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30/09/2014 Versão para impressãoEnviar por email

As diversas práticas da Saúde Rural no mundo

Conferência Mundial de Saúde Rural da Wonca, em sua 12ª edição, sediada em Gramado (RS), de 3 a 5 de abril, apresenta diferentes cenários relativos ao cuidado da saúde das populações rurais e aponta para a necessidade de ampliar a formação e a capacitação de médicos especializados no atendimento às famílias e às comunidades rurais.

A pertinência do que seria apresentado e discutido na 12ª Conferência Mundial de Saúde Rural da Wonca (sigla em inglês de Organização Mundial de Médicos de Família), em Gramado (RS), de 3 a 5 de abril, estava expressa no tema do evento, Saúde Rural: uma necessidade emergente. O encontro, sediado pela primeira vez no Brasil, foi realizado concomitantemente ao 4º Congresso Sul-Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade. Ao reunir mais de 700 pessoas — entre gestores e representantes das decisões políticas no campo da Saúde Rural — e 26 convidados de 20 países, o encontro teve seu objetivo alcançado: refletir as diferentes práticas rurais em saúde no mundo. “É emocionante estar aqui e participar dessa conferência no Brasil e com a participação de países da América do Sul. O Brasil é um grande exemplo de um país que leva a saúde a sério”, destacou o então presidente da Wonca, Michael Kidd, na cerimônia de abertura — no encerramento, ele passou o cargo para a médica inglesa Amanda Howe, professora de Atenção Primária à Saúde, da Escola de Medicina de Norwich, no Reino Unido.

A conferência foi organizada em workshops, apresentações de experiências e pesquisas na área, mesas-redondas sobre políticas de saúde e de formação de recursos humanos em Saúde Rural e visitas a serviços de saúde local. Diretor de Programa da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, Giliate Cardoso Coelho Neto ressaltou a importância do trabalho dos médicos de família. “Apesar de todas as dificuldades com infraestrutura, é uma maravilha o trabalho que realizamos para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS)”, reconheceu. “Compartilhamos de um grande sonho, que é universalizar a Atenção Básica, fazendo dela, de fato, ordenador do cuidado no SUS”, acrescentou.

Formação

Presidente do congresso e coordenador do grupo de trabalho de medicina rural da Sociedade Brasileira de Família e Comunidade (SBMFC), Leonardo Vieira Targa avaliou o evento positivamente. “Criamos um espaço para compartilhar as experiências em saúde em áreas rurais do mundo inteiro e do Brasil. Nesse espaço de convívio, foi possível apontar recomendações e conclusões para o avanço dos serviços de saúde com qualidade nas áreas rurais”, observou. Segundo Targa, é preciso adotar uma série de estratégias conjuntas e não apenas trazer médicos de fora do país e incentivar profissionais recém-formados a atuarem nas áreas rurais. “As recentes políticas de saúde relativas ao recrutamento de profissionais de saúde e ao aproveitamento de recém-formados, para atuarem em áreas rurais brasileiras, devem ser encaradas como ações emergenciais e complementares”, orientou. Em sua avaliação, é preciso formar profissionais com perfil para trabalhar no interior. “O profissional com a especialização de médico de família e comunidade é capaz de solucionar 95% dos problemas de saúde de qualquer comunidade rural”, afirmou.

Targa explicou que o médico de família e comunidade é preparado para acompanhar os pacientes em seu contexto familiar e social, diagnosticando e tratando os problemas mais frequentes e, principalmente, prevenindo doenças e promovendo a saúde. No Brasil, a ação deste profissional se dá por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF) que, para muitos países, é referência de atenção à saúde, apesar de alguns problemas ainda observados. Targa reconheceu que o acesso das populações rurais aos serviços básicos de saúde é um desafio em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Segundo ele, o problema é agravado, principalmente, pela falta de profissionais qualificados, alta rotatividade profissional e infraestrutura deficiente.

Diversidade

Na roda de conversa Saúde Rural no Brasil: conhecendo os diferentes cenários, promovida no dia 5 de abril, médicos de família e comunidade apresentaram diferentes realidades observadas em cada região rural do país, cujo objetivo comum é dar qualidade ao atendimento à saúde das populações. A médica de família e comunidade, Ariane Pinheiro, falou sobre o perfil da comunidade do município de João Molevade, interior de Minas Gerais, formada, em grande parte, por ciganos. Entre os principais problemas, citou, destaca-se o preconceito com a população cigana, vista, devido ao contexto histórico dos primeiros ciganos que chegaram ao Brasil, como pessoas baderneiras, ladras e enganadoras. “Há baixa escolaridade, prevalência da população feminina, expectativa de vida muito baixa, altos índices de alcoolismo, iniciados muitas vezes na infância, além de serem nômades, dificultando ainda mais o acesso e monitoriamente dessas pessoas”, enumerou.

O cenário assemelhou-se à realidade apresentada pela médica Mônica Correia Lima, que atua em um quilombo no interior de São Paulo, no Vale do Ribeira. Segundo ela, os quilombolas também são excluídos, porque ainda carregam o preconceito histórico da escravidão. Na comunidade quilombola, foram criados grupos de trabalho com foco na conscientização e na educação em saúde. “Depois de uma conversa com a população, que se mostrava muito resistente em sair do quilombo para receber atendimento, conseguimos com que as consultas fossem realizadas em uma unidade de saúde fora do quilombo, oferecendo uma estrutura melhor e com mais qualidade”, revelou.
O médico de família rural Ricardo Amaral, que atua na comunidade ribeirinha de Rosa do Rio Negro (Amazonas), mostrou fotos de partos que são feitos em redes e de atendimentos realizados nas ambulanchas — unidades móveis de saúde fluviais —, como único meio de locomover essas pessoas em caso de emergências. Ele citou, também, o Programa Saúde Manaus Itinerante Fluvial, por meio do qual uma ambulancha (barco Catuiara) realiza atendimentos, quinzenalmente, aos povos ribeirinhos — população tradicional que residem nas proximidades dos rios — do estado do Amazonas. “O programa, fruto de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde de Manaus e o Tribunal de Justiça do Amazonas, permitiu aos moradores da região do Rio Negro ter, pela primeira vez, acesso aos exames especializados de mamografia, ultrassonografia e oftalmologia”, contou.

Situação bastante diferente das apresentadas anteriormente foi a do médico de família e comunidade Fabio Duarte Schwalm. Ele discorreu sobre o trabalho desenvolvido no pequeno município de Barão, interior do Rio Grande do Sul, onde 80% da população são descendentes de alemães e 20%, de italianos. “As dificuldades enfrentadas pela equipe de saúde da família não dizem respeito ao acesso e à estrutura das unidades de atendimento. Mas, sim, a fatores culturais muito enraizados nessas populações”, descreveu. Segundo Schwalm, o município tem apenas seis mil habitantes, por isso, cada morador tem um número de consultas anuais superior à média nacional.

O médico de família contou que realiza atendimentos na unidade de saúde da cidade e visitas domiciliares acompanhado de sua equipe de trabalho, composta por duas técnicas em enfermagem que moram na comunidade. “Elas, além de profissionais de saúde, são também tradutoras, já que a maior parte dos moradores tem o alemão como idioma oficial”, descreveu Schwalm. Segundo ele, em Barão, observa-se elevados índices de obesidade, inclusive na população infantil, e de alcoolismo, que podem ser explicados pela cultura do consumo de alimentos gordurosos e cerveja. Em contrapartida, a expectativa de vida é muito alta, sendo necessário, também, um atendimento especial aos idosos e uma atenção qualificada à saúde mental. “Há, também, uma grande porcentagem de casamentos consanguíneos — relações matrimoniais entre indivíduos com grau de parentesco muito próximo—, o que contribui para os índices de problemas hereditários, como a anemia falciforme”, acrescentou.

Ao fim do evento, Amanda Howe anunciou que a cidade do Rio de Janeiro será sede da 13ª edição da Conferência Mundial de Saúde Rural da Wonca. Ela aproveitou para discorrer sobre seu amor à profissão. “Sou fascinada pelo papel que o médico de família desempenha junto às populações, ajudando as pessoas na superação das adversidades física e mental”, revelou. Em seguida, Targa leu a Declaração de Gramado pela Saúde Rural, como foi chamado o documento final da 12ª Conferência Mundial de Saúde Rural da Wonca, que sugeriu, entre tantas ações, ampliar a formação e a capacitação de médicos especializados no atendimento às famílias e às comunidades rurais e descentralizar os cursos de medicina. O documento será, também, apresentado às autoridades públicas e à sociedade em geral.

Por Ana Paula Evangelista e Flavia Lima, da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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