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23/07/2015 Versão para impressãoEnviar por email

Na contramão da participação social

Na Conferência Municipal de Saúde do Rio, realizada em julho, número restrito de observadores causa desconforto e inibe a participação da sociedade, seguindo de encontro ao movimento de ampliação e fortalecimento do controle social. 

A 12ª Conferência Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, realizada entre os dias 17 e 19 de julho, sob o tema Orgulho de ser SUS – Saúde pública de qualidade na cidade, tinha como objetivo ser um espaço democrático de debate, com vistas à melhoria dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). O evento, organizado pelo Conselho Municipal e pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio, foi, porém, a edição que menos oportunizou a participação social, conforme observou a delegada Maria Yeda Lins, representante dos usuários. Aos 80 anos de idade, ela contou que esteve em todas as edições anteriores das conferencias municipais e nunca viu uma edição com tantas restrições, especialmente em relação à participação dos observadores, limitada a 60 participantes. Além disso, o credenciamento dos observadores – que diferentemente dos delegados, com direito a voz e voto, têm somente direito à voz –, previsto para as 15h, foi realizado antes do horário, fazendo com que muitas pessoas, principalmente moradores de comunidades, não pudessem garantir a participação nos debates.

De acordo com o secretário municipal e presidente do Conselho Municipal de Saúde, Daniel Soranz, o número de observadores estava previsto no regulamento e foi aprovado em assembleia, realizada na parte da manhã do primeiro dia. Ele esclareceu que foi a maior conferência do estado e garantiu que todos os segmentos – usuários, trabalhadores e gestores – estavam igualmente representados. “A grande maioria dos conselheiros representa uma parcela importante da população. Segue o mesmo regimento das conferências anteriores. Esse espaço é democrático e respeitado, de construção coletiva. Ninguém ganha no grito, mas sim no grupo, no compartilhamento de ideias”, disse, na mesa de abertura, sob fortes vaias.

Ainda na mesa de abertura, Valcler Rangel, vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), alertou para o risco que a democracia conquistada no país corre, principalmente nos espaços como as conferências. “Temos uma tarefa de aprofundar o modelo do SUS, suas necessidades e reformas. A Fiocruz é parceira da Saúde no Brasil e dos movimentos sociais. Nós queremos nos manifestar a favor das pautas que consolidam nosso sistema”, afirmou.

O secretário de saúde do estado do Rio de Janeiro, Felipe Peixoto, justificou o momento de instabilidade da democracia com a crise financeira.  “Precisamos unir as esferas de governo, por isso demos início à Central Unificada da Regulação. Já conseguimos ver esses resultados. O paciente vai ser atendido de forma unificada. Isso vai acabar com as filas e oferecer a saúde que a gente deseja. Hoje, todos podem expressar a suas opiniões. Aqui criaremos um caminho para um SUS de qualidade”, garantiu.

O Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (Iaserj) também foi tema de protestos. Na abertura, a plateia gritava “devolve o Iaserj”. Soranz esclareceu, porém, que as unidades estavam abandonadas e, por isso, foram incluídas no SUS. “O Iaserj, hoje, atende a toda a população, ao contrário do que acontecia antes, que pertencia a um pequeno grupo”, argumentou.

(Sub) financiamento

Convidado especial, o ex-ministro da saúde José Gomes Temporão, imbuído por discorrer sobre o tema Orgulho de ser SUS, contou a experiência de militância no SUS iniciada ainda nos anos 1970. Ele destacou as conferências como momentos importantes de contribuição para o sistema de saúde. “Ainda não alcançamos uma consciência política. Saúde não se confunde com medicina, mas com mudanças profundas na sociedade. A luta é pela unificação e pela equidade”, destacou. Temporão lembrou que os reformistas do século 19 já defendiam o tema da responsabilidade social e que o SUS era componente fundamental na luta contra a desigualdade. “Temos 70% da população brasileira dependente exclusivamente do SUS. Mesmo os 30% que têm plano privado utilizam o sistema público no que tange aos serviços de alta complexidade. Ainda assim não conseguimos avançar no financiamento. O SUS esta subfinanciado”, concluiu.

Público x Privado

O segundo dia da conferência do Rio foi dedicado aos grupos temáticos, reunidos para debater propostas e diretrizes aprovadas nas conferências distritais de saúde. Delegados e observadores discutiram pautas que, em articulação com outras entidades de representação da sociedade, poderão fortalecer a atuação dos conselhos de Saúde. O grupo temático que tratou do tema Financiamento do SUS e a relação público x privado, um dos eixos mais polêmicos, por envolver a participação de organizações sociais, focalizou a diretriz relacionada à ampliação, à otimização e a maior fiscalização dos recursos destinados ao SUS. Quanto ao eixo, foram aprovadas 36 propostas, mas apenas três referiam-se ao âmbito nacional e cinco, ao âmbito estadual. No âmbito nacional, as propostas aprovadas foram: revisão da Emenda Constitucional 86/2015, que institui o piso escalonado de 15% da receita corrente líquida federal para o financiamento do SUS, e apoio ao Movimento Saúde+10, que defende o investimento de 10% da receita corrente bruta da União em ações e serviços públicos de saúde; garantir que os recursos do SUS sejam dirigidos aos serviços públicos, sem financiamento estrangeiro, privatização ou atividades-fim executadas por organizações sociais e organizações não governamentais, bem como o ressarcimento dos recursos obtidos com repasse ao SUS pelos planos privados de saúde; e ampliar os mecanismos de fiscalização para o aumento do ressarcimento dos recursos dos planos de saúde aos atendimentos realizados no SUS, com retorno direcionado para a Atenção Básica.

No âmbito estadual, as propostas aprovadas foram: garantir o repasse dos recursos financeiros dos procedimentos executados do estado ao município, conforme a configuração das regiões de Saúde, por meio da fiscalização da sociedade civil e dos conselhos distritais e municipais e da transparência das transferências dos recursos realizados; fortalecer o aumento da qualificação dos conselheiros de saúde das três esferas de gestão do SUS, por meio da educação permanente, criando redes de informação e trocas de experiências; acessar dados e informações da prestação de contas do município, que devem ser disponibilizados; maior transparência nas relações de financiamento das organizações sociais, por meio da prestação de contas; e repactuar na Comissão Intergestora Bipartite (CIB) o financiamento do Teto Municipal da Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar (Teto MAC) na proporcionalidade da população do município.

 

Por Ana Paula Evangelista e Flavia Lima, repórteres da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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