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22/08/2013 Versão para impressãoEnviar por email

Mais médicos ou mais saúde?

Ecos das manifestações: o pacto do governo federal para a saúde e o programa Mais Médicos deu título à mesa de debate promovida, no dia 7 de agosto, no Rio de Janeiro, pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e o Fórum de Saúde do Rio. O encontro se justificou pelas polêmicas e controvérsias em torno do programa do Ministério da Saúde que pretende levar mais médicos para regiões onde há escassez e ausência de profissionais, incluindo os estrangeiros.

Ecos das manifestações: o pacto do governo federal para a saúde e o programa Mais Médicos deu título à mesa de debate promovida, no dia 7 de agosto, no Rio de Janeiro, pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e o Fórum de Saúde do Rio. Mediada pela vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Técnológico da EPSJV, Marcela Pronko, o encontro contou a participação de Francisco Batista Júnior, farmacêutico e integrante da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, Nelson Souza e Silva, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretor do Instituto do Coração Edson Saad, e Edmar Oliveira, militante da Reforma Psiquiátrica. O encontro se justificou pelas polêmicas e controvérsias em torno do programa do Ministério da Saúde que pretende levar mais médicos para regiões onde há escassez e ausência de profissionais, incluindo os estrangeiros.

Primeiro a se apresentar, Júnior chamou atenção para a necessidade de debater com profundidade todas as propostas do governo para o SUS. "Sob uma ótica conceitual, o SUS deve ser entendido como prioritariamente público, dentro de um contexto de corresponsabilização plena dos três entes federados em todas as ações a serem desenvolvidas", salientou. Mas, segundo ele, o que se observa é a presença de verticalização e fragmentação das ações e das políticas de governo, aprofundando o modelo assistencialista da saúde centrado no médico, além da precarização do trabalho e da privatização das ações, da força de trabalho, da gestão e do gerenciamento do sistema de saúde público.

Como consequência dessas escolhas, Júnior apontou o crescimento exponencial do setor privado, com destaque para o deslocamento da mão de obra médica para o setor privado. “Esse é um debate que teremos que começar a fazer. Já faz um tempo que viajo por esse país e vejo gestor desesperado oferecendo bons salários a profissionais especialistas, e eles não querem. Quando vamos investigar onde está esse profissional, descobrimos que está trabalhando para um hospital privado conveniado ao SUS”, exemplificou.

O ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde ressaltou que o SUS está refém dos serviços privados das corporações. “A privatização do gerenciamento da rede provoca distorções na força de trabalho que repercute negativamente no SUS, principalmente na remuneração e na forma de contratação", assinalou. Ele lembrou o avanço das terceirizações e das organizações sociais de saúde, que começaram a pagar de forma diferenciada algumas especialidades médicas, implicando profundas distorções que, praticamente, inviabilizaram a administração pública da força de trabalho.

Em sua avaliação, o número de médicos no país é insuficiente e o problema reside na falta de equipes multidisciplinares. "A falta de médicos é consequência das condições precárias de trabalho, da ausência de perspectivas profissionais e do aprofundamento do modelo de atenção centrada no médico. É um absurdo esse debate estar acontecendo sem se levar em consideração que a insuficiência de médico no SUS diz respeito também à falta de equipes multiprofissionais nos três níveis da atenção à saúde", ressaltou, em alusão direta ao Programa Mais Médicos.

Para Júnior, o principal equívoco da proposta apresentada pelo Ministério da Saúde para suprir a necessidade de mais médicos no país, especialmente em lugares mais remotos, é não tratar de temas como modelo de atenção e trabalho multiprofissional. O farmacêutico disse que o programa foi apresentado pelo governo de forma autoritária, sem que fosse debatido pelo CNS e pelos movimentos sociais e setores envolvidos. Outro grande problema a ser enfrentado, acrescentou, diz respeito à proposta de extensão do curso de medicina em dois anos e de vincular o serviço no SUS à realização concomitante da residência médica, além de apontar a possibilidade de ampliação da formação médica através do ensino privado.

Entre os caminhos apontados por Júnior está a ampliação do número de médicos formados e especializados por meio de novos cursos públicos e da qualificação dos existentes e a vinda de profissionais de outros países. “Qualquer profissional de saúde que venha exercer sua profissão no país tem que passar por uma avaliação. Não concordamos com a avaliação que os médicos estão propondo, chamada Revalida. Pelo o que nós conhecemos, o Revalida não está sintonizado devidamente com o SUS”, opinou.

Ele ainda defendeu a necessidade de uma reforma curricular que contemple a adequação da formação profissional à realidade e às necessidades do SUS e do país, "e não uma formação orientada pelo e para o mercado", bem como a estruturação da atenção básica em todos os municípios do país, através de um processo de plena corresponsabilização, e a instituição do serviço civil para todos os profissionais da saúde recém graduados ou pós-residência. “Entendemos o serviço civil como forma de qualificar o profissional e meio de se colocar em prática a equipe multiprofissional a serviço da população”, frisou, finalizando sua fala defendendo o concurso público e uma carreira única no SUS, com pisos salariais nacionais por formação e diferenças de remuneração conforme o tempo de qualificação e de serviço e a dedicação exclusiva.

Silva iniciou sua fala ressaltando que o SUS não é mais um sistema único, uma vez que sofre com um processo intenso de privatização. “O SUS não é mais o sistema único de saúde público porque já temos o maior número de médicos e de leitos no setor privado. O sistema público foi privatizado sem mudar a Constituição. Nisso, o governo foi competente”, ironizou. Ele citou com críticas o Relatório do Banco Mundial de 1993, que traz as diretrizes sobre a necessidade de privatização e redução do papel do estado na área da saúde, a exemplo do que já propõe as organizações sociais e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).
Segundo o professor, uma série de legislações aprovadas ou em votação caracteriza o caráter privatizante das políticas públicas do país, como a Lei Orgânica das Universidades Federais, que, segundo ele, coloca em xeque a autonomia universitária, e a Lei das Empresas Públicas de Direito Privado.  Sobre o Relatório do Banco Mundial, acrescentou, a orientação é que o governo focalize a atenção primária, deixando a alta complexidade sob responsabilidade da iniciativa privada.

Quanto ao tema da falta de médicos no país, Silva questionou o indicador que está sendo usado para medir o quantitativo necessário por grupo populacional. “O indicador médico por habitante é mais ou menos falso, porque tudo depende de como o sistema de saúde está estruturado: se estiver baseado na alta complexidade, certamente a necessidade de mais médicos será maior que se tivéssemos um sistema de saúde integrado e focado no paciente. Mas o que estou vendo é o contrário”, observou.

Ele chamou atenção para a lógica atual: transferência de capital do setor público para o setor privado. “Nós temos um Estado que enxuga os gastos do governo e transfere capital para o setor privado”, afirmou, ressaltando que isso não é mero acaso. "Há uma ideologia por trás dessa proposta", frisou.

Coube à Edmar Oliveira apontar os equívocos do Programa Mais Médicos. “Mais médicos não significa mais saúde, pressupõe uma equipe multidisciplinar, nos moldes, pelo menos, das equipes do Saúde da Família, que já vem funcionando há muito tempo”, orientou.

Ele criticou o foco dado ao profissional médico, uma vez que os demais profissionais de saúde, como auxiliares, agentes comunitários, enfermeiros e dentistas, têm papel preponderante e precisam ser valorizados. “Parece que se quer resolver os problemas da saúde da população apenas com a presença do médico, como se isso fosse resolver os problemas do SUS”, ressalvou.

Para Oliveira, o programa precisará também enfrentar a resistência da categoria médica em sair dos grandes centros para os interiores do país — vale citar que, na primeira seleção dessa iniciativa, apenas 10,5% da demanda foi atendida, o que representou a confirmação de 1.618 médicos inscritos dos 15.460 médicos requisitados por 3.511 cidades. Desse total, 522 profissionais atuam hoje no exterior. "Será preciso oferecer uma série de oportunidades aos médicos para que eles queiram mudar-se para uma comunidade no interior, sem que tenham como retaguarda uma estrutura mínima. E eu não estou falando de estrutura hospitalar", descreveu. Segundo ele, faz-se mister pensar na implantação de uma rede de saúde hierarquizada e não somente colocar o médico sozinho em um lugar remoto.

A exemplo de Batista Júnior, Oliveira defendeu uma carreira única no SUS. “Se os profissionais de saúde tivesse uma carreira de estado, com garantia de progressão e remanejamento, como acontece com os profissionais do Judiciário, iniciaríamos uma discussão mais consistente”, recomendou.

No que se referiu à formação dos médicos, Oliveira disse que as faculdades formam médicos para a saúde hospitalar, em total desacordo com a realidade e as necessidades da população. “O modelo reproduz uma elite formada nos ‘especialismos’, que tem, na estrutura hospitalar, sua manutenção de classe, fortalecendo ainda mais a desigualdade social ao distinguir os que podem pagar pelos seus serviços dos que têm planos de saúde hierarquicamente distribuídos e dos pobres que só pelo SUS podem ser atendidos”, criticou.

Para ele, a Saúde Comunitária, com boa cobertura territorial, resolveria boa parte dos casos de saúde da população, sem que as pessoas precisassem acessar os hospitais. “Mas, para isso, o sistema deveria ser colocado de cabeça para baixo, colocando a saúde básica ou comunitária na base do SUS”, finalizou.

 

Por Jéssica Santos, da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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