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07/07/2011 Versão para impressãoEnviar por email

"Autonomia e autogestão são o nosso futuro"

Euclides Macuxi fala sobre a luta dos povos indígenas pela demarcação das terras e usufruto exclusivo e afirma que o maior desafio hoje é a autogestão

Euclides Macuxi fala sobre a luta dos povos indígenas pela demarcação das terras e usufruto exclusivo e afirma que o maior desafio hoje é a autogestão
 

A ‘Situação dos povos indígenas no Brasil e a luta pela terra’ foi o tema da primeira mesa-redonda do seminário ‘Povos indígenas educação e saúde: a formação profissional do agente indígena de saúde’ na segunda-feira (4). O convidado para debater a questão foi Euclides Macuxi, uma das mais importantes lideranças do movimento indígena. Há três anos no Ministério do Meio Ambiente na coordenação do Programa Demonstrativo para Populações Indígenas (PDPI/MMA), Euclides foi coordenador-geral da maior organização indígena do Brasil – a COIAB (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).

Após a exibição do filme 'Muita terra para pouco Índio?', produzido pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que aborda o processo de demarcação iniciado nos anos 1990, a ligação das terras indígenas com o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental, as invasões a espaços já demarcados e reconhecidos e o tratamento dado pela mídia ao “índio”, Euclides falou sobre sua experiência na luta pela demarcação das terras.


Lutas e demarcação

Para ele, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo paradigma para os povos indígenas. “Nesse contexto, no fim da década de 1980 os povos indígenas, principalmente na região norte, começaram a se organizar através de associações, cujo lema era “Terra demarcada, vida preservada”’.

Euclides citou outro marco – o Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), criado em 1999 no âmbito do programa-piloto para a Conservação das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), resultado de uma reunião do chamado Grupo dos Sete, integrado pela Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido que tinham interesse em intervir no modo como os países subdesenvolvidos lidavam com a questão ambiental.

De acordo com Euclides, o projeto foi pensado sem a participação do movimento indígena. Por isso, ele considera um grande avanço a criação, pelo governo brasileiro, do PDPI. “Fernando Henrique [Cardoso] foi corajoso. O PDPI foi pensado diferente com mais participação”.

Uma grande vitória para o movimento indígena foi a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2005. No entanto, a questão do usufruto exclusivo, ou seja, a retirada de não-índios da reserva, se deu em meio a conflitos, pois um grupo de rizicultores se recusou a sair. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a reserva seria contínua e determinou a saúde dos arrozeiros. “O ministro selou uma nova era entre Estado e povos indígenas, dando um novo horizonte para os povos que querem ser enxergados como humanos”.

Mas depois da demarcação, Euclides questionou: “como ficam os povos?”. Isso porque para ele o principal desafio que se apresenta após a demarcação das terras é a garantia das condições de vida para a população indígena aldeada. “O desafio hoje é a gestão territorial como princípio de autonomia. Na Constituição está garantido que cabe ao governo demarcar as terras, cujo usufruto é dos índios, mas hoje há experiências difíceis”.

As dificuldades rondam a própria Raposa Terra do Sol. “Na Raposa começa a aparecer beribéri [doença provocada pela falta de vitamina B1 no organismo, o que provoca fraqueza muscular e dificuldades respiratórias]. O solo de Roraima é muito pobre para a agricultura”.

Euclides lembra que em 2010 foi discutido o Programa Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGAT). “Penso que o governo tem que apoiar a forma como os índios gerenciam as terras e não ditar as regras”.

No âmbito do PDPI, que apóia, entre outras coisas, o desenvolvimento de atividades econômicas nas terras indígenas, Euclides afirmou que ainda há muito a avançar na questão da formação para gestão. “Dos 60% destinados a atividades econômicas, 61% deram errado”, brincou, explicando: “Os voltados para a produção cultural conseguem andar, mas a sustentabilidade e a economia são um desafio novo, operam em uma nova lógica que não tem relação com a cultura indígena. A produção e venda são realidades novas nas comunidades, mesmo com a valorização dos produtos naturais”.

Ele defende que haja uma política de Estado para a capacitação das lideranças. “Há necessidade de trabalhar com esses novos projetos, mas de maneira qualificada. Ainda não há programa que apóie a autosustentabilidade dos índios”, afirmou, fazendo um paralelo com a formação do AIS: “Na saúde não é diferente. Se o indígena não for qualificado para cuidar do povo dele, nada vai mudar, porque os brancos dificilmente ficam”.


Defesa da terra

Euclides ressaltou que a terra vem antes de tudo para o movimento indígena. “Tudo o mais se discute depois; educação, saúde, desenvolvimento, se não tiver a terra dificilmente se consegue ter um futuro melhor para os nossos povos”. Nesse sentido, a defesa pela terra é de importância capital no âmbito da educação. “São temas que estão sendo trazidos para dentro das escolas indígenas. Aos poucos os jovens vão assimilando a discussão como se fosse responsabilidade deles, entendendo a terra como bem coletivo e não como propriedade; visão que ainda tem dentro das nossas comunidades”.

Euclides disse que a defesa pela terra tem sido feita de formas diferentes pelas várias etnias. “Há regiões que não permitem a entrada de pessoas para venda de objetos. Outras aceitam. Há divergência entre as comunidades sobre regras, na relação do controle do território”.

Ele lembrou que a maior parte das reservas da Amazônia Legal já foi demarcada e, perguntado pela plenária do seminário, avaliou que essa situação pode estar contribuindo para a desmobilização do movimento indígena.

“Houve desmobilização do movimento pelo cenário que foi apresentado para nós. A participação do governo tem contribuído para a desmobilização. A bandeira principal era a demarcação, como a maior parte, principalmente na Amazônia, foi demarcada, houve esvaziamento. O que poderia unir é a gestão territorial”. Para Euclides, hoje há uma rediscussão sobre o movimento indígena, com a inclusão de pautas políticas ambiciosas como a constituição de um Parlamento Indígena da Amazônia, onde todos os povos tenham assento.

Nesse sentido, Euclides acredita que a reação do movimento a obras controversas, como a Usina de Belo Monte, poderia ser mais efetiva. “O governo quando quer fazer faz; Belo Monte vai sair, as estradas estão saindo, são muitas obras. A posição do movimento foi sempre contra a posição do governo. A estrada Venezuela-Brasil saiu. Ou nos antecipamos ou depois não adianta pedir compensação. Outros povos indígenas não vão aparecer, mas alguns podem desaparecer. É preciso garantir o direito às terras que foram demarcadas. Há terras que vão desaparecer”.

Euclides aponta que a sociedade brasileira precisa parar de pensar que o problema das terras indígenas é apenas dos próprios indígenas. “Se a criança na escola vir só o índio da televisão vai continuar pensando desse jeito, sem sentir uma co-responsabilidade na proteção das florestas”.

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