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13/07/2017 Versão para impressãoEnviar por email

Os direitos humanos na centralidade da atenção à saúde mental

Em sua terceira edição, Fórum de Saúde Mental realça o debate acerca da democracia e das violações de direitos. Promovido pela Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), o evento destacou-se pela perspectiva da promoção de uma sociedade mais justa, equitativa e humanizada.

Um dos mais importantes fóruns de debate no contexto das agendas da Saúde deste ano, em meio a medidas que seguem na contramão do SUS, caracterizou o 3º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, realizado de 28 a 30 de junho, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, pela Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). Sob o tema Democracia, saúde mental, violação de direitos: consequências humanas, o evento — que reuniu usuários e profissionais do sistema de saúde público e estudiosos da Saúde Mental — apontou para as questões relativas aos direitos humanos, incluindo suas garantias e violações, as relações com a política e os fenômenos sociais, focalizando os temas da solidariedade e da vulnerabilidade, a situação econômica, ética e política atual e as consequências desses fatores para o bem estar coletivo, a saúde mental e a atenção psicossocial. O debate foi permeado pela perspectiva da promoção de uma sociedade mais justa, equitativa e humanizada. 

Presidente da Abrasme e fundador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o médico Walter Ferreira lembrou a contribuição que a instituição vem dando ao campo da saúde mental, especialmente ao que tange ao cuidado humanizado dos usuários do SUS. A Abrasme, que completa 10 anos, já soma dez filiais, com ações em centros de treinamento, ensino, pesquisa e serviços de saúde mental, além da contribuição por meio do fortalecimento das entidades-membro e da ampliação do diálogo entre as comunidades técnica e científica e das comunidades com os serviços de saúde, as organizações governamentais e não governamentais e a sociedade civil.

 

A violência que gera transtorno

A Associação, iniciada com cerca de 200 fundadores, congrega atualmente milhares de profissionais de saúde, entre médicos, psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e assistentes sociais. Ferreira aproveitou a ocasião para denunciar o que chamou “genocídio acobertado” da população indígena em Santa Catarina. “Há uma grande nação indígena que está sendo exterminada. Existe um comboio criminoso que quer destruir essa cultura”, declarou. A denúncia foi confirmada por Joziléia Daniza Jagso Kaingang, coordenadora pedagógica da Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC, por meio de um abaixo-assinado, posteriormente transformado no documento oficial do Fórum. Sob o título Contra as violências, violações e retirada de direitos dos povos indígenas, o abaixo-assinado denuncia as violências e violações sofridas pelos povos indígenas do Sul do Brasil, apontado que as áreas de maior violência contra os indígenas são as contíguas à floresta Amazônica, a Região Centro-Oeste, especialmente o estado de Mato Grosso do Sul, o Sul do Brasil. “São regiões dominadas pela exploração agrícola e pelo desmatamento. Casos de violência extrema têm sido constantemente notificados pelas comunidades, como o caso do ataque promovido por fazendeiros aos índios Gamela, no Maranhão, e do assassinato covarde do menino da etnia Kaingang, Vitor, no litoral deste estado”, lamentou Joziéleia.

Para o médico pneumologista Hermano Albuquerque de Castro, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Esnp), unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), um dos temas que preocupa a comunidade científica são os rumos que seguem as políticas de enfrentamento contras as drogas. “A violência que está presente nas comunidades é ocasionada pelas agressões do Estado. Por isso, precisamos abordar com profundidade esse tema, pois essa violência provoca o adoecimento mental”, observou.

Na mesa de abertura, Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), anunciou a criação da Subcomissão Nacional de Direitos Humanos, Drogas e Saúde Mental, que terá sua primeira reunião no mês de agosto. Segundo ele, o espaço conta com representações de movimentos sociais, academia e entidade de saúde mental e drogas.

Paulo Amarante, presidente de honra da Associação, lembrou, por sua vez, os 40 anos da Luta Antimanicomial no Brasil, que juntamente com a Reforma Psiquiátrica, aprovada em 2001, diminuiu em quase 40% o  número de internações em hospitais psiquiátrico, segundo dados do Conselho Federal de Medicina (CFM). O levantamento mostra que o SUS fechou 85 hospitais e quase 16 mil leitos psiquiátricos (manicômios) nos últimos 11 anos, em substituição a um atendimento mais humanizado. Segundo a entidade, das 40.942 unidades psiquiátricas existentes em 2005, restavam 25.097 em dezembro de 2016. Esse resultado é fruto desse movimento contrário à internação que ganhou força com a adoção da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001), orientando que o atendimento psiquiátrico deve privilegiar a abordagem ambulatorial e terapêutica e evitar a internação dos pacientes.

A reforma foi construída a partir de críticas à prática de isolamento e à exclusão e às denúncias de maus-tratos contra pacientes psiquiátricos internados de forma permanente e involuntária em diversas unidades manicomiais do país, sublinhou Amarante. Desde então, o Ministério da Saúde (MS) veio, gradativamente, fechando manicômios e hospitais psiquiátricos e implantando a Rede de Atenção Psicossocial. A estratégia era criar e ampliar os pontos de atenção à saúde mental no SUS, incluindo leitos em hospitais gerais e promovendo o atendimento livre, aberto e próximo à comunidade. Amarante elogiou o pioneirismo da primeira edição do Encontro Latinoamericano de Direitos Humanos e Saúde Mental, que antecedeu o Fórum, sob o objetivo de dar visibilidade e habilitar instâncias de diálogo, análises e intercâmbio permanentes sobre as diferentes experiências de reforma e da luta antimanicomial entre os países.

 

O delírio é coletivo

Sob o tema Democracia, saúde mental, violação de direitos: consequências humanas, a conferencista Márcia Tiburi, graduada em Filosofia e Artes e doutora em Filosofia, falou sobre o quadro coletivo de delírio que marca o atual cenário da população mundial. Para ela, as teorias do psicanalista francês Charles Melman podem ser usadas para entender a atualidade de um país mestiço, colonizado e humilhado. “A tática de humilhação foi usada nos anos 1.500 e segue sendo usada com sofisticação com a morte dos jovens negros”, exemplificou. Segundo ela, o psicanalista fala sobre o Complexo de Colombo ou colonialismo latente — em referência ao navegador e explorador italiano Cristóvão Colombo —,  que propõe discutir as diferenças entre um povo mestiço. Trata-se de um complexo pelo qual o outro é desqualificado e visto como objeto. “Colombo era exibicionista, levou pessoas e se aproveitou do exotismo do índio brasileiro para mostrar na Europa”, elucida, comparando o exibicionismo de Colombo ao processo de objetificação das crianças na atualidade. “Hoje fazemos muito isso, quando as próprias famílias exibem suas crianças nas redes sociais”, iluminou.

Márcia propôs o diálogo como saída desse delírio coletivo. "Podemos produzir ações simbólicas e políticas, precisamos ocupar todos os espaços de poder de maneira inventiva. Nesse movimento, a gente perfura o delírio. Todos nós estamos sendo vítimas desse delírio e teremos que refazer as bases sociais”, orientou.

Por Ana Paula Evangelista, da Secretaria de Comunicação da RET-SUS.

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