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20/04/2017 Versão para impressãoEnviar por email

Em foco, as políticas educacionais de formação docente

Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio promove debate sobre a formação de educadores e alerta para o problema do esvaziamento do trabalho docente, substituído pelas tecnologias da informação e por programas empresariais de educação. 

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) promoveu, no dia 11 de abril, o Pré-Colóquio Latino-Americano de Formação em Saúde, focalizando o tema Diagnóstico das políticas educacionais de formação de educadores, com a professora Raquel Goulart Barreto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Pesquisadora da área de Educação, atuante na subárea de Política Educacional, com ênfase na incorporação das tecnologias da informação e da comunicação à formação e ao trabalho docente, Rachel observou que a formação docente foi esvaziada pela substituição tecnológica.

Ela explicou que esta substituição implicou manter o chamado ensino presencial, enfraquecendo, porém, o trabalho docente. “Ou seja, fazendo com que o professor passasse a ser um coadjuvante e, em alguns casos, um figurante no processo pedagógico”, sublinhou. Segundo a professora, o ano de 1995 foi crucial nesse sentido, em face da hipertrofia da dimensão técnica, localizada nas tecnologias da informação e da comunicação (TICs). “O professor passa a ser aquele que liga o aparelho para passar o telecurso ou o programa da Fundação Lemann”, destacou, em crítica ao avanço dos modelos empresariais de educação, pautados apenas nas tecnologias. Segundo a professora, que lembrou a filósofa Marilena Chaui, a universidade transformou-se em uma instituição operacional, onde o docente serve apenas para controlar o tempo.

 

Trabalho x atividade

Rachel iluminou, ainda, que a expressão “trabalho docente”, dentro desse novo contexto, é substituída por “atividade” e, mais recentemente, por “tarefa”, confirmando assim o seu esvaziamento. “Não cabe mais ao professor o planejamento do que vai ser feito. Esse planejamento está pronto e posto para ele. A avaliação, em se tratando de educação básica, não cabe mais ao profissional da educação”, criticou.

Segundo ela, a partir de pesquisa com professores do estado e município do Rio de Janeiro, realizada até 2016, o professor diz até propor uma avaliação, mas essa avaliação não vale nada. “O que conta mesmo é a avaliação que vem de fora”, garantiu Rachel, acrescentando que ao professor, portanto, resta fazer chamada e aferir o tempo que se leva para determinar tarefas.

Rachel fez outras críticas, destacando que as políticas de educação centradas na tecnologia, por exemplo, supõem que as escolas tenham acesso à internet, sendo que a maioria não tem. “Mas há os pen drives, que acabam sendo utilizados para armazenar as aulas. É um material que serve para todo mundo. São chamados objetos de aprendizagem, que dependendo do conteúdo e nível, servem a qualquer um”, repreendeu.

 

Ineficaz e insuficiente

Dos anos 1990 para cá, a formação de professores passou a ser entendida como formação continuada. A observação feita por Rachel disse respeito à formação de curtíssima duração. Apesar de necessária, pois que nenhuma formação inicial consegue dar conta das questões com que o professor se defronta, esse modelo de capacitação docente contribui para o esvaziamento do espaço do professor. A pesquisadora citou como exemplo, nesse sentido, a Escola de Formação do Professor Carioca Paulo Freire, criada pela Secretaria Municipal de Educação do Rio, que tem a pretensão de formar professores em 15 dias ou uma semana. “Os professores fazem o concurso de ingresso no município e, para assumirem os respectivos cargos, devem fazer essa formação”, criticou.

Ela informou, ainda, com críticas, que o material utilizado no curso é o livro Aula Nota 10 - 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência, da Fundação Lemann, que traz situações cotidianas de sala de aula, atribuindo a elas o título de “boas práticas”, e sem referências bibliográficas. “Isso é muito sério. Se, antigamente, a formação de professores era vista como conteudista, como nos tempos da Escola Nova, agora se tem uma formação neotecnicista, que pega o pior do tecnicismo, aliado a uma suposta sofisticação tecnológica”, advertiu, acrescentando que, além disso, a instituição carioca não dialoga com nenhuma universidade do estado, se afirmando autocentrada e autoeficiente.

 

Polivalente

A professora reprovou, também, o fato de a Prefeitura do Rio exigir ao professor não mais a formação em determinada disciplina, mas sim em uma área abrangente. “Os professores precisam ser polivalentes, entram em um programa de recompensa pouco compensador nas chamadas escolas de tempo integral, dando aulas muito longas, que contrariam a psicologia mais banal. Afinal, submeter crianças e adolescentes a duas horas seguidas de uma matéria é contraproducente”, avaliou Rachel.  Ela sublinhou que a Prefeitura do Rio criou a imagem do professor generalista, para atuar especialmente no sexto ano, dando aula de tudo. “A justificativa apresentada para essa figura é que o aluno no sexto ano não está maduro para ter vários professores”, disse. Mas, segundo a professora, ao fim, o professor está exaurido e o aluno sabe pouca coisa. “O lugar do professor foi corroído. Ele vira polivalente, generalista, não faz mais planejamento, pois a realização do plano se resume a bancos de aprendizagem e a avaliação vem de fora”, inquietou-se.

O problema, porém, não é a tecnologia. De acordo com Rachel, diz respeito ao modo como a tecnologia foi recontextualizada na educação e como as políticas de educação, ao fazer uso exclusivamente de materiais prontos, preparados por empresas, contribuem para o esvaziamento do trabalho docente. “Justamente por isso, é preciso refundar o lugar do professor. O desafio que está posto é imenso”, finalizou.

 

Por Julia Neves, repórter da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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