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01/09/2016 Versão para impressãoEnviar por email

O SUS no centro do debate

Militantes e pesquisadores discorrem sobre o futuro das políticas sociais, com destaque para o que se entende por saúde pública e o que se quer para o SUS na atual conjunta política do país. 

A Casa de Oswaldo Cruz e o Comitê Fiocruz pela Democracia promoveram, no dia 31 de agosto, o debate SUS: o que é? O que poderá ser na atual conjuntura?. O encontro coincidiu com a conclusão do processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff — por 61 votos favoráveis e 20 contrários, o Senado aprovou o impeachment. Para o ex-ministro da saúde e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), José Gomes Temporão, o momento não poderia ser mais oportuno de trazer para o centro do debate o futuro das políticas sociais no Brasil, entre elas o SUS. “Estamos no limiar de uma nova conjuntura política e social que trará muitas consequências negativas. Por exemplo, há 55 projetos de Lei que, basicamente, visam a destruir o conjunto de direitos e impedir a conquista de novos. Entre eles, destaco o direito a porte de armas, as restrições ao aborto, a guarda armada, a obrigação das empresas de oferecer plano de saúde, a aprovação do chamado Escola sem Partido, as mudanças na legislação previdenciária, entre outros”, listou Temporão.  

Para o ex-ministro, a primeira estratégia a ser tomada é lutar contra a filosofia que a saúde é gasto. “Estamos novamente entre as ideias que saúde é democracia e democracia é saúde. Mas que democracia é essa que está afastando uma presidente eleita legitimadamente hoje?”, questionou. Para o outro convidado da mesa de debate, Nilton Pereira Junior, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a conjuntura expressa uma agenda neoliberal ultraconservadora, que não será reduzida e nem rapidamente superada. “Esse governo quer fazer uma contrarreforma, abdicando o que já foi conquistado na Constituição”, lamentou. Ele citou exemplos de ataques graves aos direitos sociais, com destaque para a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241. Segundo Pereira Junior, a proposta determina essencialmente o engessamento dos investimentos públicos para os próximos 20 anos. Isso porque, o Estado só poderá aumentar os gastos com o pagamento da dívida pública, enquanto custeio e investimento não poderão ser superiores ao do ano anterior mais a inflação. Isso impacta diretamente os gastos com saúde, educação e previdência, congelando o investimento nas áreas sociais e desconsiderando o crescimento da população, a demanda por bens sociais e o crescimento econômico. “Não adianta apenas lutar para que a saúde seja retirada da PEC, porque em todas as outras áreas os reflexos dos padrões sociais serão imediatos. Deixar de investir em saneamento básico, transportes, entre outros, vão incidir diretamente nas políticas de saúde”, alertou.

O doutor em Saúde Coletiva e professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Ruben de Araújo Mattos, observou que não se trata de uma conjuntura atual, mas de um processo de perdas iniciadas ainda no período de construção do SUS. “Nós saímos da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) com um balizamento sobre o SUS. No entanto, na Assembleia Constituinte (1987), o SUS foi negociado com pessoas que formavam uma categoria chamada Centrão e, ali, perdemos a visão ampliada que tínhamos sobre a saúde. Tivemos ministros do movimento sanitário apenas em 2003. Logo, a condução do governo nunca foi central”, criticou.

Mattos questionou a expressão “SUS inconcluso”, lembrando que grande parte dos militantes da saúde tem planos privados. Por fim, sugeriu que as discussões em torno dessa incoerência sejam feitas com o movimento sindical, como uma forma de esclarecer aos trabalhadores as consequências negativas de lutar pelo SUS e ao mesmo tempo brigar pela garantia de planos de saúde. “Conseguiremos nos engajar?”, indagou, lembrando que, no passado, o engajamento foi feito, mas sem articulação e mobilização.

Por Ana Paula Evangelista, repórter da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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