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09/05/2011 Versão para impressãoEnviar por email

Articulação entre trabalho e educação na saúde

Tema foi abordado por Maria Auxiliadora Chistófaro na terceira conferência do primeiro dia do Seminário Nacional do Profaps

Tema foi abordado por Maria Auxiliadora Chistófaro na terceira conferência do primeiro dia do Seminário Nacional do Profaps

Articulação entre trabalho e educação na saúde

A ‘Interação dos processos de trabalho de saúde e de educação: desafios para a ordenação da formação de profissionais de saúde’ foi o tema da terceira conferência do Seminário Nacional do Profaps no dia 27 de abril. Maria Auxiliadora Chistófaro - também conhecida como Dora -, professora aposentada da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais e consultora do Departamento de Gestão da Educação na Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (Deges/SGTES), começou sua exposição lembrando sobre a relação histórica entre a educação e o trabalho. 

“Não dá para falar de trabalho e educação sem lembrar que há uma relação histórica. Nós não estamos inventando a roda. Existem e existiram diferentes configurações, problemáticas e impasses, todos grandes, complexos e estruturantes”, disse, lembrando que, na época da escravidão, o trabalho era visto como uma espécie de sacrifício feita por uma camada da sociedade para que a outra pudesse se dedicar às atividades ligadas ao letramento. “Existia alguma aproximação entre ambos porque aqueles que trabalhavam serviam aos letrados”.

Depois, Dora lembrou que vigora uma relação em que o processo educativo e o trabalho apontam para direções diferentes. “Mas, mesmo sem se olhar, suas fronteiras são muito próximas”. Com o ascenso das relações capitalistas, ela considera que os campos do trabalho e da educação passam a se enfrentar. “A educação e o trabalho se enfrentam, se colocam frente a frente, se digladiam e um diz que o outro é ineficiente”.

A professora-aposentada lembrou que, para quem é da área da saúde, é muito comum ouvir que na escola ensina conteúdos inúteis para a ação no trabalho. “Daí a brincadeira perversa de dizer que “quem sabe faz, quem não sabe ensina”, porque a gente achava que o que aprendia na escola não se aplicava no trabalho e o que se fazia no trabalho a escola não cuidava”.

Na opinião de Maria Auxiliadora, nenhuma das fases está completamente superada e é por isso que unir trabalho e educação como elementos sociais que se articulam sem perder suas especificidades é um grande desafio para o SUS. “Precisamos lembrar que mesmo quando falamos que o Sistema Único de Saúde tem que ser uma escola, a unidade de prestação de serviço não terá a mesma dinâmica da escola e a escola jamais poderá ter a dinâmica de uma unidade prestadora de serviço”, afirmou, completando: “Mas eles têm fronteiras e articulações absolutamente necessárias, importantes e, mais do que isso, não só fundamentais, como essenciais. O que é essencial? Cumprir os princípios da Constituição. O que é fundamental? Integrar educação e trabalho para que a gente chegue à essencialidade do que a gente pretende com o Sistema Único. Do ponto de vista da Política Nacional de Educação e da ampliação da qualidade do acesso de qualidade do SUS o nosso desafio, o nosso propósito a nossa vontade é fazer essa articulação”.    

Processo educativo e de prestação de serviços à saúde: dois serviços e uma relação (im) possível?

Com essa pergunta, Dora abriu a segunda parte da conferência, na qual tratou sobre as possibilidades de articulação entre o processo educativo e de prestação de serviço em saúde. Para ela, antes de mais nada, é preciso lembrar que o processo educativo é um processo social. “É verdade, a educação ocorre através das mais distintas formas, quando você come feijoada, em um seminário como esse, na família, nos partidos políticos. Não está circunscrito à escola”. No entanto, ela considera importante delimitar o campo de atuação da política de articulação do processo de trabalho e da educação: “Estamos limitados ao que é responsabilidade da escola enquanto política do Deges. Nós não estamos tratando da educação para a saúde que se dá no seio da família, das demais instituições, dos clubes, do esporte, da arte, da universidade, nem tampouco do partido político”.

De acordo com ela, é preciso ter cuidado com a naturalização do processo educativo. “Muitas vezes, por trás de falas que dizem a educação pode ser absolutamente aberta, que as pessoas se educam naturalmente, vem, a reboque, a naturalização dos processos educacionais, que são de responsabilidade política, financeira, social e ética da escola. A sociedade espera da escola que ela eduque. Nós não podemos, à guisa de qualquer processo, negligenciar que este é o papel importante e definidor de uma relação de poder muito forte quando você articula processo de trabalho e de educação”.

Dora defende que a escola deve explicitar a sua concepção de sociedade para realizar a formação de maneira clara e plena.  No caso das escolas que formam trabalhadores na e para a área da saúde – como as Escolas Técnicas do SUS – a concepção de sociedade deve ter sentido, contemplando a direção do Sistema Único de Saúde que se quer construir. “Qual é o significado de formar médico, dentista, técnico de enfermagem, técnico de radiologia? É necessário que ela [a escola] dê significado social, econômico, ético, político e técnico para essa ação social que é processo educativo”.

Maria Auxiliadora alerta que o processo educativo não é um ajuntamento de assuntos, mas uma interação crítica e criativa de informações, saberes e tecnologias, que demanda processos singulares. “Não é qualquer processo que é educativo. Ele é um processo planejado, para ter sentido, direção e significado. Ai se pudesse brotar! Mas não brota. É um processo planejado, organizado e avaliado de forma institucionalizada”, sublinhou.

Outras características apontadas por Dora para o processo educativo são a constante mutação e transitividade. “Primeira coisa, ele não tem carimbo. Também é um processo transitivo: pergunta a quem; para quem; por que; como. E é indissociável da dinâmica das sociedades e dos contextos onde ocorre”. No caso da Saúde, Dora lembra que é preciso entender contexto social, econômico e político do país e também os princípios do SUS, que prevê o acesso universal, de qualidade e em tempo adequado, com respostas de integralidade e de equidade para a população. “Ele está organizado em unidades básicas, especializadas, hospitalares, de apoio diagnóstico, de produção de insumos, de produção de conhecimentos. Eu não posso imaginar que eu vou articular o trabalho e a educação considerando a saúde sem compreender o contexto, sem me tornar protagonista desse contexto com toda a complexidade que isso encerra”.

No que tange à prestação de serviços, Dora lembrou ainda outras características que devem ser consideradas pelos formadores em relação ao processo de trabalho em geral: a revolução atual não é de infra-estruturas mas de sistemas de organização e de gestão do conhecimento; novas formas de organização do trabalho (produção e serviços); mudanças no conteúdo do trabalho; mudanças na dinâmica do emprego; demanda por novas relações de trabalho; e setorização econômico-social em permanente mudança.

“É necessário que a gente pense em novas relações de trabalho ara que o profissional se sinta reconhecido no produto, no processo, no resultado e no impacto a ponto de não admitir que a lâmina que eu preparou e leu em dois dias leve três meses para chegar à pessoa atendida. Não posso permitir que meu trabalho seja não reconhecido, não creditado. Essa é a questão de não aceitar o trabalho alienado”, defendeu.

Ela também ressaltou a complexidade do trabalho em saúde. “Nele inexiste a capacidade do consumidor – em letras itálicas, porque eu tenho dificuldade de falar essa palavra – de compor a sua própria necessidade. Se a pessoa é letrada, melhora, Se é um profissional de saúde, se está consciente, também. Mas não existe necessidade de saúde que o consumidor individual ou coletivo consiga, somente com as suas informações, compor a sua necessidade e manejar as informações”. Para a professora, isso significa que os profissionais de saúde precisam ler os sinais: ver, ouvir e pegar para traduzir a demanda e dizer qual terapêutica o usuário deve seguir.

Segundo Dora, a existência de limites para racionalizar a produção de serviços em saúde não quer dizer que os processos sejam impadronizáveis e não haja balizadores, fluxos e formas de organizar e orientar. Ela também lembrou que a alocação de recursos, tanto de pessoas, meios e condições devem ser orientados por fundamentos éticos. “Preciso saber quantos são e o que precisam ser. O serviço de saúde absorve pessoas para um trabalho para o qual elas não foram preparadas. Transformar essa realidade é uma questão ética em relação à população, ao trabalhador e ao direito de o Estado prever que quem pilota o avião de fato saiba pilotá-lo”.

Outras características do trabalho em saúde são o fato de a entrada não ser livre e haver entre procedimentos e alguns equipamentos uma relação indissociável do ambiente e das condições. “Não adianta falar que mulher tem que fazer mamografia se o mamógrafo está em um município distante ou se está quebrado ou se ninguém sabe manejá-lo”.

Trabalho e educação em saúde

A terceira e última parte da conferência se voltou para a união dos conceitos de trabalho e educação na área da saúde. Segundo Maria Auxiliadora, existem aspectos essenciais e fundamentais da política de interação do trabalho e da educação na ordenação da formação de profissionais para o SUS. “O estágio atual de investimentos políticos, técnicos e financeiros dirigidos naturaliza as iniquidades da educação. Eu tenho que buscar soluções que permitam às pessoas que já estão sendo exploradas por trabalhar sem a devida qualificação e foram excluídas tenham um patamar de formação que tenha crédito como o meu tem crédito. Essa é a luta da equidade. Não podemos naturalizar a iniquidade da educação e do trabalho que existem repercussões éticas, técnicas e sociais tanto para a população quanto como para o trabalhador. Esse é um aspecto essencial para discutir uma política de articulação do trabalho e da educação em saúde quando se trata da educação técnica de nível médio, em especial”, ponderou.

Segundo Dora, o “desenho” ou a identidade e imagem social do trabalhador e regulação do trabalho do profissional técnico da saúde formado no nível médio guarda estreita relação com as diretrizes do sistema educativo, os propósitos dos processos de formação e de atenção à saúde. “Uma coisa é são as normas do sistema educativo e outra coisa são os processos de formação. Aí entra a regulação: o que é um profissional formado? O que é um especialista?”, disse, ressaltando: “Formar é substantivo, qualificar é adjetivo. Eu não qualifico quem não teve o direito de se substantivar: eu treino. E treinar, eu treino todos”.

A professora aposentada da UFMG finalizou a sua fala lembrando que a qualificação do trabalhador também guarda estreita relação com as diretrizes, prioridades e propósitos das políticas de saúde, sendo, então, necessário pensá-la nos planos de gestão e da organização, da regulação, da operacionalização e da avaliação da prestação de serviço, daí a exigência da qualificação como processo de educação permanente. “Para a integração ocorrer há necessidade de pactos internos e externos envolvendo múltiplos atores. Nesse sentido, aqueles que trabalham, aqueles que fazem a gestão do trabalho e aqueles que fazem a formação dos trabalhadores são, pelo menos, os três grandes pilares para a definição das políticas, contracenando nos processos de decisão, de execução, de controle e de avaliação”.

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