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27/11/2014 Versão para impressãoEnviar por email

A prioridade é regulamentar o sistema em regime de colaboração

Colóquios reúnem reflexões e proposições sobre o tema central da Conae 2014. Os 2,6 mil delegados aprovaram por unanimidade a proposta de regulamentar o artigo 23 da Constituição, segundo o qual a educação deve ser feita em regime de colaboração entre os entes federados. 

Os colóquios O Sistema Nacional de Educação (SNE), a articulação federativa e o papel do Estado democrático na garantia do direito à educação e Regime de colaboração entre sistemas de ensino e organização da educação nacional, realizados na tarde do dia 20/11, reuniram reflexões e proposições sobre o tema central da Conae 2014 — O Plano Nacional de Educação (PNE) na articulação do Sistema Nacional de Educação: participação popular, cooperação federativa e regime de colaboração. Não por um acaso que os 2,6 mil delegados inscritos aprovaram por unanimidade a proposta de regulamentar o artigo 23 da Constituição, segundo o qual a educação deve ser feita em regime de cooperação e colaboração entre os entes federados.

Da primeira mesa de debate, coordenada por Jucileide Aragão (ao centro), representante do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), participaram a doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará e ativista do Movimento Negro, Zélia Amador de Deus (à esq.), e o doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e professor da PUC Minas Gerais, Carlos Roberto Jamil Cury (à dir.). “O grande desafio quando se trata do sistema nacional de educação é unir os diversos entes federados, tendo a União o papel estratégico de gerenciar o sistema, sem centralizar, e de fomentar a construção dos planos estaduais e ajudar na construção dos planos municipais de educação”, avaliou Zélia.

Cury resgatou a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o PNE, para discorrer sobre o novo conceito que a expressão sistema nacional de educação em regime de colaboração busca responder. Segundo ele, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) — criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1998 a 2006 — já remeteria à prática da colaboração.

O tema é, também, tratado pela Constituição Federal, no quarto parágrafo do artigo 211, ao indicar que, na organização de seus sistemas de ensino, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios definam formas de colaboração de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. Qual seria então a novidade que a expressão traz na atualidade? O Fundef e outros mecanismos de colaboração não seriam então suficientes? O problema, responde o professor, é que o conceito de colaboração não diz respeito apenas à função redistributiva, ou seja, à assistência técnica e financeira aos estados, Distrito Federal e municípios.

Quais seriam as formas de colaboração? Para Cury, a Conae representou espaço privilegiado para tal discussão. Ele chamou atenção para o sétimo artigo da Lei nº 13.005, por escrever que “a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios atuarão em regime de colaboração, visando ao alcance das metas e à implementação das estratégias objeto do PNE”, destacando o quinto parágrafo desse artigo, no qual, escreve que “será criada uma instância permanente de negociação e cooperação entre União, estados, Distrito Federal e municípios”. Segundo o professor, se o quinto parágrafo diz respeito aos quatros entes federativos, o seguinte implicará especificamente os estados e seus municípios. “Diz o sexto parágrafo do sétimo artigo que o fortalecimento do regime de colaboração entre estados e respectivos municípios incluirá a instituição de instâncias permanentes de negociação, cooperação e pactuação em cada estado”, citou. “Isso significa ter uma segunda mesa de pactuação entre estados e municípios, o que é absolutamente fundamental para a educação infantil”, acrescentou.

Segundo o sétimo parágrafo do mesmo artigo, o fortalecimento do regime de colaboração entre os municípios se dará mediante a adoção de arranjos de desenvolvimento da educação. “Quem vive na região metropolitana de Belém, por exemplo, dorme aqui e trabalha lá. Essa interatividade exige que os municípios façam uma mesa de negociação, para que não seja, simplesmente, um território administrativo, mas sim um território cultural”, explicou.

Cury alertou que os três parágrafos (5, 6 e 7) do sétimo artigo da Lei do PNE estão, ainda, em aberto, carecendo de um debate mais amplo. “A Conae tem a responsabilidade de pensar os sujeitos desse processo de negociação, cooperação e pactuação. Não são termos comuns”, defendeu. Segundo ele, o regime de colaboração traz luz ao debate de questões que estiveram em zonas cinzentas durante anos. “O Conselho Nacional de Educação é, hoje, um colégio interfederativo com composição e poderes capazes de atender aos reclamos, auscultar os problemas e dar soluções reais e vinculantes para que o deve ser nacional face à organização pedagógica das instituições dos sistemas de educação? Parece não ser o caso”, escreve Cury, em texto publicado para reflexão da Conae 2014.

Como exemplo da pertinência do debate, o professor citou, também, o projeto de lei do deputado federal Ságuas Moraes (PT/MT), apresentado em julho de 2014, que estabelece normas da cooperação federativa entre União, estados, Distrito Federal e municípios e entre estados e municípios, para garantia dos meios de acesso à educação pública básica e superior regida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Lembrou, ainda, o prazo de dois anos contado da publicação da lei para que o sistema esteja estruturado em todo o país — ou seja, até junho de 2016.  ”A pergunta que devemos fazer, quando se trata desse tema, é em que consiste o sistema nacional de educação. Pois ele já está previsto em lei, mas, na prática, é preciso que haja coordenação nacional, que vai costurar, provavelmente nessas mesas da qual a União faz parte, as competências dos sistemas federal, distrital, estaduais e municipais de educação. Essa é uma grande contribuição da Conae”, orientou.

 

Regime de colaboração

“Para que possamos ter, efetivamente, um Sistema Nacional de Educação, é preciso garantir por meio de lei complementar o regime de colaboração nos termos do parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal”, frisou Célia Maria Vilela Tavares, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense e professora da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo. A integrante do Fórum Nacional de Educação (FNE) falou na mesa Regime de colaboração entre sistemas de ensino e organização da educação nacional, ao lado do professor Paulo Hentz, integrante do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina.

De acordo com Célia, trata-se, nesse caso, de se construir um conjunto unificado e orgânico de ações que articula todos os aspectos da educação do país, com normas comuns válidas para todo o território nacional, visando assegurar uma educação com o mesmo padrão de qualidade para todos. Ela lembrou a Emenda Constitucional 59/2009, que determina que o ensino obrigatório, a partir de 2016, passa a ser dos quatro aos 17 anos, compreendendo a idade correspondente à segunda etapa da educação infantil e aos ensinos fundamental e médio. A mesma norma que instituiu a obrigatoriedade dos quatro aos 17 anos, também determinou que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios definirão formas de colaboração para garantir a universalização do ensino obrigatório. Dessa forma, completou, fica estabelecida a corresponsabilidade dos estados e da União para com a oferta da educação infantil, bem como a corresponsabilidade da União com a oferta do ensino médio.

Célia apontou para a urgência da discussão e implantação de uma justiça tributária no país face ao que, hoje, fica concentrado nas mãos da União (57%), dos estados e DF (25%) e dos municípios (18%). “Igual distorção se apresenta quando temos os percentuais de investimento na educação: a União investe 20%, os estados e DF 41% e os municípios 39%”, escreveu a professora.

Para ela, o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), como defendido pela meta 20 do PNE — ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país no 5º ano de vigência da lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao fim do decênio —, é um avanço para a promoção da educação de qualidade para todos e fazer frente ao desafio da justiça tributária. Segundo a estratégia 20.6 do PNE, o CAQi deverá ser implantado no prazo de dois anos, referenciado no conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional e cujo financiamento será calculado com base nos respectivos insumos indispensáveis ao processo de ensino-aprendizagem e será progressivamente reajustado até a implantação plena do Custo Aluno Qualidade(CAQ). "É urgente a regulação do PNE, suas metas e estratégias”, orientou.

Hentz frisou que colaboração significa convivência autônoma entre os entes da federação. “Guardamos, porém, alguns vícios ao sairmos de Estado unitário, no tempo do Império, para Estado federativo, com a República, conservando a ideia de que a União deve assumir tudo e a crença na ideia de hierarquia de legitimidade e de competência”, ressalvou. Segundo ele, a sociedade tem em seu imaginário a concepção de que a competência dos órgãos federais é excelente, dos estaduais, mediana e dos municípios, totalmente incompetente. “Está em nossa cultura que os municípios sabem menos que os estados e os estados menos que a União”, esclareceu.

Ele citou o artigo 18 da Constituição, para dizer que não há hierarquia entre os entes da federação. A descentralização, acrescentou, está explícita, ainda, na LDB, nos artigos 9, 10 e 11. “Tudo isso aponta para organização do Sistema Nacional de Educação”, recomendou, explicando que o sistema nacional só pode existir se contemplar todos os sistemas de ensino criados pela Constituição Federal de 88. 

O professor fez referência aos artigos 5 e 6 da Lei nº 13.005, ressaltando que o sistema poderá se constituir como instância de fiscalização e responsabilização de cada ente diante de suas competências. Para ele, são aspectos importantes do tema: os entes se reconhecerem autônomos; compreenderem que competências legais não são permissões, mas obrigações; exigirem a prática do regime de colaboração em diferentes instâncias; praticarem o regime de colaboração com sistemas pares e com outras instâncias da federação; e construírem um sistema nacional não baseado em outros órgãos, mas na relação colaborativa dos órgãos existentes, conforme está no artigo 7 do PNE.

A defesa pelo regime de colaboração encontra justificativa, segundo os palestrantes, na necessidade de responsabilizar igual e proporcionalmente cada ente da Federação. “Aos municípios, coube todo o ensino fundamental mais o ensino infantil e, aos estados, apenas três anos do ensino médio em um cenário onde os estados, em geral, têm mais recursos que os municípios. Isso é desigual”, afirmou Célia, durante o debate promovido ao fim das apresentações.

Na avaliação de Hentz, o regime de colaboração, além da questão econômica, traz luz ao debate das competências. “Crianças, jovens e adultos, todos são objetos da educação”, reafirmou, acrescentando que a colaboração permite encontrar pontos comuns aos entes da federação e ajudar quem precisa. 

 

Por Katia Machado, editor-geral da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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