Para acabar com as situações de atrasos de concessão de registros, a comissão mista do Congresso Nacional, destinada a analisar a Medida Provisória 621, que cria o Programa Mais Médicos, aprovou o relatório geral do deputado Rogério Carvalho (PT-SE), deixando de fora as principais reivindicações da categoria médica, como a revalidação do diploma e os direitos trabalhistas para os médicos brasileiros.
O Programa Mais Médicos — em sua segunda etapa de contratação e alocação de profissionais, incluindo os médicos estrangeiros — tem sido alvo de críticas e debates. Um dos pontos polêmicos que permeia essa discussão refere-se à concessão de registro profissional aos médicos formados no exterior. Para acabar com as situações de atrasos de concessão de registros, a comissão mista do Congresso Nacional, destinada a analisar a Medida Provisória 621, que cria o Programa Mais Médicos, aprovou (1º/10) o relatório geral do deputado Rogério Carvalho (PT-SE), deixando de fora as principais reivindicações da categoria médica, como a revalidação do diploma e os direitos trabalhistas para os médicos brasileiros.
O texto, que segue para votação da Câmara dos Deputados e do Senado — até o dia 5 de novembro, para não perder a validade —, estabelece que o registro profissional provisório de médicos estrangeiros passa a ser expedido pelo Ministério da Saúde, mantendo os conselhos regionais de Medicina como responsáveis pela fiscalização do trabalho dos contratados — que só podem atuar na atenção básica e nos postos designados pelo programa. “Os conselhos estavam se negando a registrar os médicos e eles precisando atender à população. Muitos profissionais ficaram sem poder trabalhar diante do impasse imposto por alguns conselhos regionais de Medicina”, justificou Carvalho.
Em entrevista à Revista Veja (1º/10), o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Geraldo Ferreira, observou que a medida é uma “distorção gravíssima do método de registro dos profissionais médicos”. “O que muda é exatamente a facilitação e a entrada de profissionais seguindo regras que podem comprometer a saúde pública e a segurança da população. É claro que essa é uma aberração jurídica e que permite que esses profissionais não tenham a devida averiguação de sua situação e nem a revalidação de seus diplomas para poder exercer a profissão”, disse.
Em fase de contratação
Lançado pelo Governo Federal no dia 8 de julho, o programa tem entre seus objetivos diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o Sistema Único de Saúde (SUS) e reduzir as desigualdades regionais na área da Saúde. São 15.460 vagas médicas para atender, prioritariamente, a 3.511 municípios. Durante a primeira rodada de recrutamento, cadastraram-se 1.096 médicos brasileiros e 282 estrangeiros, para o atendimento de 519 municípios prioritários. Em setembro — segunda rodada do programa —, inscreveram-se outros 3.016 profissionais, dos quais 1.414 médicos formados no Brasil e 1.602 formados no exterior, de 65 nacionalidades diferentes.
De acordo com o Ministério da Saúde (MS), o Brasil tem apenas 1,8 médicos por mil habitantes, o que é considerado baixo em relação aos países desenvolvidos que têm sistema universal de saúde. A meta é alcançar 2,5 médicos para cada mil pessoas — índice similar ao da Inglaterra, que tem 2,7. As estatísticas são ainda piores em determinadas regiões do país, onde a distribuição de médicos é bastante desigual — somente o Norte e o Nordeste concentram 22 estados com números bem abaixo da média nacional.
O programa também prevê investimentos na ordem de R$ 15 bilhões até 2014 em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde. Desses, R$ 2,8 bilhões serão destinados a obras em 16 mil unidades básicas de saúde e para a compra de equipamentos para cinco mil unidades; R$ 3,2 bilhões para obras em 818 hospitais e aquisição de equipamentos para 2,5 mil hospitais; e R$ 1,4 bilhão para obras em 877 unidades de pronto atendimento.
Para conhecer um pouco mais os pontos polêmicos dessa iniciativa, a RET-SUS conversou com o médico sanitarista e professor titular do Departamento de Saúde Coletiva, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Gastão Wagner de Souza Campos, que faz abaixo uma breve análise sobre o Mais Médicos.
Entrevista – Gastão Wagner de Souza Campos
‘Necessitamos de mais residências e de mais médicos’
“Se por um lado há, no âmbito desta iniciativa, propostas que os movimentos sociais avaliam necessárias. Por outro, há, também, medidas que tendem a precarização e não enfrenta entraves, como o subfinanciamento”, observa o médico sanitarista e professor titular do Departamento de Saúde Coletiva, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Gastão Wagner de Souza Campos. Em seu artigo A Saúde, o SUS e o Programa Mais Médicos, publicado no site do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 19/7 (veja aqui), Gastão escreve que o programa “levanta temas que merecem apoio, mas, ao mesmo tempo, traz vários aspectos que não deverão ser apoiados por aqueles interessados no bem-estar dos brasileiros”.
Quais seriam os aspectos positivos desta iniciativa?
O primeiro diz respeito ao reconhecimento de graves problemas no SUS que não serão resolvidos sem a intervenção direta do governo federal. Um desses problemas, que foi admitido publicamente, é a necessidade urgente de milhares de médicos na rede. Em decorrência do debate gerado, os direitos à saúde, à atenção básica e ao próprio SUS também ganharam evidência. O segundo elemento positivo diz respeito ao enfrentamento da questão médica. Há anos as autoridades do SUS evitaram confrontar-se com o corporativismo médico. É preciso enfrentar certa postura primária e sectária de dirigentes médicos.
Quais seriam os pontos negativos?
O principal seria a forma de contrato dos profissionais, que é provisório e através de bolsas, reproduzindo a lógica das contratações precárias. Mais uma vez, projetos bons, como a Estratégia Saúde da Família, adotam formas precárias e inadequadas para lidar com os recursos humanos.
O programa chama atenção para outros problemas?
Com certeza, especialmente para o problema do subfinanciamento, interferindo na expansão da cobertura e na qualidade do atendimento.
Houve forte oposição quanto à contratação de profissionais estrangeiros. As entidades que regulam a profissão defendem o exame Revalida...
O Revalida deve ser aperfeiçoado com prova prática, deveria ser realizado em cogestão entre universidades e ministérios da Educação e da Saúde. Em caso de emergências, por exemplo, o apelo a estrangeiros é bastante válido.
A chegada dos profissionais de saúde cubanos foi alvo de vaias em alguns estados. A mesma hostilidade não foi conferida aos profissionais de outras nacionalidades. A que motivos você atribui isso?
Talvez ao anticomunismo, ou porque o acordo com Cuba seja diferente. Serão quatro mil cubanos e não algumas dezenas.
Uma vez que os médicos do programa vão trabalhar em unidades de atenção básica, podemos afirmar que não implica diretamente necessidade de infraestrutura como cobram as entidades médicas. Esse é um argumento válido?
Trata-se de uma meia verdade e, portanto, de uma meia mentira. Uma equipe de Saúde da Família em uma casa alugada pode resolver muita coisa sim. Mas, poderá atuar melhor com material de enfermagem, vacinas, medicamentos, possibilidade de assegurar transporte e acesso dos usuários a outros níveis da assistência. O Ministério da Saúde verificou que 70% das unidades básicas funcionam em condições precárias e a correção desse problema está emperrada pela baixa capacidade de gestão.
O programa teria como foco o profissional médico? Qual é sua avaliação sobre isso?
O problema da falta de médicos é bastante grave, sem dúvida. Quase metade dos médicos atua no setor privado. No SUS, há 1,9 postos médicos por mil usuários. Já, na Saúde Suplementar, 7,8. Mas, necessitamos de uma política de pessoal ampla, tanto para técnicos quanto universitários. Não tem cabimento cuidar somente dos médicos.
Que avaliação você faz quanto ao incentivo e fomento que se têm dado à formação profissional técnica em Saúde desde a criação do SUS?
Faltaram durante muito tempo ao SUS política e gestão efetivas de pessoal. Acredito que isto se deveu a dois fatores: ao descaso com os trabalhadores pregado pelo neoliberalismo; e à postura equivocada de que a questão de pessoal seria de responsabilidade apenas dos municípios.
Em seu artigo, você é enfático ao afirmar que “não tem cabimento racional estender o curso de medicina para oito anos”. Qual seria a reforma ideal a ser aplicada no Ensino Médico?
As diretrizes curriculares construídas com muito debate, ao longo dos anos noventa, são ótimas. A grande dificuldade é coloca-las em prática, devido ao conservadorismo das faculdades. Eu defendo um ano de residência obrigatória, para todas as profissões, na Atenção Básica.
Você acredita que a proposta do programa de aumentar vagas para a graduação de Medicina pode incentivar a abertura de escolas privadas?
Sim, e eu defendo a expansão do ensino em universidades públicas.
Mais sobre esse debate em Mais médicos ou mais saúde?
Por Jéssica Santos, da Secretaria de Comunicação da RET-SUS
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