Sonia Fleury e Marise Ramos analisam as propostas dos candidatos à presidência da República para a Saúde e Educação.
Faltam 24 dias para o segundo turno da eleição presidencial. Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) disputam uma vaga para o Planalto. A disputa no primeiro turno foi acirrada: Lula recebeu 48,61% dos votos válidos e Alckmin ficou com 41,64%. Para entender um pouco mais sobre a proposta dos dois candidatos para a saúde e educação, convidamos as especialistas Sonia Fleury e Marise Ramos para analisarem alguns itens do Programa de Governo dos presidenciáveis. As propostas que elas receberam não tinham a identificação dos candidatos.
Sonia Fleury é doutora em Ciências Políticas pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e pesquisadora titular na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz. Marise Ramos é doutora em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), vice-diretora de Ensino e coordenadora da Pós-Graduação Lato-Sensu em Educação Profissional na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e professora adjunta da Faculdade de Educação da UERJ.
Educação
A criação de um piso salarial que ajude a manter o professor o máximo de tempo possível na mesma escola é uma das propostas do Programa de Luiz Inácio Lula da Silva para a educação. Para Marise Ramos, esse é um ponto importante, que representa uma luta histórica dos professores. “Alguns estados já instituíram o piso, mas essa é uma necessidade nacional. Um dos grandes problemas do professor é precisar dar aula em muitas escolas para ter uma renda razoável. Eu defendo o regime de dedicação exclusiva para os professores da educação básica e fundamental, como já acontece nas universidades. Com a melhora nas condições de trabalho haverá mudanças na qualidade educacional”, aposta.
Sem muitos comentários, Marise também apóia inteiramente as propostas de garantir a continuidade da escolarização de jovens e adultos e de democratizar a gestão educacional por meio da reorganização dos conselhos escolares, da criação de um Fórum nacional de Educação e da convocação de uma Conferência Nacional de Educação para avaliação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB).
Entrando no programa de Geraldo Alckmin, Marise não vê com bons olhos, por exemplo, a proposta de estimular a criação de disciplinas práticas e semiprofissionalizantes no ensino médio. “A LDB já diz que a educação básica deve promover para a educação tecnológica. E, para que isso aconteça, é necessário que as escolas tenham infra-estrutura, como laboratórios, por exemplo. Eu não acho que existam disciplinas semiprofissionais. E falar em ‘criação de disciplinas práticas’ é um erro: o que deve acontecer é a relação estreita entre teoria e prática”, explica.
Outra proposta é financiar escolas técnicas profissionalizantes para ampliar o acesso aos alunos mais pobres e mais velhos com recursos do Proep (Programa de Expansão da Educação Profissional) e parcerias públicas e privadas. “É o velho estigma de que o ensino técnico é para pobre. O ensino técnico é para todos. A educação profissional é uma necessidade para o Brasil e um direito dos cidadãos, não deve ser uma solução para acabar com o desemprego. A educação técnica deve ser compreendida como um direito e não como compensação para quem não pode continuar os estudos. Eu defendo as parcerias de caráter público, pois penso que a educação para todos deve ser uma política pública”, defende.
Uma idéia parecida está na proposta de criar núcleos de formação profissional voltados para jovens de 15 a 29 anos nas periferias e regiões pobres dos grandes centros. “Penso que é melhor ter escolas técnicas do que núcleos de formação”, opina.
Apostando que essa era uma proposta do programa do PT, a pesquisadora também discorda da idéia de criar o Protec, um programa de bolsas de estudo para pessoas de baixa renda fazerem curso técnico em instituições privadas. “Isso é uma espécie de Prouni para o ensino técnico. Acho que não daria certo porque o ensino técnico das escolas particulares tende a ser de baixa qualidade. Além disso, o governo não deveria colocar mais nenhum tostão no sistema S, que já se sustenta e deveria ser gratuito. Essa proposta é populista. O importante é expandir o ensino técnico público e não incentivar o privado”, diz.
Outro ponto comentado foi a criação do Programa Nacional de Certificação para o Trabalho voltado para o ensino profissionalizante realizado fora do “ordenamento oficial”. Aqui, um agrado e uma ressalva. “Eu apoio a política de certificação. Acho que é uma maneira de reconhecer os trabalhadores no local de trabalho. Mas isso deve ser feito pelas escolas técnicas, proporcionando equivalência para prosseguimento de estudos associados à política educacional e profissional”, defende.
E o que faltou nos dois programas? Para a doutora em educação, os candidatos também deveriam manifestar a intenção de aumentar o PIB (Produto Interno Bruto) vinculado à educação.
Saúde
Universalizar a atenção básica, por um lado, e, por outro, criar Centros de Atendimento Especializados de média complexidade para atender aos casos que não precisam de hospital ou pronto-socorro são duas propostas do Programa de Governo de Luiz Inácio Lula da Silva que, na opinião de Sonia Fleury, se complementam. “É coerente que ambas sejam do mesmo partido porque quando a atenção básica for universalizada, o próximo passo é atender os casos de média complexidade”, explica.
Ela também concorda com a intenção de investir no cartão SUS. “Essa é uma medida gerencial. Facilita o atendimento e permite que as auditorias de gestão saibam onde o paciente recebeu atendimento”, opina. Mesmo sem ter sido informada sobre o autor da proposta, Sonia identificou a idéia de fomentar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico e industrial sustentável como parte do Programa de reeleição de Lula.
Mudando o foco para o candidato Geraldo Alckmin, a primeira proposta selecionada do Programa do PSDB fala da necessidade de interiorizar a atenção à saúde com políticas para atrair e fixar profissionais de saúde nas áreas menos atendidas do país. Para Sonia, essa idéia tem, do ponto de vista territorial, um problema de iniqüidade. “Não se tem conseguido enviar pessoas para as regiões Norte e Nordeste, mesmo oferecendo ótimos salários. Os profissionais não querem ir para cidades sem o mínimo de infra-estrutura. Essa é uma proposta de governo muito difícil de ser operacionalizada porque envolve o desenvolvimento local da região onde o profissional da saúde deverá viver. Não é uma questão que a Saúde possa resolver sozinha”, avisa.
O mesmo tópico aponta a superlotação de emergências e a dificuldade de acesso a exames e internações nas regiões metropolitanas como um desafio para o SUS. Na opinião da pesquisadora, a solução para esse problema é incluir as regiões metropolitanas na organização federativa — que atualmente só reconhece estados e municípios. “Hoje, no Brasil, 80% da população está concentrada em nove grandes metrópoles. Isso é um problema porque os atendimentos da saúde são feitos por poucos municípios. Eu penso que os consórcios de saúde e, principalmente, o Pacto de Gestão vão permitir que os estados tenham mais poder e possam regionalizar uma área menos densa”, diz.
Um ponto que mereceu aplausos da presidente do Cebes no Programa de Alckmin é o que fala em estimular estilos de vida sadios. “Acho que esse é um ponto importante. É preciso que as pessoas previnam problemas como hipertensão arterial, diabetes e obesidade para que o governo não gaste tanto dinheiro com remédio para doenças que podem ser evitadas ou controladas a partir de hábitos saudáveis”, explica.
Mas ela acha desnecessário o item que propõe a ampliação da capacidade do SUS de fazer transplantes. “O Brasil é um dos países que mais faz transplantes no mundo. Só fica atrás dos Estados Unidos. Se eu fizesse um programa de governo, não daria ênfase a isso. Acho que existem outras questões que merecem prioridade”, afirma.
Agora juntando tudo, quais foram os pontos importantes que os dois candidatos esqueceram? “Falta falar da questão da Seguridade Social, um campo institucional que engloba Saúde, Assistência e Previdência Social. Além disso, é preciso defender que a Desvinculação de Receitas da União (DRU) não seja renovada”, conclui.
Comentar