do projeto, elaboração de projeto político e pedagógico que oportunize a indução ao engajamento e a politização, a utilização de recursos organizativos e financeiros e instrumentos jurídicos que viabilizem a compatibilização  entre a continuidade da oferta dos serviços e as atividades de educação.

Educação Permanente no Ceará

Já Lúcia Arruda quis compartilhar o modo como o Ceará vem construindo a política estadual de educação permanente em um cenário de iniquidades regionais, não só do Nordeste como dentro do próprio estado. Ela contou um pouco do histórico do trabalho em saúde, baseado no quadrilátero formado por políticas, ensino, sociedade e serviço: “Em 2007, quando iniciamos o trabalho, encontramos uma formatação da gestão de recursos humanos que tinha um olhar basicamente financeiro, inclusive a área de recursos humanos estava dentro de coordenadoria administrativo-financeira. Buscamos colaborar com a gestão estadual no sentido da construção de uma área da gestão do trabalho e da educação na saúde que olhasse para a dimensão do mundo do trabalho, da educação e da valorização do trabalhador”, lembrou.

Segundo Lúcia, a implantação de políticas de educação permanente deve seguir os seguintes passos: identificação da demanda, elaboração do plano estadual de educação permanente, pactuação dos recursos, implementação, monitoramento e avaliação dos cursos. Ela considera que pensar a educação do trabalhador da saúde pressupõe estabelecer um diálogo entre ensino, pesquisa e incorporação de novas tecnologias na área da saúde. “O estado deve colaborar com recursos para o fomento de pesquisa no serviço, o que potencializa a rede estadual como rede escola e propicia que o processo de educação aconteça nos ambientes em toda sua plenitude a partir dessa unidade que compartilha regulação de estágios curriculares, pesquisa no serviço e também a publicização do que é pesquisado”, detalhou, lembrando que, no estado, a revista ‘Pesquisa’ foi lançada para atender a essa demanda.

A divisão do Ceará em de polos de educação foi um primeiro modelo que, posteriormente serviu de base para as Comissões de Integração Ensino-Serviço (CIES) das três macrorregionais em que a saúde do estado se organiza: Fortaleza, Sobral e Cariri. Com a portaria nº 1.996 de 2007, que instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Pneps), o Ceará seguiu um curso natural de ações. “Nós praticamente seguimos a história natural do estado, de tudo que trabalhamos, inovamos e ousamos nas construções anteriores, entendendo que para ter educação permanente não só se faz necessário instituí-la, mas também, fundamentalmente, trazer os atores sociais que estão no processo de construção do SUS para alimentar e construir conosco”, comentou.

Formação no Rio Grande do Norte

A diretora do CEFOPE iniciou sua apresentação resgatando a Constituição Federal de 1988 que garante saúde e educação como direitos de todos os brasileiros, assim como explicita que compete ao sistema de saúde ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde. Ainda em uma linha histórica, Magda lembrou da expansão significativa do setor saúde nas últimas décadas e suas consequências, como a crescente elevação da escolaridade dos trabalhadores da saúde.

Ao falar das várias etapas da etapas da formação profissional no Brasil – Larga Escala, Profae, Pneps e Profaps – Magda afirmou que houve uma mudança da lógica dos treinamentos para a formação técnica. “Essa formação traz a necessidade de criação de uma escola que pense a formação desse trabalhador. Porque não era qualquer escola que daria conta de um trabalhador que já estava no serviço, que tinha baixa escolaridade, mas que precisava de formação para dar respostas para ele mesmo e para a população que estava atendendo. Aí também que nasce a questão de trabalhar currículo e metodologia diferenciados”, relatou.

Ela indica que todas essas políticas têm pontos em comum: promover a qualificação técnica de trabalhadores já inseridos no sistema de saúde, a integração da formação dos trabalhadores com a realidade dos serviços e a transformação de práticas na perspectiva da atenção integral à saúde. Nesse sentido, a Pneps traz dois compromissos: a gestão do trabalho e da educação na saúde. “Você não consegue dar conta da qualificação do trabalhador se pensar só na questão da educação. Tem que pensar e discutir as questões do trabalho”, disse.

E foi depois de muita discussão que a equipe do CEFOPE conseguiu indicar alguns desafios que ainda têm que ser enfrentados pelas ETSUS. “A descentralização das turmas é um dos pontos mais fortes das escolas, mas é um desafio também pela falta de estrutura e a dificuldade de oferecer cursos fora da sede. A formação pedagógica para o exercício da docência; o financiamento e execução dos projetos através de convênio; a elaboração de material didático e a garantia de campos de estágios e práticas nos serviços também são questões preocupantes”, afirmou Magda.

A coordenadora técnico-pedagógica também relatou vitórias recentes da escola, como a aprovação da lei estadual que autoriza o pagamento de hora-aula para servidores públicos. “A lei foi aprovada em dezembro do ano passado e estamos trabalhando na portaria de regulamentação para poder começar a operacionalizar os recursos sem precisar de fundação ou outra figura para pagar os docentes. Além disso, estamos trabalhando na ampliação das parcerias com outras instituições para operacionalização dos projetos da escola, como o departamento de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Hoje, nossos alunos do Técnico em Saúde Bucal fazem sua prática junto com os alunos da graduação”, afirmou, completando que a escola tem assento na CIES, outro ponto positivo.

Outro destaque foi o Programa Complementar de Estudo implantado pelo CEFOPE. “Uma experiência piloto foi feita em 2007 e agora estamos trazendo para todos os planos de curso. Antes de iniciar conteúdo especifico, dedicamos 30 horas para trabalhar questões como leitura, escrita e interpretação de textos com nossos alunos visando facilitar o entendimento do conteúdo do curso”, finalizou.

Pesquisa na área de nível médio em saúde

A coordenadora do Observatório da EPSJV fez um recorte no tema da mesa redonda para tratar da qualificação do trabalho e do trabalhador do SUS. Mônica Vieira explicou que a fala dela era possível em função de alguns estudos, como o livro que ainda vai ser lançado ‘Para além da comunidade’, que aborda a qualificação e o trabalho dos agentes comunitários de saúde; ‘A formação dos trabalhadores técnicos em saúde no Brasil e no Mercosul’ e ‘Na corda bamba de sombrinha, a saúde no fio da história’ em que os últimos capítulos tratam da relação trabalho-educação no SUS.

Os estudos do Observatório mostram que para pensar qualificação do trabalho no SUS é preciso considerar algumas dimensões, como a regulação profissional; a memória da educação profissional em saúde; o mapeamento da formação e inserção profissional; as trajetórias ocupacionais; o processo e relações de trabalho; e a formulação e implementação de políticas públicas de trabalho e educação na saúde. “Estou tratando da qualificação não como um adjetivo, mas como um conceito que vem da sociologia do trabalho. Não partimos, portanto, de uma abordagem das atribuições do cargo, do posto de trabalho do trabalhador técnico, mas sim vai entendê-lo como qualificado ou não em função de uma série de disputas que ultrapassam a formação técnica, que é uma dimensão da qualificação do trabalhador do SUS”, explicou.

Para Mônica, as três dimensões fundamentais para pensar a qualificação do trabalho e do trabalhador do SUS são a dinâmica da formação e inserção profissional em saúde; a constituição do campo de recursos humanos em saúde e as representações do trabalhador sobre seu trabalho.

A pesquisadora apresentou alguns dados sobre o número de profissionais de nível médio no país, de acordo com suas áreas de atuação, assim como a origem de sua formação. “Esse dado é importante porque mostra um decréscimo de 2005 para cá. Naquele ano, cerca de 85% dos cursos de educação profissional em saúde estavam no setor privado. Hoje, esse número caiu para 79%. Esse dado é relevante quando a gente relaciona com os números da inserção desses trabalhadores no setor saúde, que mostra que 45% dos postos de trabalho estão no setor privado. O setor privado está formando profissionais que vão atuar no setor público”, alertou.

Ainda de acordo com ela, ao se analisar a série histórica sobre os postos de trabalho segundo o nível de escolaridade é verificado um aumento gradual dos profissionais técnicos e de nível superior desde 1978. No entanto, entre 1999 e 2002, há um aumento de profissionais com nível elementar. “Isso é marcado pela inserção dos agentes comunitários de saúde. Isso reforça a posição da EPSJV da necessidade de formação técnica desse trabalhador, com vínculos estáveis e sendo considerado como um trabalhador do SUS, o que ainda não ocorre, segundo apuramos nas pesquisas e entrevistas para o livro já citado”.

Mônica destacou ainda a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde em 2003 como um momento importante no campo do trabalho em saúde. Nesse sentido, ela considera que as repercussões foram as seguintes: revisão das estruturas responsáveis pela questão de recursos humanos em saúde ampliando-se o quantitativo de secretarias que reordenaram esses espaços, aproximando-se do desenho da SGTES; alteração, em 2007, da denominação do antigo Grupo de Trabalho de ‘Recursos Humanos e Profissões’, criado em 1994 na Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) para ‘Trabalho e Educação na Saúde’; e o deslocamento da coordenação da Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde (RORHES), criada em 1999 por iniciativa da OPAS, para a SGTES.

Ao falar das representações do trabalhador de nível médio sobre seu próprio trabalho, Mônica chamou a atenção para a questão do vínculo: “Quando falo de vínculo não me refiro somente à precariedade das relações de trabalho. Quando a gente fala do trabalhador de nível médio, mesmo sendo servidores, estáveis, efetivos, esse vínculo pode ser precarizado por conta da forma subalternizada com que esses trabalhadores se inserem no serviço e da dificuldade de alcançar uma identidade e reconhecimento profissional”, encerrou. 

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