noticias

16/10/2015 Versão para impressãoEnviar por email

EPSJV: 30 anos de educação profissional em saúde

EPSJV comemora com debates sobre capitalismo e memória três décadas de dedicação ao ensino, à pesquisa e à cooperação no campo da Educação Profissional em Saúde. O evento foi realizado como atividade de greve dos servidores da Fiocruz, instituição que abriga a escola.

O segundo semestre de 2015 foi marcado na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) pelo aniversário de seus 30 anos, completados em 19 de agosto. A comemoração dessas três décadas de dedicação ao ensino, à pesquisa e à cooperação no campo da Educação Profissional em Saúde foi realizada como atividade de greve dos servidores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição que abriga a escola, paralisada de 16 de julho a 17 de setembro, reivindicando reajuste salarial e melhores condições de trabalho e fazendo fortes críticas ao ajuste fiscal e aos processos de privatização que atingem as políticas sociais, especialmente saúde e educação.  Como parte da celebração, foram promovidas mesas de debates que trataram da crise política e econômica pela qual o país atravessa e da importância da memória para a construção das experiências de vida.

A abertura dos debates contou com a presença do presidente da Fundação, Paulo Gadelha, que destacou o conceito de politecnia orientador da formação de milhares de jovens e adultos que passaram pela escola, e do diretor da instituição de ensino, Paulo Cesar Ribeiro, que resgatou o contexto em que a EPSJV foi criada, em meio à reabertura política do país e ao movimento da Reforma Sanitária, bem como o cenário de luta dos trabalhadores. “Não podemos colocar os direitos da classe trabalhadora em risco, pois esses são os caminhos para sair da crise”, destacou. Estavam presentes, também, a representante do Sindicato Nacional dos Servidores da Fiocruz (Asfoc-SN), Luciana Ludimar, e o professor da EPSJV Alexandre Pessoa, representando o Comando de Greve da unidade.

 

Em meio à crise

Sob o título Democracia em tempos de crise estrutural do capital, o economista e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Rodrigo Castelo, lembrou que, historicamente, a classe dominante sempre tentou impedir que a classe trabalhadora participasse das organizações políticas. “Desde as revoluções burguesas, as classes dominantes sempre nutriram uma enorme desconfiança quando a classe trabalhadora colocava-se na esfera política para lutar por pautas democráticas”, apontou.

Castelo destacou outra importante barreira para a participação dos trabalhadores, referindo-se ao sufrágio censitário, que limitava a participação nos processos eleitorais a quem tinha um determinado nível de renda e riqueza, além da exclusão de gênero, raça, etnia, dos analfabetos e trabalhadores que recebiam assistência social.  

Segundo o professor, a organização dos trabalhadores sempre foi vista pela burguesia como uma intervenção indevida. No entanto, ao longo do tempo, a luta dos trabalhadores foi impondo um alargamento dos limites que a ordem burguesa estabeleceu para eles, tanto do ponto de vista político quanto econômico.

Em alusão à conjuntura política atual, Castelo citou o conceito de crise orgânica do filósofo e cientista político Antonio Gramsci (1891-1937), que tem como principal característica a abertura de janelas históricas para o surgimento de novos projetos societários. “As crises abrem oportunidade para o socialismo disputar com o capitalismo. Justamente nesses períodos históricos que se acentua a supremacia da burguesia pra manter a superioridade, com o uso da coerção e do consenso”, disse.

Nos momentos de crise, explicou, opera-se, geralmente, um triplo movimento político de perdas de substanciais conquistadas do passado. A primeira perda seria o esvaziamento dos procedimentos da democracia representativa, como a baixa participação nos votos. “As eleições já não são mais entendidas como momentos de mudanças de rumos”, destacou. O segundo ponto é a oligarquização do Estado e seu uso para a captura da riqueza nacional via fundo público e outras políticas. “O Estado se amplia nos seus aparatos coercitivos, para gerar consenso. Ao mesmo tempo, é um Estado ampliado para poucos, que tem a capacidade de influenciar as decisões políticas e econômicas. Essa oligarquização está ligada às desigualdades sociais”, explicou. O terceiro movimento diz respeito ao aumento da violência contra os subalternos, citando a xenofobia, as políticas de restrição estrangeiras, a intolerância religiosa, o monitoramento por redes sociais das forças de segurança, o uso das leis de segurança nacional para prender militantes, a promulgação de lei que concede à guarda municipal o papel de polícia, a diminuição da maioridade penal, entre outras ações. “Temos um Estado ampliado para o benefício de poucos. Precisamos ampliar as nossas lutas”, defendeu.

 

Tecido da vida

As comemorações foram encerradas com a conferência Memória, Experiência e Juventude. A escritora e psicanalista Maria Rita Kehl, integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV) — que apura violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 —, explicou que a memória é a função mais importante das nossas funções psíquicas. “É o tecido da vida, uma espécie de fio do nosso tempo. Mais importante que a inteligência e a lucidez”, garantiu. Segundo ela, é a memória que diz quem nós somos e nos identifica como pessoa ao longo da vida. “Pessoas que passam por torturas ou campos de concentração sofrem rupturas na integridade do eu, que são muito sofridas, porque depois de uma experiência muito traumática fica difícil a pessoa reconstituir quem ela foi, fazer o laço de quem ela era antes do trauma e quem passou a ser depois da ruptura do tecido psíquico. Sem a memória, nós nos perdemos a cada dia. Por isso que temos prazer em recordar até as experiências infelizes, porque nos dizem quem nós somos”, ensinou.

Maria Rita falou sobre a transformação da memória em experiência, em referência ao filósofo Walter Benjamin (1892-1940). Para ele, a vivência se transforma em experiência quando é elaborada em uma narrativa. “Nas greves de 1979, no ABC [região metropolitana de São Paulo, formada pelas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul], eu estava grávida do meu primeiro filho. Tive a oportunidade de participar de uma assembleia comandada pelo Lula. E pensei: meu filho vai nascer em um mundo modificado por essa gente aqui, mesmo sem imaginar que um dia Lula iria ser presidente. Isso se introduz na minha experiência de vida, porque eu fiz parte disso”, exemplificou. Segundo a psicanalista, quando o vivido passa a ser um relato, ele se transforma em experiência.

 

Ônus do apagamento

Com base em sua experiência, a psicanalista criticou o fato de o Brasil ter sido o único país que anistiou seus torturadores e o último país a ter instituída a CNV, 24 anos depois do fim da ditadura, revelando o quanto é danoso para uma sociedade o apagamento da memória. “Essa falta de memória faz com que, hoje, pessoas insatisfeitas com o governo ousem sair às ruas pedindo intervenção militar. Isso encontra justificativa em uma fantasia, que foi a história oficial dos militares, que naquele tempo não havia corrupção. Não era notícia de jornal, pois era censurado, mas havia muita corrupção nas estatais comandadas pelos militares”, discorreu.

A estudiosa lembrou o trabalho realizado na região do Araguaia, no qual a CNV investigou casos de violações de direitos humanos cometidos contra indígenas e camponeses durante o período da ditadura militar (1964-1985). “No Araguaia, estão quase 70 dos 400 mortos e desaparecidos. Os militantes que pensavam em fazer uma guerrilha ou iriam tomar o poder e derrubar a ditadura foram assassinados e, a exceção dos que fugiram e dos únicos dois corpos localizados, todos os outros cadáveres, até hoje, estão desaparecidos”, revelou. Maria Rita contou que ouviu relatos de camponeses sobreviventes e torturados. Outro ponto citado por ela é que os familiares dos mortos e desaparecidos nunca desistiram de procurar pelos corpos.

Ela revelou que membros da CNV visitaram algumas instalações militares usadas para tortura, acompanhadas das vítimas e dos familiares dos mortos. “A impressão que tivemos é que poder escrever essa experiência quase inominável da tortura e torná-la pública, em um relatório que o país inteiro conhecerá, fez bem. Sai do trauma e passa a fazer parte da experiência coletiva”, explicou.

Ainda como fruto de sua atuação na CNV, Maria Rita trabalhou durante seis anos como psicanalista da Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, na região metropolitana de São Paulo, dirigida por militantes e educadores populares do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Tenho uma antiga simpatia pelo MST. Uma vez fui dar conferência e quando saí, os dirigentes me convidaram para trabalhar com eles. Nos eventos públicos, atendia às pessoas e era impressionante como a psicanálise tinha efeitos pontuais”, disse, em alusão, ainda, à relevância da memória. “O MST cultiva a memória coletiva. O movimento sabe que a memória coletiva dá alento aos militantes e alento às próximas lutas”, acrescentou.

 

Trajetória exitosa

A EPSJV foi fundada no dia 19 de agosto de 1985, voltada para a formação integral dos profissionais de saúde de nível médio. Referência nacional no campo da Educação Profissional em Saúde, a escola é também centro colaborador da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a educação de técnicos em saúde, além de sediar a Secretaria Executiva da Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (RETS) e a Secretaria de Comunicação da Rede de Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (RET-SUS). A escola recebeu o nome em homenagem ao técnico de Laboratório do Instituto Oswaldo Cruz Joaquim Venâncio Fernandes, morador da Favela de Manguinhos, comunidade localizada ao lado da Fiocruz.

A EPSJV oferece cursos técnicos de Saúde integrados ao ensino médio, de formação inicial e continuada, subsequentes ao ensino médio, além de especialização técnica nas áreas de Vigilância em Saúde, Atenção, Informações e Registros, Gestão, Técnicas Laboratoriais e Manutenção de Equipamentos. A instituição conta, também, com o Programa de Pós-graduação, que oferece cursos de Especialização e Mestrado Profissional em Educação Profissional em Saúde.

 

Por Ana Paula Evangelista e Flavia Lima, repórteres da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

Comentar