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11/08/2016 Versão para impressãoEnviar por email

EPSJV propõe reflexão sobre seus 30 anos

As três décadas de atuação na educação profissional em saúde reverberam nas falas de especialistas e ex-alunos e profissionais da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Eles tratam dos desafios da instituição, a partir de mudanças nas áreas da educação, do trabalho e da saúde.

Pensar os desafios da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) ao longo dos últimos 30 anos, a partir das mudanças nos contextos da educação, trabalho e saúde. Esta foi a centralidade do 1° Seminário Temático da unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e integrante da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS), realizado no dia 29 de julho, no Rio de Janeiro, sob o título Balanço de 30 anos da EPSJV. O evento contou com a participação de especialistas das três áreas de atuação da escola – educação, trabalho e saúde – e de ex-alunos e profissionais da instituição, que recordaram os diferentes momentos que experimentaram na instituição.

Egressa do Curso Técnico em Administração Hospitalar, entre os anos 1988 e 1990, Regina Pereira discorreu sobre o êxito da formação de nível médio integrada com a formação técnica. “O cuspe e giz já é passado. Você precisa trazer para a escola o dia a dia, a participação e o papel do aluno na sociedade”, frisou. Para ela, o desafio que se apresenta à educação em geral é a ausência de discussões que envolvam a cidadania. “Não temos uma matéria sobre cidadania, que aborde a visão de uma escola cidadã e trate de direitos e obrigações com a sociedade”, observou.

O ex-aluno Pablo Trindade, da turma do Curso Técnico em Histologia, entre os anos 1996 e 1999, destacou o impacto que a formação crítica que experimentou na EPSJV exerceu sobre a sua trajetória acadêmica e profissional. Na mesma direção, o egresso do Curso Técnico em Gerência de Saúde, nos anos 2000, Ramon Chaves, lembrou que os estudantes entram na escola em busca de uma formação pública de qualidade e “saem daqui comprometidos com a transformação social”. Ex-aluno do Curso Técnico em Vigilância em Saúde, na década de 2010, Felippe Cezario ressaltou a capacidade da EPSJV de incluir o aluno no ambiente social que o cerca. “Essa escola formou e forma a minha base política e sociológica. Isso porque aqui eu não aprendi apenas sobre a sociedade nas aulas de ciências humanas. Quando você tem uma escola que te leva a pensar, que te leva a assentamentos, que sedia o encontro das crianças sem terra, discute pautas que eu nem saiba que existiam, ela te forma para a vida”, pontuou.

 

Educação, trabalho e saúde

A mesa de debate com egressos foi seguida por um balanço das políticas de educação, trabalho e saúde. Sob o tema Crise Capitalista, Recomposição Burguesa e (con) formação da classe trabalhadora: um panorama da relação trabalho e educação nos últimos 30 anos, o professor de Economia Política da Educação e de Política Educacional do Departamento de Educação e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), José dos Santos Souza, falou sobre o processo de reestruturação produtiva, com o Sistema S –  nome dado ao conjunto de nove instituições de interesse de categorias profissionais, estabelecidas pela Constituição brasileira, tentando fazer uma reformulação das formações para atender o mercado, que começa ficar bem delineado a partir da segunda metade dos anos 90. Souza focalizou a crise do modelo de Estado de bem estar social a partir da ideia de Estado Mínimo, capitaneada pelo capitalismo neoliberal. Ele lembrou as novas demandas deste setor produtivo, trazendo como objetivos básicos a formação para o mercado e a redução de custos. “O público jovem e pobre torna-se alvo das políticas de conformação à nova realidade do mercado de trabalho competitivo e excludente. O ambiente escolar torna-se espaço privilegiado de disputa de hegemonia, em busca do consenso em torno de empreendedorismo”, explicou.  Em contradição, Souza disse destacou que o processo de valorização do capital é incapaz de disponibilizar livremente os conhecimentos tecnológicos para todos os trabalhadores.

Professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Maria de Fátima Siliansky elencou cinco questões importantes para entender as contradições das políticas de saúde. A primeira foi a extensão de cobertura da Atenção Básica, que trouxe como ponto positivo, por exemplo, os impactos sobre os indicadores de saúde em regiões desassistidas. Por outro lado, acrescentou, gerou a focalização no plano político ideológico com o reforço do modelo biomédico. “Ou seja, observamos a Atenção Primária à Saúde como algo para pobre e a falta de integralidade provocada pela restrição da oferta de média e alta complexidade, gerando a expansão de pagamentos diretos e planos privados de saúde”, destacou.

A segunda questão diz respeito à descentralização, que não considerou as intensas desigualdades regionais, causou o reforço do coronelismo e do clientelismo e provocou o uso do profissional de saúde como uma ferramenta dessas práticas de controle da população, que não consegue autonomia diante do poder local. Para Fátima, o terceiro ponto a ser considerado é a expansão do controle social com os conselhos de saúde. “Se por um lado gerou a massividade nas discussões de questões de saúde, por outro causou o corporativismo, a cooptação, o economicismo e o predomínio da pequena sobre a grande política”, observou.

O quarto ponto apresentado pela professora foi o aumento do financiamento público da saúde após os anos 1995, cujas consequências negativas foram a insuficiência, a terceirização e a privatização da gestão de unidades públicas por meio das organizações sociais (OSs) e fundações de direito privado. Por fim, para entender as contradições das políticas de saúde, Fátima falou sobre o investimento em melhoria da reprodução social, como saneamento programas de renda mínima e aumento do salário mínimo. “Reconheço que esse aspecto melhorou profundamente os indicadores de saúde, mas gerou a ausência de sustentabilidade, com o modelo econômico baseado na dependência externa de capital rentista e na falta de descontração do acesso à produção da vida”, concluiu.

Pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Manutenção de Equipamentos de Saúde da EPSJV, Bianca Cortes recordou os primeiros movimentos de construção da escola e seus trinta anos de Fiocruz. “Essa escola é fruto do encontro de diferentes pessoas que tinham em comum a disposição de fazer transbordar o conhecimento produzido por essa instituição”, sublinhou. Ela lembrou os primeiros anos da EPSJV, com destaque para o curso supletivo que tinha como título Projeto Fazendo e Aprendendo, época em que coordenava o Programa de Vocação Científica (Provoc). “O Projeto Fazendo e Aprendendo reunia um conjunto de atividades que mais tarde nortearia a escola. Com esse projeto, começamos a conhecer melhor a Fiocruz, porque estávamos em todos os cantos”, contou, explicando que a iniciativa destinava-se aos filhos de funcionários da Fiocruz que recebiam os menores salários da instituição e estavam matriculados na escola. “Observamos mais tarde que os critérios eram excludentes, porque os filhos desses funcionários não conseguiam ir para a escola por falta de condições financeiras. Aí envolvemos o supletivo para garantir a escola. Os alunos ficavam um tempo nas oficinas da Fiocruz e outro no Politécnico, cursando o supletivo”, disse Bianca, que coordenava o projeto junto com Júlio Lima e Tirsa Barbosa.

Por Ana Paula Evangelista, repórter da Secretaria de Comunicação da RET-SUS.

 

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