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02/06/2016 Versão para impressãoEnviar por email

Defender a democracia é garantir a promoção da saúde

Em sua 22ª edição, a Conferência Mundial de Promoção e Educação na Saúde reuniu, em Curitiba, cerca de duas mil pessoas, provenientes de mais de 70 países, para discutir a promoção da saúde e da equidade. O evento destacou-se pela defesa da democracia e do direito à saúde.

Sob o tema Promovendo Saúde e Equidade, cerca de duas mil pessoas, provenientes de mais de 70 países, estiveram reunidas em Curitiba, entre os dias 22 e 26 de maio, para a 22ª Conferência Mundial de Promoção e Educação na Saúde. Promovido pela União Internacional para a Promoção da Saúde e Educação para a Saúde (Uipes), em parceria com a Prefeitura Municipal de Curitiba e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o evento destacou-se pela defesa da democracia como garantia da promoção da saúde das populações. “Esta Conferência nos permite compartilhar experiências, aprender e revigorar o debate sobre a importância da democracia”, sublinhou o presidente da Uipes, Michael Sparks.  “Debater a promoção da saúde em defesa do SUS é, também, defender a democracia tão cara para nós, latino-americanos”, resumiu o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Santos, observando ser bastante oportuno discutir promoção da saúde no atual contexto brasileiro, em meio a uma crise política que coloca em risco o Estado democrático de direito.

Santos lembrou que o SUS é “porta de entrada dos direitos sociais” e implica a superação da iniquidade e a ampliação da diversidade. “Defender o SUS inclui defender as Unidades de Pronto Atendimento (Upas), o Serviço Móvel de Urgência (Samu) e tantos outros programas que chegam aos lugares mais distantes do país e que, atualmente, correm o risco de serem extintos”, destacou, convocando todos a levantar a bandeira da democracia.

 

Reforma inconclusa

Vice-presidente da Abrasco, Paulo Sávio de Góes observou que o aperfeiçoamento do conceito de promoção de saúde e os enormes desafios postos pela contemporaneidade devem guiar os debates e os esforços pela melhoria da vida dos diversos povos da terra, de modo a preservar o meio ambiente e garantir uma vida digna a todos. A exemplo de Santos, ele convocou sanitaristas e profissionais de saúde a participar de um movimento em defesa do SUS e da democracia brasileira, lembrando que o movimento sanitário representa dezenas de milhões a cobrar a garantia do direito à saúde. “Não há como abrir a conferência sem prestar homenagem simbólica a sanitaristas brasileiros e profissionais de saúde que fizeram do direito à saúde bandeira de luta e história de vida”, disse, sugerindo maiores esforços, de forma a garantir a completa reforma sanitária. "Não há saúde sem justiça social nem democracia”, sentenciou.

Responsável pela conferência magna, o professor de Política Econômica e Sociologia da Universidade de Oxford e pesquisador associado da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (London School of Hygiene and Tropical Medicine), David Stuckler, considerado um dos 100 melhores pensadores globais, destacou que uma boa saúde começa nas comunidades. Ao comentar a possibilidade de cortes no SUS anunciados pelo governo federal, o professor lembrou os efeitos negativos das medidas adotadas por governantes que decidiram ceifar os recursos públicos do orçamento da saúde como forma de resolver a crise econômica. Dando como exemplo as populações da Europa e do Leste Europeu, Stuckler destacou que as políticas de austeridade tiveram e estão tendo efeito devastador sobre a saúde das populações, face à redução do acesso ao atendimento à saúde e aos remédios. “O resultado é o aumento da incidência de suicídios e de doenças infecciosas”, revelou.

Stuckler citou a Grécia como um exemplo de um contexto em que a austeridade foi altamente nociva à saúde. O país promoveu redução orçamentária nos programas de prevenção à AIDS e amarga, desde 2011, um aumento de mais de 200% nas infecções pelo vírus HIV. “Além do aumento dos casos de HIV, a Grécia vive o retorno de epidemias já sanadas, como a malária, e o crescimento em cerca de 60% do índice de suicídios”, listou, explicando que o problema do suicídio é resultado do aumento do consumo de drogas e do desemprego juvenil, que chega a 50%. Segundo o estudioso, o país registrou seus primeiros casos de malária em várias décadas depois de cortes nos programas de controle do mosquito transmissor.

Ele também lembrou a crise no Leste Europeu, na década de 1990. À época, a terapia de choque do programa de privatização da Rússia e a demolição da Era Soviética geraram mortes e doenças. Por outro lado, uma transição mais branda promovida na vizinha Belarus manteve os níveis de saúde pública favoráveis à população. Outro exemplo no mesmo sentido foi a Islândia, quando durante a crise econômica priorizou a defesa da saúde e dos programas sociais. O país, segundo o professor, após a falência dos três principais bancos comerciais e com uma dívida interna grande, observando o desemprego aumentar nove vezes e o valor da moeda local entrar em colapso, colocou a política de austeridade econômica — ou seja, o rigor nos cortes dos gastos públicos — sob voto popular, ao invés de imediato salvar bancos e realizar cortes no orçamento. “Em dois referendos, em 2010 e 2011, os islandeses votaram majoritariamente a favor do pagamento gradual aos credores internacionais e contra a política de austeridade, recuperando a economia da Islândia”, disse, lembrando que, em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) classificou a Islândia o segundo país mais feliz do mundo. “Os governos precisam considerar as sérias e, em alguns casos, devastadoras consequências das escolhas econômicas, principalmente quando elas tratam de reduzir recursos públicos da saúde”, alertou.

Para Stuckler três princípios básicos devem ser levados em conta pelos governantes em relação às medidas de cortes de gastos: a diretriz econômica adotada não pode fazer mal à população; criar programas de ajuda e recuperação das pessoas e suporte para que retomem o emprego; e, por fim, investir em saúde pública. “A prevenção é sempre mais barata do que o tratamento”, garantiu, recordando que a Grécia gasta hoje muito mais para controlar epidemias do que com os programas de redução de custos na saúde. Ao fim da conferência, ele fez uma recomendação ao Brasil, em face deste período de turbulências: “Mantenham-se calmos, ajudem o povo a retomar as políticas de emprego e invistam em saúde pública”.

 

Cidades saudáveis

Mudanças urbanas para fazer a diferença localmente, prestando atenção às vozes emergentes deu título ao debate conduzido por Jennie Popay, professora de sociologia e saúde pública da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, Lamiss Ben El Haj, arquiteta da Escola Superior de Arquitetura de Casablanca (EAC), no Marrocos, e Sérgio Póvoa Pires, presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). Centrado na influência que o meio urbano tem sobre a saúde das pessoas e nos interesses das populações emergentes, o debate abordou o conceito de controle das comunidades. “A desigualdade na comunidade talvez seja um dos principais fatores da desigualdade na saúde”, afirmou Jennie Popay. Por sua vez, a arquiteta Lamiss Ben El Haj apresentou dois projetos de reabilitação do rio que atravessa a Medina de Fez, capital marroquina, construída nos anos 1920 sobre um platô. Segundo ela, esses planos de ocupação de espaços públicos, quando bem planejados, podem mudar situações que são consideradas irreversíveis, além de promover a saúde e bem estar de certa região.

Por fim, Póvoa apresentou o conceito do plano diretor que revisa as diretrizes urbanísticas de Curitiba, em vigor desde 1965. Segundo ele, a partir do plano diretor, a cidade de Curitiba passou a realizar uma série de iniciativas coordenadas que exercem influência direta sobre a saúde e o bem-estar da população. “A começar pelo planejamento urbano, alicerçado sobre o tripé composto por transporte coletivo, sistema viário e uso do solo”, citou. Segundo ele, a cidade tornou-se saudável em inúmeros aspectos, o que implicou qualidade de vida da população.

 

ETSUS na conferência

Três escolas integrantes da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS) participaram da 22ª edição da Conferência Mundial de Promoção e Educação na Saúde. Pela Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais (ESP-MG), foram apresentados os trabalhos Promoção da saúde na terra indígena Xakriabá: o ‘mapa falado’ como dispositivo; Pesquisa-ação na perspectiva da promoção da saúde; Sistema de pesquisa em direito sanitário: em busca da qualificação das decisões no estado de minas gerais; O compartilhamento de informações para qualificação das decisões judiciais no campo da saúde em minas gerais; O direito à saúde como um instrumento de justiça social; Análise documental do plano global específico (PGE) de áreas do programa Vila Viva em Belo Horizonte.

A Escola Estadual de Educação Profissional em Saúde do Rio Grande do Sul (ETSUS-RS) apresentou o trabalho Pesquisa em saúde: ferramenta fundamental na construção de respostas para o enfrentamento das iniquidades em saúde, além de pôsteres com pesquisas e discussões. Já a Escola de Formação em Saúde da Família Visconde em Sabóia (EFSFVS), em Sobral (CE), apresentou os trabalhos Interdisciplinaridade no processo de formação de multiplicadores adolescentes para Promoção do Autocuidado: dialogando sobre saúde sexual e reprodutiva; e Processo de implantação do teste rápido em HIV e Sífilis na região de saúde Sobral: relato de experiência. À época, foi lançado o livro Promoção da Saúde: um tecido bricolado, do qual a diretora da escola, Maria Socorro Dias, é uma das organizadoras.

 

Por Flavia Lima, repórter da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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