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13/07/2017 Versão para impressãoEnviar por email

Política de drogas é focal para a Saúde Mental

O 3º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, promovido pela Abrasme, destaca a violência que orienta as ações de combate às drogas, reafirma a necessidade de revisão das políticas de combate em curso e defende a atenção aos usuários de drogas com base na defesa dos direitos humanos.

Direitos humanos, políticas de saúde e políticas sobre drogas deu título ao primeiro grande debate do 3º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, promovido pela Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), de 28 a 30 de junho, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis.  O tema, que ganhou notoriedade recente em face da desocupação violenta da região da Cracolândia, em São Paulo, no fim de maio de 2017 — representante do movimento Craco Resiste, Rafael Escobar disse que a operação na Cracolândia teve início com forte presença de policiais e que a PM chegou jogando bombas —, reafirma a necessidade de revisão das políticas de combate às drogas em curso.

Para o coordenador da mesa de debate e diretor da Abrasme, Leonardo Pinho a atenção aos usuários de drogas pela política de saúde precisa estar fundamentada na defesa dos direitos humanos e nos princípios da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial. “As ações violentas contra a população em situação de rua se espalham por diversas cidades do país, maquiadas pela implantação do Programa Nacional de Combate ao Crack”, denunciou. Ele criticou a gestão da capital paulista, que alegou necessidade de combater o tráfico no local, porém almeja a valorização imobiliária da região da Cracolândia.

Guerra às drogas em curso

Francisco Neto, coordenador- executivo do Programa Álcool, Crack e outras Drogas (PACD) da Fiocruz, brincou com o tema, afirmando que é muito difícil ter alguém que não faz uso de substâncias psicoativas, já que até chocolate e café se enquadram nesse grupo. “A grande questão é como algumas substâncias se tornam ilícitas e como lidamos com isso de forma a promover a vida das pessoas. O remédio que auxilia alguém pode ser nocivo a outro", orientou.

Ele falou sobre a experiência vivida no território de Manguinhos, onde está situada a Fiocruz. A região, que conta com diversas favelas e comunidades pobres, é constantemente atingida pela violenta política de guerra às drogas que criminaliza e autoriza ações bélicas neste como em tantos outros territórios periféricos de toda a América Latina. Ele apresentou a Carta de Manguinhos, documento que teve como objetivo promover intercâmbios para consolidar a articulação latino-americana em defesa das políticas públicas de redução de danos conectadas à reforma da política de drogas. “A política de drogas é seletiva e irracional, pois criminaliza umas pessoas e outras não”, afirmou. Sua observação encontra justificativa na pesquisa realizada pela União das Nações Unidas (ONU) em 2013, mostrando que 5,2% da população mundial que fizeram uso de substâncias ilícitas, apenas 2% tiveram problemas com o uso. Para Neto, isso significa que a maior parte faz uso recreativo, e gera, portanto, poucos danos. A preocupação, segundo o pesquisador, deveria ser os 2% dessa população, que precisam de apoio e produção de saúde.

Sobre a Lei nº 11.343, de 2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), Neto explicou que a lei aponta medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes. Para ele, essa legislação avançou em relação à privação de liberdade por usuários de drogas. No entanto, o número de pessoas presas com envolvimento com o tráfico, deste então, triplicou, ressaltando o crescimento da população carcerária no Brasil, principalmente quanto ao número de mulheres presas, com 700% de aumento nos últimos 20 anos.

Ele falou, ainda, sobre o mito criado em relação às drogas, de que elas matam. Com base em uma pesquisa que acompanhou usuário de crack por alguns anos para observar a causas de morte, Neto verificou que apenas 1,5% dos usuários morreram em decorrência do uso da substância, enquanto que as mortes associadas a outras causas — situações de brutalidade, abandono e criminalização — mataram 10 vezes mais. “No Brasil, conseguimos reduzir o uso de tabaco com a redução das propagandas. Já com as bebidas alcoolicas, a situação foi oposta: tivemos até delegação da cerveja Skol nas Olimpíadas de 2016”, criticou. Neto afirmou não defender a promoção comercial das drogas, mas sim a legalização delas, com ênfase na redução de danos.

O psiquiatra, professor-doutor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luís Fernando Tófoli, afirmou que a política antidrogas não está dando certo, mas funciona como “bode expiatório” de manipulação política. Sob o tema Drogas: bom assunto para se varrer para debaixo do tapete, Tófoli ironizou ao contar que um dos coordenadores do Programa Redenção, em São Paulo, se surpreendeu ao ouvir uma música em uma de suas visitas à Cracolândia. “Não estou defendendo o espaço, mas sim a forma e intenções com que estão atuando na região”, explicou.

Ele falou, também, sobre o problema do encarceramento e os impactos sobre a saúde mental. “Muitos de nós já atendemos pessoas que ficaram com problemas mentais porque foram presas. A nossa displicência com as nossas masmorras geraram esse processo de disputa de território”, lamentou.

Para Tófoli, falar sobre o tema das drogas implica tratar de sua descriminalização. “Eu não defendo a liberação da maconha, mas sim a sua regulamentação. O campo das drogas tem convicções muito intensas e, às vezes, incompreensíveis”, acolheu. Na avaliação de Tófoli, as discussões sobre a internação compulsória precisam estar associadas ao papel da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), e não somente ao dos centros de Atenção Psicossocial (CAPS). “Estamos demorando muito para enxergar que os CAPS não darão conta, sozinhos, de toda a política de atenção à saúde mental”, orientou, defendendo, também, a participação nesse debate da assistência social e da segurança pública.

Por Ana Paula Evangelista, da Secretaria de Comunicação da RET-SUS.

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