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09/06/2016 Versão para impressãoEnviar por email

Manicômios, nunca mais!

Ex-coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado fez duras críticas à conjuntura política atual, especialmente a medidas que ferem o processo de desinstitucionalização da saúde mental, mostrando preocupação com o retorno dos manicômios.

 Desinstitucionalização e conjuntura atual - Manicômio nunca mais deu título a uma das mais concorridas mesas de debate do 5º Congresso Brasileiro de Saúde Mental, promovido pela Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), de 26 a 28 de maio, em São Paulo. O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pedro Gabriel Delgado, que durante anos coordenou a área da Saúde Mental do Ministério da Saúde, estando à frente de ações que buscaram a inclusão de pessoas com transtornos mentais na sociedade, a exemplo do Programa de Volta para a Casa — instituído pela Lei Federal 10.708, em julho de 2003 —, fez duras críticas à conjuntura política atual, especialmente a medidas que ferem o processo de desinstitucionalização da saúde mental. "Com poucos dias de posse, o presidente interino e ilegítimo, pois é assim que considero Michel Temer, já tomou medidas que ferem de morte a universalidade do SUS", criticou, fazendo referência à aprovação, em primeiro e segundo turnos, pela Câmara dos Deputados, com apoio da base do governo, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 87/2015, prorrogando a Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2023 e ampliando de 20% para 30% o percentual a ser desvinculado. Isso significa que, caso seja aprovada, também, pelo Senado, o governo poderá destinar para onde quiser 30% das contribuições sociais, que deveriam ir para a Seguridade Social, onde estão reunidas as áreas da saúde, assistência e previdência.

Pedro Gabriel observou que o processo de desinstitucionalização e o resgate da cidadania das pessoas acometidas por transtornos mentais só foram possíveis em face da garantia de recursos financeiros e da responsabilidade dada a gestores municipais e estaduais. "Esse processo tão exitoso, mas que conquistamos com muita luta, só funciona se garantirmos um projeto de bem estar social, que se assenta em previdência — atualmente deslocada para o Ministério da Fazenda —, em educação, saúde e assistência social — esta coordenada por Osmar Terra, atual ministro do Desenvolvimento Social, que tem um projeto de lei de drogas ultraconservador e criminalizante”, criticou, em alusão ao Projeto de Lei 7.663/2010, do médico e deputado pelo PMDB do Rio Grande do Sul, que determina o registro dos viciados em drogas em um cadastro nacional e permite a internação involuntária. “A política de drogas volta a ser do âmbito da polícia. Isso significa que quem quiser vai para as comunidades terapêuticas, em internação compulsória, e quem não quiser é tratado pelo campo da segurança pública”, disse, lembrando que Terra, apesar de não ser responsável pela coordenação da política de drogas do atual governo federal — a cargo de um coronel da Polícia Militar de São Paulo, Roberto Allegretti, que vem de um contexto de repressão e violência contra usuários de drogas -, tem forte influência sobre esse contexto, fazendo valer suas convicções de que o usuário precisa ser punido para que o consumo de drogas seja coibido. 

Segundo Pedro Gabriel, é preciso resistir, pois a desinstitucionalização já se provou bastante exitosa, provocando profundas mudanças na vida de pessoas excluídas. “São pessoas que passam a ter casa, que fazem sua própria agenda, que resgatam a sua religiosidade familiar e ancestral. Sai de um regime de vida que qualquer tipo de escolha era anulada”, recordou o período em que orientou o processo de inclusão de pessoas com transtornos mentais em São Paulo, quando ainda estava na Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde.

 

É preciso lutar

Usuário do SUS e colaborador do Jornal Vozes, de São Paulo, Mário Moro, destacou o tratamento humanizado que passou a ter com o advento da Lei da Reforma Psiquiátrica nº 10.216, de 6 de abril de 2001. A legislação, marco da luta antimanicomial, passou a regular as internações psiquiátricas, promovendo mudanças no modelo assistencial aos pacientes portadores de sofrimento mental, com destaque para o processo de desospitalização, por meio da criação de serviços ambulatoriais, lares protegidos e centros de atenção psicossocial (Caps). “O Caps foi minha porta de entrada para o movimento da luta antimanicomial”, sublinhou o militante, sugerindo luta e mobilização dos movimentos sociais, de forma a garantir direitos conquistados com a reforma psiquiátrica.

Médico-psiquiatra, o diretor da política de drogas da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, Marcelo Kimati Dias, falou sobre o caso das residências terapêuticas implantadas na cidade, como eixo da desinstitucionalização, e a necessidade de sustentabilidade da política. “Estamos observando um movimento, que deve se acentuar nos próximos meses, de abertura de financiamento de ações de institucionalização, por meio das comunidades terapêuticas, que são muitos similares aos hospitais psiquiátricos”, criticou, explicando que uma pessoa internada perde autonomia e capacidade de realizar qualquer projeto de vida.

Dias contou que o processo de abertura das residências terapêuticas, em substituição às longas internações, teve início na cidade de Curitiba em 2002, culminando com a saída dos últimos internados do hospital psiquiátrico Nossa Senhora da Luz, em 2013. “A abertura de residências terapêuticas seguiu-se ao processo de fechamento de 10 mil leitos de hospital psiquiátrico por ano”, revelou. Para ele, a luta atual é pela garantia das ações que possibilitaram o cuidado humanizado e a reinserção social. “Precisamos criar uma linha de interlocução com o Suas (Sistema Único de Assistência Social), por exemplo, que receberá a política de drogas, resgatar o protagonismo dos municípios na política de saúde mental e atentar para o sucateamento da política que este governo está promovendo, inclusive, pela inércia”, observou.

 

Por Katia Machado, da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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