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Mais médicos em áreas vulneráveis
Além de fixar profissionais em cidades que não tinham sequer um médico residente, programa prevê a revisão do currículo da formação médica.
Flavia Lima e Ana Paula Evangelista
A dona de casa Romilda Maria da Conceição, 52 anos, entra no consultório da Unidade Básica de Saúde Coqueiros, em Silva Jardim (RJ), para mais um atendimento com a médica cubana Maritza Figueredo Dieguez, contratada pelo Programa Mais Médicos. “Preciso de um encaminhamento para uma transvaginal, uma ultrassonografia e uma mamografia”, dispara a usuária, assim que entra no consultório. Diabética e hipertensa, ela reclama também da glicose alta, diz estar se sentindo mal há alguns dias e que precisa de mais medicamentos. O mal-estar, segundo Romilda, está atribuído a um pedacinho de carne seca que comeu na noite anterior. Em uma cadeira posicionada ao lado da paciente — cena incomum nos consultórios Brasil a fora, mas é assim que Maritza se sente mais a vontade, sem mesa entre ela e seus pacientes —, a médica escuta com atenção as queixas da usuária e pergunta se ela teria seguido algumas orientações que deu na última consulta. “A senhora está fazendo o uso dos medicamentos que lhe indiquei? Está fazendo a dieta e exercícios físicos? E o controle da glicose, fez alguma vez?”, indagou, recebendo respostas negativas para todas as perguntas. Após uma conversa de cerca de 20 minutos, a médica realizou os exames físicos e observou que a paciente, bastante satisfeita com a atenção que recebeu, precisava apenas realizar um exame de mamografia para prevenção do câncer de mama. Ao fim da consulta, Maritza voltou a falar sobre a importância de Romilda seguir uma alimentação saudável, retomar os exercícios físicos e fazer uso regular da insulina.
Esse é o dia a dia da unidade de saúde, após a chegada de profissionais do programa. Segundo a coordenadora da Estratégia de Saúde da Família de Silva Jardim, Kenny de Almeida Gomes, o posto estava sem um médico fixo há cerca de um ano. “A dificuldade que a gente tem de permanência médica em municípios do interior é muito grande”, afirma. Duas médicas cubanas foram contratadas para a unidade de saúde, promovendo a regularidade no atendimento. “Elas têm o perfil de promoção em saúde muito grande, o que chamou bastante atenção e mereceu elogios da população”, observa, revelando que o município conta com 14 unidades básicas de saúde para 22 mil habitantes.
A secretária de Saúde de Silva Jardim, Tereza Cristina Abrahão Fernandes, revela que a contratação das duas médicas encontrou justificativa em um estudo epidemiológico, realizado em 2013, ao assumir a gestão, que demonstrou qual era a demanda de atendimento do município. “O resultado foi de que havia uma grande carência de acesso nos bairros da Cidade Nova e Nossa Senhora da Lapa, ambos atendidos pela unidade de Coqueiros”, conta.
Tereza lembra que as médicas cubanas se adaptaram bem à rotina da cidade e a população, ao atendimento ofertado pelas profissionais, pautado no cuidado integral e humanizado. “O tratamento dessas profissionais é diferenciado. Podemos observar isso até mesmo pelo posicionamento das cadeiras no consultório, o modo de recepcionar o paciente, pois elas ficam na porta — e não sentadas na sala —, fazem a visita domiciliar e o acompanhamento completo do usuário”, relata. Segundo a secretária, o número de encaminhamentos aos serviços de média complexidade desses profissionais é pequeno, pois as médicas defendem que o paciente é da região de saúde que atendem e, consequentemente, é na região que deve ser atendido. “O nosso município está abaixo da linha da pobreza, tem o menor IDH da região metropolitana. A base da nossa economia é a agricultura. Somente, agora, que a Prefeitura, nossa maior fonte pagadora, está fazendo um movimento para investir no turismo. E a saúde está ligada a todos os fatores sociais, por isso temos que investir na atenção básica”, destaca, anunciando que já solicitou ao Ministério da Saúde mais dois médicos do programa.
Oportunidade
Especialista em Clínica Médica, Maritza tem 26 anos de profissão. Ao tomar conhecimento de que o Brasil estava selecionando médicos estrangeiros para trabalhar em áreas isoladas do país, acreditou que seria uma ótima oportunidade. “É uma experiência boa, que não tem no meu país. Para mim, o Brasil está no caminho certo”, elogia a médica que fez curso de português em Cuba e, ao chegar ao Brasil, teve mais aulas do idioma. “Muitas coisas dá para entender. Outras não, pois, em geral, os pacientes da zona rural falam muito rápido. Mas, apesar da barreira linguística, fui muito bem recebida pelos moradores”, conta, revelando que, por saberem que ela é estrangeira, buscam falar mais devagar. “Além disso, tenho a ajuda dos agentes comunitários de saúde. Nós fazemos reunião de equipe, discutimos os casos, realizamos visitas às famílias. Enfim, trabalhamos em conjunto para atender 400 pessoas que se consultam no posto”, ressalta a médica, sem poupar elogios à equipe.
A usuária Romilda recorda que, na primeira consulta, foi muito difícil entender a médica cubana. “Ela falava e eu dizia para mim mesma ‘não estou entendendo nada’. Aí tive que pedir ajuda a um agente comunitário de saúde. Mas agora nos entendemos muito bem, nos acostumamos uma com a outra”, disse às gargalhadas, prometendo à médica que passaria a tomar os remédios receitados com regularidade e voltar a praticar exercícios. “Vou dar 20 voltas ao redor da casa, de manhã e à noite”, garantiu. “Depois que a médica chegou, recebemos atendimento adequado e até a diabete ficou controlada”, acrescentou.
Superação
Lançado pela presidente Dilma Rousseff em 8 de julho de 2013, o Mais Médicos tem como principal objetivo levar médicos para regiões com dificuldades de atrair esses profissionais, além de exigir que os estudantes de medicina, como parte da sua formação, passem a trabalhar dois anos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O programa tem dois eixos: o primeiro é fixar médicos — brasileiros ou estrangeiros — na rede pública de saúde de municípios do interior e nas periferias das grandes cidades; o segundo, ampliar o curso de medicina em dois anos. “O programa foi lançado em um contexto de escassez de médicos e dificuldade de acesso da população a esse profissional”, recorda o coordenador nacional do Programa Mais Médicos, Felipe Proenço, que é médico de família e comunidade e professor da Universidade Federal da Paraíba. “Reconhecemos a importância do trabalho multiprofissional na Atenção Básica, pois ele garante o cuidado”, disse, referindo-se não somente ao profissional médico como a todos os outros que fazem parte da equipe da Atenção Básica e da Saúde da Família, como o técnico em enfermagem, os profissionais de Saúde Bucal e os agentes comunitários de saúde. “Antes do lançamento do programa, havia um grande número de equipes com todos esses profissionais, menos o médico”, recorda.
Proenço destaca que cerca de 700 municípios do país não tinham sequer um médico residindo no local. O programa encontra justificativa, ainda, em alguns levantamentos, como o do Ministério do Trabalho (MT). Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do MT, nos últimos dez anos foram criados 50 mil postos de primeiro emprego a mais que o número de profissionais médicos graduados nos cursos de Medicina. Ou seja, foram 143 mil postos contra 93 mil formados. Somando-se a isso, o Ministério da Saúde pretende abrir, ainda neste ano, mais 35.073 postos de trabalho para médicos só com a construção de unidades básicas de Saúde (UBS) e de Pronto Atendimento (UPA).
O foco do Mais Médicos são os municípios que têm 20% de população em extrema pobreza e índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo ou muito baixo, bem como as regiões de alta vulnerabilidade de capitais e regiões metropolitanas e as áreas de atuação dos distritos Sanitário Especial Indígena. Além deles, os municípios que participam do Programa de Valorização Profissional da Atenção Básica (Provab), cujo objetivo é, também, fazer frente à escassez de médicos, oferecendo incentivos aos médicos, enfermeiros e cirurgiões dentistas que optarem por atuar nas equipes de saúde da família e outras estratégias de organização da atenção básica, contemplando também equipes que desenvolvem a atenção à saúde das populações ribeirinhas, quilombolas, assentadas e indígenas. “Apesar de o Provab tentar minimizar o problema da escassez de médicos em regiões vulneráveis, foi o Mais Médicos que conseguiu levar esse profissional para onde não tinham sequer um médico residindo no local”, afirma Proenço.
Os avanços são inquestionáveis, observa o coordenador do programa. “Nós tínhamos uma relação de 1,8 médicos a cada mil habitantes, enquanto que países vizinhos, como Argentina e Uruguai, têm média de 3,2 e 3,7, respectivamente, a cada mil habitantes”, compara. Além da falta de profissionais, observava-se uma distribuição bastante desigual: 22 estados tinham um número de médicos abaixo da média nacional e cinco deles, menos de um médico por mil habitantes — Acre (0,94), Amapá (0,76), Maranhão (0,58), Pará (0,77) e Piauí (0,92). Mesmo em estados com maior relação de médicos por habitantes, como é o caso de São Paulo (2,49), havia regiões com relação muito menor como, por exemplo, Registro (0,75), Araçatuba (1,33) e Franca (1,43). A médica nacional, segundo Proenço, já não é mais essa, pois além de novos profissionais graduados no Brasil, o Mais Médicos já contratou mais de 13 mil médicos com registro de outros países, permitindo atender a uma população de 50 milhões de habitantes. O objetivo do governo federal é chegar, em 2015, a um total de 18.247 médicos atuando em mais de quatro mil municípios. Com isso, 63 milhões de brasileiros passam a ter o atendimento médico garantido. “O objetivo é sair dos 1,8 médicos para 2,7 médicos para cada mil habitantes, que é o parâmetro, por exemplo, do Reino Unido”, revela Proenço.
Críticas superadas
Apesar do cenário, o programa foi alvo de muitas críticas por parte das entidades médicas, especialmente dos conselhos regionais (CRMs) e Federal (CFM) de Medicina no que se referiu à contratação de médicos estrangeiros. Em nota divulgada em setembro de 2014, sob o título Balanço do Mais Médicos, as entidades mantiveram posições críticas em relação à ausência de validação de diplomas dos intercambistas pelo Revalida [Exame Nacional de Revalidação de Diplomas] — prova criada pelos ministérios da Educação e da Saúde para simplificar o processo de reconhecimento de diplomas de medicina emitidos por instituições de ensino estrangeiras — e à falta de transparência sobre os locais de trabalho dos intercambistas e de acesso à relação de tutores e supervisores. Além desses pontos, questionaram a inércia do governo federal em não propor uma solução definitiva para a melhoria da assistência em todo o país, com ênfase nas áreas de difícil provimento e no reforço da atenção básica. Para os conselhos, escreveram, a saída seria a criação de uma carreira de Estado voltada para o médico que atua no SUS, oferecendo-lhe estímulo para se instalar e permanecer nas áreas de baixa cobertura, com condições de trabalho e atendimento, acesso à educação continuada, perspectivas de progressão funcional, apoio de equipe multiprofissional e remuneração adequada.
Em outra nota, publicada em março de 2015, o CFM escreveu que se tratava de iniciativa com evidente intenção política, visando o êxito eleitoral em curto prazo e em detrimento de legítimos e relevantes interesses sociais. Proenço observa, porém, que algumas dessas críticas já estão superadas. “Nós não tínhamos um consenso sobre a quantidade de médicos que são necessários para o Brasil. Mais recentemente, as próprias entidades médicas têm concordado com o Ministério da Saúde que faltam médicos em muitas regiões brasileiras”, frisa. Quanto ao fato de o programa ter optado por médicos estrangeiros, especialmente os de Cuba, ele explica que isso se deu em vista de uma não adesão inicial de médicos brasileiros para preencher o total de vagas ofertadas, levando o governo federal a firmar um acordo internacional com base na Lei 12.871/2013, aprovada pelo Congresso Nacional, criando o programa, que garantiu que para execução das ações previstas na lei, os ministérios da Educação e da Saúde poderiam firmar acordos e outros instrumentos de cooperação com organismos internacionais.
Em março de 2015, em resposta às críticas quanto à contratação de médicos cubanos, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, explicou que o acordo de cooperação com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), para a contratação de médicos estrangeiros, se deu após uma busca por parceiros internacionais na Assembleia Anual da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde ter realizado reuniões com representantes de Portugal, Espanha e Argentina, além de missões para divulgação do Mais Médicos nesses países. “Nenhum dos países teve condições de firmar um acordo com o governo brasileiro. Cuba tem 6,9 médicos por mil habitantes, um dos maiores índices do mundo, além de vasta experiência em convênios de provimento profissional, com profissionais de saúde presentes em 63 países”, justificou Chioro.
Para Proenço, o debate ficou, infelizmente, focalizado nas ações de provimento de profissionais, sendo que esta é apenas uma das três dimensões do programa. “Existe essa dimensão, que é mais emergencial. Mas há, também, a questão da infraestrutura, com investimentos para construir, reformar e/ou ampliar as 27 mil unidades básicas de saúde que estão nesse processo — das quais cerca de 1/3 já foram entregues — e a dimensão da formação, que aponta claramente para uma ação em longo prazo”, cita.
Nesse último caso, serão necessárias 11 mil novas vagas de graduação em Medicina até 2017 e 12 mil vagas de residência médica até 2018. “Em 2015 foi o primeiro ano que passamos a ter mais vagas de graduação no interior do país do que nas capitais. O curso de medicina está chegando a regiões que antes não contavam com essa oferta de formação”, comemora, afirmando ser uma boa resposta ao problema da falta de profissionais e da fixação de médicos em regiões remotas.
Quanto às criticas que envolveram a qualidade profissional, já que aos médicos do programa não é exigido o Revalida, Proença lembra que eles são avaliados pelo Ministério da Educação (MEC) tanto do ponto de vista da comunicação médica em língua portuguesa quanto em relação aos protocolos da Atenção Básica, onde estão autorizados a atuar — diferentemente de quem é submetido ao Revalida, os médicos contratados pelo programa não podem atuar nos hospitais, mas somente nas unidades básicas de saúde e postos da Estratégia Saúde da Família. “Esses profissionais já são provenientes de países onde a sua atuação já é reconhecida, passam por um processo de avaliação, organizado pelo MEC, além de serem avaliados, periodicamente, pelas universidades e instituições públicas, que são responsáveis pela supervisão e tutoria desses processos”, pontua.
Ele destaca que países como Canadá, Reino Unido e Austrália, que têm sistemas universais de saúde, não têm somente uma forma de ingresso por um exame específico. Até mesmo países que não têm sistemas públicos de saúde, como os Estados Unidos, têm diferentes formas de recrutamento de profissionais estrangeiros. “Mas o Brasil insistiu apenas em um único modelo, ainda que seja eficaz”, critica.
Ele defende, também, a sustentabilidade do programa, em resposta à crítica de não se propor uma solução definitiva para o problema da fixação de médicos. “É perfeitamente possível, tendo em vista que são parâmetros e diretrizes que estão colocadas na Lei do Mais Médicos [nº 12.871, de 22 de outubro de 2013], que passou por um amplo debate no Congresso Nacional e teve uma importante aprovação em um contexto permeado por uma série de questionamentos”, recorda. Segundo Proenço, quando a lei foi aprovada no Congresso Nacional, os profissionais tinham recém chegado e, naquela época, havia menos de 20% dos profissionais que atuam hoje. “O retorno positivo que estamos tendo dos municípios, dos gestores e da população comprova a sustentabilidade do programa”, afirma.
A medida possibilitou, ainda, pensar novas diretrizes curriculares para os cursos de medicina, com foco na Residência de Medicina de Família. Segundo a Lei 12.871, para a consecução dos objetivos do Mais Médicos, é necessário a reordenação da oferta de cursos de medicina e de vagas para residência médica, priorizando regiões de saúde com menor relação de vagas e médicos por habitante e com estrutura de serviços de saúde em condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade para os alunos, estabelecer novos parâmetros para a formação médica no país e, nas regiões prioritárias do SUS, promover o aperfeiçoamento de médicos na área da atenção básica em saúde, mediante integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio internacional. “Essa é a oportunidade de provocar uma mudança definitiva e duradoura na formação médica do país”, constata Proenço, informando que foi estabelecido o prazo de seis meses para a revisão das diretrizes curriculares do curso de medicina. “Pela primeira vez, a necessidade de cumprir as diretrizes curriculares passou a constar em lei, pois antes era apenas uma determinação do Conselho Nacional de Educação”, destaca.
Integração ensino-serviço
Coordenador-geral de Ações Técnicas em Educação na Saúde, do Departamento de Gestão da Educação na Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (Deges/Sgtes/MS) e da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS), Aldiney José Doreto observa que o Mais Médicos permite o compartilhamento de práticas na atenção básica e o fortalecimento das equipes multiprofissionais. “A experiência de médicos que vêm de outros países acaba sendo transmitida de alguma forma para o profissional de nível médio, ainda que a maioria tenha uma formação bem sólida na atenção básica”, avalia. Ele cita como exemplo, nesse contexto, o técnico em enfermagem formado pelas escolas da Rede. “Esse profissional faz praticamente 80% da sua parte prática na atenção básica”, revela.
Doreto informa que a RET-SUS não conta com nenhuma ação formativa que envolva o programa, mas que alguns alunos de escolas da Rede, em período de estágio, estão em contato com os novos médicos contratados e foram muito bem recebidos por eles. “Além de terem uma percepção muito boa sobre a importância da atenção básica, esses médicos já reconhecem o papel da Rede como formadora de profissionais do SUS”, esclarece.
Para Doreto, o programa representa um avanço da atenção básica, pois preconiza uma prática exitosa e recorrente das escolas da Rede. Ou seja, entre os objetivos destaca-se o fortalecimento da política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos médicos. “Quando planejamos um programa de formação de profissionais de nível médio, prevemos essa interação entre unidades e escola”, ressalta.
Diretor de Desenvolvimento da Educação em Saúde do Ministério da Educação (MEC) e representante da Comissão Nacional de Residência Médica, Vinícius Ximenes Muricy da Rocha observa que o Mais Médicos representou uma resposta concreta às reivindicações da população por melhorias na saúde. “Ele já beneficiou mais de 50 milhões de brasileiros que não tinham acesso ao atendimento médico e ampliou o escopo de ações das equipes de saúde que estavam incompletas”, reforça.
Para Rocha, o programa reafirma o papel ordenador do SUS na formação dos profissionais de saúde e o papel social da educação superior de formar profissionais com foco na necessidade da sociedade. Ele explica que o programa acabou, também, contribuindo para o fortalecimento da relação entre o Ministério da Saúde (MS) e o MEC. “Não é de hoje que esses dois ministérios, que nasceram juntos e, posteriormente, se separam, desenvolvem parcerias importantes na construção de políticas das práticas de integração entre o ensino e o serviço para a formação de trabalhadores da Saúde”, destaca. Ao MEC, diz, coube promover a discussão das novas diretrizes curriculares, a mudança na graduação da área de saúde e o contato direto com as instituições de educação superior.
Segundo o diretor, um dos objetivos do programa é aprimorar a formação médica no país e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação. Instituída no âmbito do programa, a Política Nacional de Expansão das Escolas Médicas das Instituições Federais de Educação Superior (Portaria Normativa nº 15, de 22 de julho de 2013) tem como objetivos a criação de novos cursos de graduação em medicina e o aumento de vagas nos cursos de graduação em medicina atualmente existentes.
Rocha enumera as diretrizes estabelecidas pelo MEC, orientando o plano de expansão do ensino médico: expandir para diminuir as disparidades regionais, priorizando a implantação de novos cursos em campus interiorizados; estender com qualidade, adotando estratégias educacionais com base em novos paradigmas; adotar os princípios orientadores informados pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais [Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014] para a formulação do projeto pedagógico e estruturação curricular dos novos cursos; e acompanhar a implantação de novos cursos por meio de indicadores de qualidade para monitoramento e avaliação informados a partir de visitas realizadas por comissão de docentes especialistas em educação médica, nomeada pelo MEC.
A implantação de novos cursos e o aumento de vagas em cursos existentes, seguem os critérios de prioridade em campus interiorizados, regiões onde há menor relação número de médicos por mil habitantes — em especial as regiões Norte e Nordeste —, além das condições da rede de saúde instalada no município ou entorno, como garantia de oferta de cenários de prática para integração ensino-serviço no processo formativo, e potencial de instalação ou de ampliação de programas de Residência Médica de apoio ao curso. Segundo Rocha, com base nessas diretrizes, a partir de 2013, foram criadas 1.162 novas vagas em cursos de graduação em Medicina de universidades federais, priorizando as cidades do interior e a região Nordeste.
Mais vagas
Rocha esclarece que, em 2013, o Brasil tinha 18.212 vagas em cursos de medicina, entre instituições públicas e privadas. “No ritmo que estávamos, antes do programa, somente atingiríamos a média de 2,7 médicos a cada mil habitantes no ano de 2035”, afirma. De acordo com o diretor do MEC, até março de 2015, já foram autorizadas 1.343 novas vagas de graduação em Medicina em universidades federais, entre criação de novos cursos e aumento de vagas em cursos existentes, e 3.203 vagas em cursos novos, além do aumento e reativação de vagas em instituições privadas.
Ele explica que a expansão de vagas de graduação em Medicina em instituições privadas de ensino superior segue uma nova sistemática, com base na Lei 12.871. “Ela acontece por meio de chamamento público em duas etapas e segue a metodologia de seleção regulamentada”, informa. Segundo Rocha, em 2014, foram selecionados 49 municípios aptos a receber novo curso de medicina privado. Além disso, um segundo edital publicado em abril deste ano pré-selecionou 22 municípios. Nessa etapa, revela, os municípios são submetidos a uma avaliação realizada por uma comissão de especialistas em educação médica para verificação das condições de receber o curso. “Na etapa seguinte, serão chamadas as instituições de ensino privadas interessadas em implantar curso de medicina nos municípios que atenderem aos critérios estabelecidos”, anuncia.
Rocha lembra, ainda, que as decisões sobre a adesão de médicos interessados em participar do programa foram discutidas de forma coletiva nas reuniões dos colegiados e comitês de gestão do Mais Médicos, seguindo os marcos regulatórios previstos em lei. “Esses profissionais já reconhecem seu papel como sujeitos sociais fundamentais para o avanço e o fortalecimento do SUS”, observa.
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Reconhecimento revelado em pesquisa
A satisfação dos usuários atendidos pelos profissionais do programa, bem como dos profissionais médicos, foi conferida em levantamento feito pela Universidade Federal de Minas Gerais em parceria com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), a pedido do Ministério da Saúde. Segundo a pesquisa, o grau de satisfação dos usuários atendidos pelo programa, realizada em 200 cidades com quatro mil pessoas, demonstrou que 95% dos usuários estão satisfeitos ou muito satisfeitos com o programa. Segundo o coordenador do programa, Felipe Proenço, a maioria atribuiu uma nota de 8 a 10 para o programa. “Isso demonstra que algumas dúvidas sobre a qualidade dos profissionais que atuariam no programa que existiam no início, motivadas pelo calor do debate, foram superadas”, avalia.
Um segundo levantamento — realizado com 391 profissionais do programa, nas cinco regiões do país, em novembro de 2014 — atenta, ainda, que 90% dos profissionais com registro no Brasil responderam que indicariam a participação para outros médicos. A avaliação dos entrevistados reforça os resultados obtidos com as inscrições para o edital deste ano. Nas três primeiras chamadas do Mais Médicos em 2015, 92% das vagas ofertadas em todo o país já foram preenchidas por profissionais com registro no Brasil. “Tivemos uma grata surpresa de inscrição recorde de brasileiros no programa, foram 15.747 com CRM brasileiro”, destaca Proenço.
Além do elevado potencial de recomendação, a maioria dos médicos brasileiros entrevistados (93%) afirmou estar satisfeito ou muito satisfeito com a participação no programa. O contentamento com a supervisão também foi alto. Os médicos deram, em média, nota 9,3 para seu relacionamento com o supervisor. Essa constatação encontra respaldo no aumento do número de candidatos com diplomas do Brasil interessados em atuar no programa. Das 4.146 oportunidades disponíveis em 1.294 municípios e 12 distritos sanitários especiais indígenas (Dsei), 3.830 já foram ocupadas por médicos com CRM brasileiro.
Dos médicos em atividade, 3.155 médicos são das duas primeiras chamadas e chegaram às cidades em março. Os outros 675 foram alocados na terceira seleção e se apresentaram no início do mês de abril. Eles atuarão em 402 municípios. Vale destacar que o Nordeste foi a região que mais atraiu profissionais: das 1.799 oportunidades ofertadas, 1.726 (95%) vagas já foram ocupadas. O Sudeste conseguiu ocupar 975 (95%) das 1.022 vagas disponíveis, seguido do Centro-Oeste, que preencheu 370 (93%) das 396 oportunidades, do Sul, que atraiu médicos para 476 (91%) vagas das 520 disponíveis, e do Norte, que ocupou 283 (69%) vagas das 409 oportunidades. Os distritos indígenas já ocuparam 13 (37%) das 35 vagas ofertadas aos médicos. Dentre os estados, 20 já preencheram mais de 90% das vagas e três deles (Amapá, Distrito Federal e Sergipe), o total. O Amazonas foi o estado com menor percentual de ocupação por candidatos CRM Brasil (60%).
A previsão é que a cada trimestre o Ministério da Saúde lance novas chamadas para os postos em aberto. As seleções contemplarão as vagas referentes aos médicos que desistirem nas etapas anteriores e as cidades que não conseguirem aderir ao programa pela ausência de capacidade instalada. Até o momento, nove municípios abdicaram de 30 vagas.
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