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07/07/2011 Versão para impressãoEnviar por email

RET-SUS no seminário sobre formação do AIS

Experiências de ETSUS são destaque no último dia do evento

Experiências de ETSUS são destaque no último dia do evento

No último dia do seminário ‘Povos indígenas, educação e saúde: a formação profissional do agente indígena de saúde’, o destaque foi para as experiências de formação acumuladas pelas Escolas Técnicas do SUS (ETSUS). A Escola de Saúde Pública de Mato Grosso (ESP-MT) – primeira ETSUS a oferecer curso de formação técnica para populações indígenas –, juntamente com a Escola Técnica de Saúde do SUS de Roraima, a Escola Técnica em Saúde Maria Moreira da Rocha (ETSUS Acre) e a própria Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (ESPJV/Fiocruz) compartilharam entre si e com o público os métodos, histórias e dificuldades envolvidas na formação do AIS. 

Mato Grosso

Viviane Francischini, da ESP-MT, apresentou as ações da instituição, que trabalha desde 1996 com a formação profissional em saúde para indígenas. Esse foi o ano em que começou o Projeto Xamã, desenvolvido em parceria com o Programa do Desenvolvimento do Agronegócio (Prodeagro/PNUD) e teve como resultado a qualificação de 117 auxiliares de enfermagem indígenas de 17 etnias: Paresi, Cinta Larga, Nambikhwara, Rikbtsa, Irantxe, Sabanê, Xavante, Tapirapé, Karajá, Txicão, Kayabi, Juruna, Nafukuá, Kuikuro, Waurá, Bororo e Bakairi.

A partir de 1999, quando foi homologada a Política Nacional de Saúde para as Populações Indígenas, teve início outro curso, dessa vez para a qualificação profissional dos Agentes Indígenas de Saúde. O projeto foi desenvolvido em parceria com a Funasa, com o DSEI Cuiabá, com a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) e com os Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena do DSEI Cuiabá.

“O trabalho teve como norte um termo de cooperação porque era preciso definir o papel das instituições envolvidas”, explicou Viviane. As atribuições da escola eram disponibilizar os profissionais interessados em trabalhar com populações indígenas, a fim de acompanhar, em conjunto com os Dseis, o processo de formação e participar da coordenação pedagógica do curso, incluindo as etapas de planejamento e avaliação dos momentos de concentração e dispersão programados.  

A escola também fez questão de apoiar a Funasa no desenvolvimento do processo de educação continuada dos instrutores e supervisores dos agentes indígenas dos Dseis de Mato Grosso, disponibilizando profissionais para coordenar, avaliar e acompanhar o processo de formação, em consonância com sua proposta pedagógica. “Não interessa para a escola só dar a certificação, até porque este é um processo importante para o próprio crescimento da instituição, que através da troca de conhecimentos com os atores que estão na ponta pode não só para observar o processo, mas fazer parte dele e sair enriquecida”.

Ainda no que diz respeito à capacitação pedagógica dos docentes, Viviane explicou que a escola teve que adotar uma estratégia diferente para dar conta de um problema relacionado aos órgãos que trabalham com populações indígenas. “Precisamos ampliar a capacitação pedagógica, porque há uma rotatividade muito grande de profissionais”.

Além disso, outra dificuldade é a falta de periodicidade das etapas de formação do AIS. “É preciso agilizar os processos porque hoje contamos com a paciências do alunos. Uma turma das etnias Paresi, Bororo, Bakairi , Umutina, Irantxe, Myky , Nambikwara  e Chiquitano começou em 2003 e só foi terminar a formação em 2009. Hoje temos uma turma de 28 alunos das mesmas etnias que começou em 2009 e até agora as etapas não foram concluídas”.

Acre

Vania Lima, da ETSUS Acre, começou apresentando a política indigenista que o estado adota hoje. De acordo com ela, a gestão do governo tem procurado desenvolver junto às comunidades indígenas ações que valorizem e ao mesmo tempo fortaleçam a diversidade e a identidade cultural de cada um dos povos. 

“Nos últimos 30 anos, foram reconhecidas no estado, 35 terras indígenas, destinadas a 15 povos identificados e cerca quatro grupos isolados, totalizando 16.288 indígenas cujas famílias lingüísticas são a Pano, a Aruak e a Arawá. ”, informou. Vania disse ainda que os povos estão divididos em 186 aldeias e que para chegar em algumas delas pode se levar até cinco dias de viagem partindo da capital, Rio Branco.

Vania afirmou que a ETSUS Acre ainda não tem experiência na gestão total do curso de AIS e explicou que a demanda pela formação partiu da Funasa que procurou a escola em busca de uma instituição que certificasse os AIS, que já tinham iniciado o módulo introdutório da formação com seis módulos. “A escola entrou em um embate com a Funasa, porque, para certificar, teria que participar do planejamento e acompanhamento do curso”.

A Funasa, então, apresentou à escola um currículo estruturado por competências, com 1.080 horas no total, sendo 700 de concentração e 380 de dispersão. “Achamos que era uma carga horária muito extensa para um curso não profissionalizante, pois com 1.200 horas o curso poderia ser técnico”. Além disso, Vania lembra que as atividades pedagógicas tinham um caráter prescritivo e limitado, sempre pautadas em longos textos escritos sobre normas.

“Muitos indígenas não são nem alfabetizados, determinadas etnias ainda não dominam o português e, nesses casos, os alunos precisam que o parente traduza tudo para ele. Nossa primeira avaliação, que viria a se confirmar depois, foi de que era difícil para os estudantes absorverem tantos conteúdos dessa forma”.

A ETSUS Acre então mergulhou para conhecer a realidades dos povos nas suas terras. Como resultado, produziu relatórios dos acompanhamentos pedagógicos que concluíram que os conteúdos estavam descontextualizados da realidade indígena; que havia despreparo dos formadores em determinados procedimentos metodológicos; além de falta de iniciativa e pró-atividade para dar dinamismo e compreensão no processo de aprendizagem. Além disso, o material didático usado não tinha ilustrações e era demasiado complexo para o nível de alfabetização dos indígenas; e a infra-estrutura e logística era deficientes.

A escola promoveu então duas oficinas de ouvidoria em Rio Branco e Cruzeiro do Sul, reunindo lideranças indígenas, representantes da Funasa, da Secretaria estadual de Educação, da Universidade Federal do Acre, da Casa do Índio (CASAI) e do Instituo Dom Moacyr. “A oficina sinalizou que deveríamos observar o respeito à diversidade cultural, por exemplo, refletindo sobre como a questão da estética do corpo, da música e das atividades físicas poderiam tornar as aulas mais dinâmicas. Uma ideia foi fazer pausas nas aulas envolvendo brincadeiras peculiares a cada etnia. No conteúdo, deveriam ser priorizadas questões referentes ao meio ambiente, como a proteção dos mananciais de água, o problema do desmatamento e da acomodação do lixo da cidade”.

As lideranças indígenas apontaram para a necessidade de que durante o processo de formação o conhecimento tradicional dos povos não fosse descartado. Também, na sua opinião, era importante que o curso fosse claro sobre o fluxo entre  aldeia, pólo, distrito, CASAI e desse condições para que os AIS identificassem sinais e sintomas de gravidade das doenças.

Além disso, foi pensada uma parceria com a Secretaria de Agricultura e Produção Familiar (Seaprof) para abordar questões como a relação entre água e doenças; alimentação no processo de saúde doença; cultura x alimentação; a valorização das ervas medicinais e a produção de hortas comunitárias e o plantio de sementes.

Também era importante que, no processo, os pajés fossem incluídos como mediadores, que os AIS soubessem primeiros socorros para lidar com acidentes comuns nas aldeias, como cortes pelo uso da motoserra e quedas de árvores e que tudo isso se desse em um currículo transdisciplinar, envolvendo agricultura, educação, sustentabilidade, artesanato, etc.

“Essa nova proposta só está no papel porque o recurso ainda não foi liberado. Estamos pensando em uma carga horária menor e na questão da elevação da escolaridade para, depois, pensar em oferecer o curso técnico de enfermagem, por exemplo, inclusive, atendendo ao anseio das lideranças que reivindicam a formação técnica”.

Roraima

Falando sobre a experiência da ETSUS Roraima, Cleres Alvarenga, iniciou a exposição contando que o estado, onde vivem 40.611 indígenas, tem 471 comunidades das etnias Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Tauperang, Patamona e Wai Wai, 33 polos-base e 460 AIS.

De acordo com ela, as experiências de formação do agente indígena remontam o início da década de 1990, quando a ONG Médicos Sem Fronteiras atuou no estado oferecendo cursos para AIS e microscopistas. Cleres relatou que a formação do AIS também foi realizada pela Diocese de Roraima que convidou a escola, em 2006, para conhecer o trabalho que estava sendo desenvolvido na missão Catrimani.

No entanto, entre essas duas experiências fora do âmbito do estado brasileiro, em 2001, a Funasa começou a formar indígenas do DSEI Yanomami na região de Barcelos e São Gabriel da Cachoeira. Em 2006, a Funasa procurou obter certificação para o curso por meio da ETSUS  o que culminou, em 2008, na assinatura de um termo de cooperação técnica para a formação entre as instituições.  

“Dessa forma, a partir de 2010, a escola participa ativamente de todo o processo de formação do AIS, desde o planejamento, definição do perfil e formação pedagógica dos instrutores, acompanhamento das concentrações e dispersões e avaliação dos resultados”, afirma Cleres, ressaltando que técnicos da escola avaliaram o material didático trabalhado nos módulos e foram para as áreas indígenas acompanhar e validar o processo formativo para, depois, certificar.

A ETSUS, diferente das outras escolas, conseguiu pactuar no âmbito do Profaps recursos para a realização de dois cursos técnicos voltados para indígenas. O curso Técnico em Enfermagem com ênfase na saúde indígena terá 35 vagas para AIS dos Dsei Leste e Yanomami,  com previsão de início para o primeiro semestre de 2012. Já o curso Técnico em Saúde Bucal terá 25 vagas também para AIS de ambos os Dsei, com início previsto para o segundo semestre do ano que vem. “Essa é uma demanda que surgiu dos próprios distritos. Conseguimos muito espaço junto às populações. A ETSUS ,hoje, tem assento nos conselhos distritais Leste e Yanomami”. 

Técnico em AIS

A EPSJV compartilhou a experiência de discussão, pactuação, estruturação e execução do curso Técnico em Agente Comunitário Indígena de Saúde, que surgiu de uma demanda da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (FOIRN) e do Conselho Distrital (DSEI/RN) em 2007 e, hoje, conta com 250 alunos indígenas, espalhados por cinco diferentes polos de formação, definidos de acordo com a situação de moradia e pertencimento étnico, que abarcam três municípios: São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. 

“A partir da avaliação de que as propostas existentes para a formação do AIS não se adequavam à realidade do DSEI, fomos procuramos pela Federação e pelo conselho para formular um curso diferente.  Dessa forma, resolvemos envolver também a EPSJV que é a unidade técnica e científica da Fiocruz com acumulação em formação profissional em saúde”, explicou Sully Sampaio, do Instituo Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz).

Dessa forma, de acordo com Sully, o curso envolveu parcerias amplas: foram acionadas  a Secretaria Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira, a Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Amazonas (Seduc) e a Funasa. Além disso, o curso foi pensando junto com professores e diretores de escolas indígenas em oficinas. A acumulação das discussões levou à realização de uma Assembleia da Associação dos Agentes Indígenas de Saúde do Alto Rio Negro, em 2008, na qual surgiram algumas recomendações.

“A formação deveria permitir ao AIS conhecer e usar a medicina ocidental e a tradicional, e o processo deveria dar ênfase a questões como prevenção de doenças e do alcoolismo e promoção de ambientes saudáveis. Além disso, deveria ser um curso com uma dimensão política, de estímulo às lutas indígenas em parceria com associações indígenas e outros fóruns; que valorizasse a cultura oral e a escrita das línguas maternas,  e viabilizasse a publicação de material educativo em língua indígena, propiciando a aquisição de conhecimentos gerais e específicos da saúde”, contou Ana Lúcia Pontes, professora-pesquisadora da EPSJV e docente do curso.

De acordo com ela, a elaboração do plano de curso, feita pela equipe da Seduc e da Fiocruz, com apoio de representantes da FOIRN e do Dsei, optou por definir um perfil profissional técnico, que reafirmasse os princípios da educação indígena – interculturalidade, bilinguismo, relação dialógica, especificidade e diferença, diversidade cultural – e priorizasse a pesquisa e o trabalho como princípios educativos. “Para contemplar a exigência de que o aluno deveria ter o nível médio completo para se formar técnico, precisamos pensar em uma articulação do curso com o processo de elevação da escolaridade. Dessa forma, o curso de ensino médio é desenvolvido pela Seduc”, explicou Ana Lúcia.

Com 1.440 horas, o curso é oferecido nas modalidades presencial e semi-presencial, tendo como eixos estruturantes a cultura; o território; a informação, educação e  planejamento em saúde; o cuidado; e a política. A formação está dividida em três etapas, a exemplo do itinerário formativo construído para o Técnico em Agente Comunitário de Saúde.  “Nessas etapas, os eixos vão aparecendo e a prática profissional é feita de forma simultânea e não somente ao final do curso. Além disso, ocorre tanto em concentração, com o monitoramento dos professores, quanto em dispersão, com a supervisão realizada nas comunidades”, disse a docente.

Na prática, o futuro técnico em AIS deve realizar o diagnóstico do seu território; analisar as condições de saúde; identificar situações de risco; e planejar e executar um plano de ação em saúde no território. “Trabalhamos, por exemplo, com atividades pedagógicas que preveem o desenho de mapas da comunidade e produção de redações que tenham como tema os processos comuns às comunidades, como a colheita e preparo da mandioca, com foco para as situações de risco presentes”, afirmou Ana.

De acordo com ela, dentre as dificuldades que tem sido encontradas pelo grupo, estão o alto custo na implementação do curso, ampliada pelas dificuldades logísticas de percorrer cinco polos diferentes em um local de difícil acesso como o DSEI Alto Rio Negro. “No entanto, os AIS se sentem valorizados e motivados pelo processo formativo, o que nos mostra que essa e uma experiência que pode ser avaliada e readaptada para outros locais do país”.

Por Maíra Mathias
(Secretaria de Comunicação da RET-SUS)

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