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30/11/2005 Versão para impressãoEnviar por email

Entrevista com Paulo Capel Narvai, da FIO, na Revista RET-SUS

O projeto de lei que regulamenta as profissões do THD e do ACD foi votado em mais uma Comissão da Câmara dos Deputados. As entidades odontológicas chegaram a um acordo sobre a polêmica do biofilme e da restauração.

'Querem amputar as competências do técnico'

Confira a entrevista da Revista RET-SUS nº 12 com Paulo Capel Narvai, professor da USP. Ele fala em nome da Federação Interestadual dos Odontologistas (FIO) sobre o substitutivo do deputado Marcelo Barbieri ao projeto de lei 1140/03 que regulamenta as profisões de THD e ACD.

O projeto a ser aprovado deverá manter a nomenclatura THD/ACD ou TSB/ASB? O que essa mudança diz sobre a atuação desses profissionais?

As denominações devem ser alteradas. Pelo menos é isso o que está no substitutivo do Deputado Marcelo Barbieri e que, segundo o relator, expressam o consenso. Na minha opinião, isso é positivo, pois as expressões THD e ACD não condizem com os perfis profissionais desses trabalhadores. O técnico tem atribuições que vão muito além da ‘higiene dental’ e ao ACD são atribuídas funções que não se restringem nem ao‘consultório dentário’ nem a simplesmente‘auxiliar’ o cirurgião-dentista, embora isso seja muito importante e constitua o núcleo do desempenho profissional. Não resta a menor dúvida de que o ASB pode e deve desempenhar ações externas ao ambiente do consultório.

Os pontos polêmicos do substitutivo são os que falam sobre a remoção de tártaro e biofilme supra-gengival e de inserir,condensar, esculpir e polir substâncias restauradoras. Qual a posição da FIO?

A remoção do biofilme dental é uma medida de auto cuidado em saúde bucal. Quando as pessoas escovam seus dentes ou usam fio dental, o fazem para ‘remover o biofilme dental’. É inacreditável que essa competência do técnico esteja sendo posta em discussão. Parece que querem monopolizara remoção da placa bacteriana! É óbvio que não há qualquer problema com a possibilidade de técnicos removerem biofilme dental quando isso for necessário no atendimento odontológico de alguém. Nos países onde a assistência odontológica não é privilégio, como no Brasil, mas acessível a todos, técnicos podem remover cálculo dentário (tártaro) supra gengival. É assim no Canadá, nos EUA, no Japão, na maioria dos países europeus. Não há nenhum motivo para que no Brasil não seja assim. Ao contrário: nossa realidade epidemiológica e nossas profundas desigualdades sociais,econômicas e sanitárias justificam plena-mente que também por aqui seja assim. Aposição da FIO é que o técnico possa “fazer a remoção do biofilme e do cálculo dentário,de acordo com a indicação e a técnica definida pelo cirurgião-dentista”. Quanto às substâncias restauradoras, a entidade entende que o texto legal ficaria melhor com a seguinte redação: “participar do processo de restauração dentária, inserindo e distribuindo na cavidade os materiais odontológicos, provisórios ou definitivos indicados pelo CD, condensando-os, esculpindo-os e polindo-os, sempre que os materiais e a técnica adotada o exigirem”. Essa posição decorre do fato de técnicas contemporâneas de restauração dentária não utilizarem apenas amálgama e por haver materiais que não requerem polimento. A argumentação que questiona a ‘capacidade técnica’ de um técnico realizar essas atividades está defasada em pelo menos meio século. As experiências desenvolvidas na Nova Zelândia e no Canadá em meados do século 20 mostram que técnicos não apenas podem ter competência técnica mas, em determinadas situações, conforme atesta a literatura científica sobre o tema, podem realizar trabalhos de qualidade igual ou superior à realizada por pessoal de nível universitário. Isso decorre de vários aspectos, como qualidade da formação, condições de trabalho, inserção no processo de trabalho odontológico,características da produção do cuidado odontológico etc.

O sr. defende que trabalhem 5 TSBs para cada CD. A ABCD defende 1 para 1. E,no documento da audiência pública sobre o substitutivo, fala-se em 3 para1. Que critérios estão sendo utilizados?

Hoje dispomos de tecnologias inovadoras na produção de ações de saúde bucal, inclusive ações coletivas de comprovada eficácia epidemiológica, que tornam espaços sociais, como creches, escolas, centros comunitários, e mesmo locais de trabalho, ‘ambiente de trabalho’ do pessoal odontológico.A odontologia pública brasileira tem sido extremamente criativa nesse aspecto e há muito não se restringe ao velho e anacrônico‘gabinete dentário’. Estamos fazendo por aqui, no SUS, coisas que despertam a atenção dos técnicos mais atentos de outros países. Mas há setores incomodados com o que nós, ‘dentistas do SUS’, estamos fazendo. Querem nos confinar ao ‘gabinete dentário’ e amputar as competências do técnico. Não conseguirão. Eu defendi a proporção de 5 para 1 na audiência pública porque essa tem sido a proporção fixada pelo CFO. Se é necessário definir uma proporção, e as entidades odontológicas acham isso imprescindível, então que seja essa. A meu ver, no entanto, essa proporção não deveria ser fixada em lei, uma vez que isso não ocorre com o técnico em prótese dentária, cuja profissão está regulamentada há décadas. Tanto quanto o número de dentistas, o número de técnicos deveria guardar relação com as diferentes realidades epidemiológicas e institucionais de cada região.São as necessidades de cuidados em saúde bucal que deveriam nortear o dimensionamento dos recursos no setor, inclusive os chamados recursos humanos. E esses cuidados deveriam ser de acesso universal, gratuitos, de boa qualidade. As entidades odontológicas não parecem preocupadas com nada disso, apenas com interesses corporativos.
 

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