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08/06/2017 Versão para impressãoEnviar por email

Fiocruz promove Seminário Internacional de Redução de Danos

Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Colômbia, Porto Rico e Costa Rica se reúnem para discutir as políticas de redução de danos da América Latina, trocando experiências sobre estratégias para prevenção de doenças que decorrem do uso de drogas.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sediou, nos dias 29 e 30 de maio, o Seminário Internacional Cenários da Redução de Danos na América Latina, reunindo pesquisadores, profissionais e ativistas do Brasil, do Paraguai, do Uruguai, da Argentina, da Colômbia, de Porto Rico e da Costa Rica. O evento, organizado pelo Programa Institucional Álcool, Crack e outras Drogas da Presidência (PACD) da Fiocruz, na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), no Rio de Janeiro, se destacou pela troca de experiências sobre estratégias para prevenção de doenças que decorrem do uso de drogas.

A atividade fez parte de um movimento histórico na América Latina em que diversos países passaram a desenvolver novas práticas de redução de danos, aproximando-as às noções de direitos humanos, saúde mental, saúde de família e comunidade, educação popular, dentre outros territórios de elaboração teórica e articulação política. O objetivo foi buscar responder que cenários a redução de danos encontra em nosso continente, que novas práticas estão sendo pensadas diante de desafios impostos, que articulações estão sendo realizadas e que concepções de redução de danos estão sendo materializadas. Vale lembrar que o conceito de redução de danos surgiu nos anos 1990, quando diversos países latino-americanos passaram a desenvolver programas de troca de seringas entre pessoas que faziam uso de drogas injetáveis, como parte de suas respostas frente à epidemia de HIV/aids.

 

Compartilhamento de ideias

Sob o tema História e contextos da redução de danos na América Latina, a primeira mesa contou com a mediação de Francisco Inácio Bastos, coordenador do PACD/Fiocruz, que lamentou a situação política do Brasil. “Desde que iniciamos o Programa, já tivemos seis trocas de ministro da Justiça. Além disso, temos um vácuo jurídico que gera uma situação indefinida sobre a descriminalização do porte e do uso de drogas”, examinou.  Inácio desaprovou, também, a grande operação policial feita na região da Cracolândia, no centro da capital paulista, iniciada em 21 de maio. Após a intervenção policial, que se seguiu com demolições de prédios, fechamento do comércio local e autorização da Justiça para conduzir à internação compulsória contra a vontade da pessoa — que acabou suspensa no dia 28 de maio —, os usuários de drogas espalharam-se por diversos pontos da região central da cidade. “Esse seminário acontece em um cenário de medidas drásticas, que exigem nossa reação”, conclamou.

Graciela Touzé, da Faculdade de Ciências Sociais e do Mestrado em Abuso de Drogas da Universidade de Buenos Aires (Argentina), recordou que o tema no país começou a ser abordado na década de 90, quando houve uma grande epidemia de HIV que afetou de maneira muito particular os usuários de drogas injetáveis. O cenário provocou preocupações em relação às condições sanitárias e ao aumento da expectativa dessa população, conduzindo a uma política de redução de danos, posteriormente ampliada para outras áreas, com foco na prevenção ao uso de drogas, em ações assistenciais e na valorização do conceito de território. “As políticas de intervenção social e a ampliação da noção de saúde, que antes era exclusivamente sanitária, contribuíram para uma política muito mais ampla e inclusiva, tendo a saúde coletiva como norteadora das ações de redução de danos, dialogando de forma tão profunda e produtiva com outras áreas, como a educação popular, que são tão próprias da America Latina”, observou.

No Uruguai, uma das medidas tomadas pelo então presidente José Mujica, em 2014, foi de forma pioneira a oficialização da produção e do consumo de maconha para uso recreativo, na contramão de outros países que durante décadas construíram leis, estabeleceram burocracias estatais e costumes em torno da proibição. “O Uruguai, um país modesto, com 3,3 milhões de habitantes, equivalentes à metade da população da cidade do Rio de Janeiro ou a um sexto da região metropolitana de São Paulo, buscou o caminho da liberação”, elogiou a coordenadora da área de Redução de Riscos e Danos da Junta Nacional de Drogas do Uruguai, Esperanza Hernadez. Ela ressaltou que o país foi pioneiro em muitas ações, a exemplo da legalização do divórcio e da liberação do álcool.

Esperanza observou que a redução de danos é uma alternativa humanitária em um universo hegemônico criminalista e punitivo.  “Não é possível fazer uma política de redução de danos sem entender que o usuário é uma pessoa com responsabilidades. Além disso, essa política deve caminhar juntamente com as estratégias de regulação das drogas, estabelecendo um mercado legal, promovendo uma correção necessária”, orientou.

Felipe Cuervo Rojas, representante legal da Cooperação Técnica de Ação Social (ATS) na Colômbia, relatou que a proposta do governo não está estruturalmente articulada com a Política Nacional para a Redução de Substâncias Psicoativas e seu impacto. A estratégia atual da Colômbia quanto à temática não tem sido eficaz para acabar com a estrutura criminosa que existe por trás do tráfico de drogas. “A grande maioria dos presos por crimes de drogas não tem ligações com o tráfico de drogas”, revelou. Para Rojas, o uso de substâncias psicoativas é uma atividade de risco que podem ter um alto impacto na saúde pública, daí a necessidade de uma política que não trate de forma meramente sanitária ou punitiva. “Infelizmente, a atual estratégia colombiana contra as substâncias psicoativas é cara e não tem sido eficaz na erradicação do problema”, frisou.

Rojas falou, ainda, sobre as experiências do projeto Échele Cabeza, que faz intervenções em festas raves e festivais, com o objetivo de levar informações objetivas e diretivas sobre os risco e danos do consumo de drogas. “Buscamos compartilhar tudo o que sabemos sobre substâncias psicoativas e fornecer alerta precoce para o comportamento das substâncias na rua. Assumimos que existem pessoas que tomaram a decisão de consumir e, por isso, estamos interessados ​​em sua saúde física e mental, de modo que o consumo não se torne um problema para o indivíduo, a sociedade e o meio ambiente”, explicou. O projeto faz parte de uma iniciativa piloto do Ministério da Proteção Social da Colômbia, que além de pontos de distribuição de informação sobre redução do risco, tem como objetivo aliviar algumas situações e impactos negativos associados ao consumo de psicoativos, como os estados de desidratação, a exaustão da crise física, a hipotermia e os desequilíbrios causados ​​pela falta de alimentos e mistura de substâncias.

Novas políticas de drogas

Na mesa de debate Redução de Danos e Interseccionalidades, o integrante da Rede Latinoamericana de Pessoas que Usam Drogas (Lanpud) e da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas (INNPD), Dudu Ribeiro, definiu o conceito de redução de danos como um processo humanizador e revelou que as políticas proibicionistas de drogas começaram no Rio de Janeiro em 1923, com base em conceitos racistas. “A primeira lei nesse sentido, de 1932, proibia a maconha, o jogo do bicho e promovia a perseguição às religiões de origem africana, ao samba, à capoeira, ou seja, a um conjunto de elementos que diziam respeito à população negra”, recordou. Segundo Ribeiro, as políticas de drogas vigentes fazem com que o Rio de Janeiro implique a quarta maior população carcerária do mundo, onde 70% das pessoas presas são por tráfico de drogas e 60 mil pessoas são mortas por ano. “Pessoas tornam-se números porque são desumanizadas”, criticou.

Assessora técnica do Ministério da Saúde Pública do Uruguai para questões de saúde da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgênero), Florencia Forrisi repreendeu a política de saúde do país, que faz separação por gênero. “Essa separação de LGBT da população geral gera discriminação”, julgou. Além disso, acrescentou, o Uruguai apresenta dados escassos e desatualizados sobre o consumo de drogas, e o Ministério da Saúde do país foca na ideia de grupos de riscos, que não incluem as variações de gênero e nem orientação sexual, dificultando a criação de estratégias de redução de danos adequados para a população LGBT. “O contexto conservador ridiculariza essas pessoas, com discurso que podem curar tudo. É muito difícil criar políticas de saúde, sob tal lógica”, considerou. Sua análise sobre o tema das políticas de drogas foi seguida pela apresentação da professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental, Álcool e Drogas da Faculdade Boa Viagem (FBV-DeVry), em recife (PE), Edna Granja. Ela abordou o conceito de redução de danos sob uma ótica feminista, ressaltando as questões de gênero e o direito à liberdade do corpo.

Por Ana Paula Evangelista e Julia Neves, repórteres da Comunicação da RET-SUS

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