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09/06/2016 Versão para impressãoEnviar por email

Unidos pela reforma psiquiátrica

Em sua 5ª edição, o Congresso Brasileiro de Saúde Mental fez crítica à lógica dos manicômios, ainda regente no país, e reforçou a necessidade de fortalecer a luta antimanicomial, garantindo direitos conquistados com a Lei da Reforma Psiquiátrica.

 Os gritos “Não vai ter golpe, já tem luta”, em referência ao movimento que se fortalece em defesa da democracia brasileira, incluindo aqui militantes da luta antimanicomial, ecoaram pelo auditório da Universidade Paulista (Unip), em São Paulo, cidade que sediou o 5º Congresso Brasileiro de Saúde Mental, promovido pela Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), de 26 a 28 de maio. 

Sob o tema Juntos nas diferenças: sonhos, lutas e mobilização social pela reforma psiquiátrica, o evento destacou-se também pela apresentação do Grupo Ala - Arte Louca de Alegria, com a peça Casa do Delírio, por meio da qual três atores — um caracterizado como paciente e dois, como profissionais de saúde —, retrataram a violência que sofrem as pessoas com transtornos mentais quando tratadas sob a lógica dos manicômios. Além da crítica ao modelo de tratamento das comunidades terapêuticas, regida pela lógica manicomialista, o grupo lembrou a ocupação da Coordenação Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, no início do ano, quando militantes da luta antimanicomial pediram a exoneração do psiquiatra Valencius Wurch Duarte, da Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Indicado pelo então ministro da saúde, Marcelo Castro, Valencius representava para os militantes da luta antimanicomial retrocesso, trazendo em seu currículo a direção da Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, onde se legitimava a prática de tortura, eletroconvulsoterapia, isolamento e contenção medicamentosa, que deixa a pessoa sem consciência. 

Panorama da reforma

"Nossos movimentos sociais continuam fortes e vivos. Esse espaço reafirma o processo de luta da saúde mental, contra as crueldades promovidas pelos manicômios que ainda existem Brasil a fora”, sublinhou o presidente da Abrasme, Walter Ferreira Oliveira. Ex-ministro da saúde e atual secretário municipal de saúde de São Paulo, Alexandre Padilha observou que a luta antimanicomial se destaca pelo respeito à cidadania e às diferenças, chamando atenção para o Programa De Braços Abertos, lançado pela Prefeitura de São Paulo, na região da Luz, em janeiro de 2014 — a iniciativa promoveu a redução do chamado “fluxo de usuários de drogas” em 80%, aproximadamente, além da queda da criminalidade na região popularmente conhecida como Cracolândia, onde cerca de 1.500 usuários de drogas faziam uso do crack a céu aberto em diversos pontos.

O projeto parte do resgate social dos usuários de crack, por meio de trabalho remunerado, alimentação e moradia digna, com orientação de intervenção não violenta. Suas diretrizes trazem um novo olhar sobre o dependente químico, que deixou de ser tratado como um caso de polícia e passou a ser encarado como cidadão, com direitos e capacidade de discernimento. O tratamento de saúde é uma consequência das etapas anteriores, e não condição prévia imposta para participar do programa. Além desta iniciativa, Padilha citou a importância de se substituir os hospitais psiquiátricos da cidade restantes por centros de atenção psicossocial (Caps).

Responsável pela conferência de abertura do congresso, o médico sanitarista Gastão Wagner de Souza Campos, professor titular do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade de Campinas (Unicamp) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), observou o quanto a reforma psiquiátrica avançou com o fechamento de grande parte dos leitos psiquiátricos no Brasil, substituídos por recursos de cuidado das pessoas com transtornos mentais mais humanizados.  "A reforma psiquiátrica está incompleta, mas já avançamos bastante com o fechamento de cerca de 60% dos manicômios do Brasil", garantiu.

Ele  tratou, ainda, dos desafios e perspectivas do SUS, no que tange ao campo da saúde mental, chamando atenção para a necessidade de ampliação dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), especialmente para o cuidado de usuários de álcool e outras drogas. Gastão defendeu, também, o concurso público e a reforma do Estado. “Temos que criar carreiras públicas para as áreas da atenção básica, saúde mental e saúde coletiva”, sugeriu, finalizando com o relato de um sonho que teve à época: "No dia 24 de junho, o São João será diferente. Vamos fechar tudo e marchar pela educação e pela saúde do nosso país, colocando um milhão nas ruas. Se não der certo, colocamos dois ou três milhões de pessoas".

 

Por Ana Paula Evangelista e Katia Machado, da Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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