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09/06/2016 Versão para impressãoEnviar por email

Desafios da reforma psiquiátrica

Psiquiatra e pesquisador do campo da saúde mental, o italiano Ernesto Venturini mostrou-se contrário ao modelo hospitalocêntrico e defendeu os Centros de Atenção Psicossocial como lugares capazes de abrigar as crises.

O grande debate Política de Saúde Mental: desafios atuais da reforma psiquiátrica, compondo a programação do 5º Congresso Brasileiro de Saúde Mental, promovido pela Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), de 26 a 28 de maio, se destacou pelas críticas feitas pelo psiquiatra e pesquisador italiano Ernesto Venturini acerca do modelo hospitalocêntrico. “A pessoa que sofre é confiada aos hospitais, hospícios, clínicas e, até mesmo, às comunidades terapêuticas. A saúde torna-se cada vez mais uma mercadoria, e os usuários de saúde mental são compradores de serviços”, caracterizou. Ele defendeu os centros de atenção psicossocial como lugares capazes de abrigar as crises. “O serviço de saúde tem que ser baseado no trabalho cidadão, pois a prática de cuidado afeta todos nós”, orientou.

Sérgio Pinho, um dos fundadores da Associação Metamorfose Ambulante de Usuários e Familiares do Serviço de Saúde Mental (Amea), na Bahia, apresentou a perspectiva de um usuário ainda em tratamento, porém recuperado e incluído na sociedade. Atualmente, Pinho - um ex-usuário de drogas - exerce a função de redutor de danos do projeto Ponto de Cidadania, em Salvador (BA), registrando ter participado de mais de 16 mil atendimentos, entre 2014 e 2015, de pessoas em situação de vulnerabilidade social, especialmente de usuários de crack e outras drogas. Realizado em contêineres, o projeto conta com equipes compostas por psicólogo, enfermeiro, assistente social, pedagogo, técnico de enfermagem e redutor de danos, todos responsáveis por prestar atendimento e repassar orientações que minimizem as dificuldades enfrentadas pelos moradores em situação de rua - parte deles, inclusive, já foi ou ainda é usuária de substâncias psicoativas, como o crack.

Através de linguagem poética, Pinho observou que o desafio da reforma psiquiátrica é encarar o sujeito “doido” como sujeito. “Aí vem a luta antimanicomial falar da autonomia do sujeito doido. Ver o sujeito em sua subjetividade, a luta quer sustentar isso. Todos nós precisamos de cuidados, mas essa cura só vem quando o sujeito aprende a cuidar de si mesmo”, recitou. Ele revelou que, se estivesse preso em um manicômio e dopado de remédios, jamais estaria em uma mesa contribuindo com um evento tão importante.

Futuro obscuro

“Hoje é difícil apontar qualquer perspectiva, uma vez que temos um governo golpista, que representa retrocesso e recuo aos projetos de cultura”, avaliou Paulo Amarante, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e presidente de honra da Abrasme.  Para ele, isso se deve, por exemplo, ao deslocamento do Ministério da Cultura para a Educação - medida tomada pelo governo Temer que, após pressão social, reativou o Ministério da Cultura -, e à extinção do Mistério da Mulher e dos Direitos Humanos, reafirmado o grande retrocesso imposto às políticas sociais públicas ligadas a trabalho, moradia, saúde e educação. “Estamos vivendo um ataque e a primeira fala da nova gestão é de querer reduzir o SUS. Mas isso não é de agora", disse, referindo- se à declaração do ministro da saúde interino, Ricardo Barros, de que a população não cabe no SUS. Segundo Amarante, além disso, o setor privado já vem, há tempos, formando profissionais para o SUS sob a lógica do capital, por meio de instituições filantrópicas. 

Para o pesquisador e militante da luta antimanicomial, não há dúvidas que, diante desse contexto, as políticas de saúde mental estão ameaçadas, uma vez que essas políticas têm, no Brasil, uma trajetória de lutas que vem da mesma atmosfera dos movimentos contra a ditadura e pela redemocratização do país. "Trata-se de uma história impregnada pela participação dos movimentos sociais, ligada às reivindicações por um serviço de saúde universal, que atendesse a todos os brasileiros", caracterizou. 

Amarante ainda fez críticas à privatização do SUS e à contratação de profissionais por meio de organizações sociais (OSs). “A privatização e a precarização do trabalho fazem com que os trabalhadores percam a concepção de trabalho em saúde, de solidariedade, além do vínculo com a comunidade, tornando-se apenas produtores de números, gráficos e estatísticas”, denunciou. 

 

Por Ana Paula Evangelista, da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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