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01/11/2004 Versão para impressãoEnviar por email

Adventistas do Sétimo Dia não querem aula no sábado

ETSUS de Assis e do Mato Grosso do Sul tentam resolver o impasse

O trabalho das ETSUS tem a ver com crenças religiosas? As experiências recentes da Rede mostram que sim. Estudantes das Escolas de Assis, em São Paulo, e de Mato Grosso do Sul — todos adventistas do sétimo dia — recusam-se a freqüentar as aulas de sexta à noite e sábado. O horário dos cursos, porém, é escolhido para atender à maioria dos alunos trabalhadores do Sistema Único de Saúde. As aulas acontecem de segunda a sexta à noite, com estágio supervisionado no sábado. Mas, segundo a religião adventista, o sábado é um dia sagrado e deve ser usado para o descanso. Para justificar essa atitude, eles citam a bíblia, em Êxodo 20:8-11: “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado doSenhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou”.

Sem freqüentar as aulas na sexta e no sábado, os alunos ultrapassam o limite de 25% de faltas determinado pela Lei nº 9.394/96, do Ministério da Educação. No Cefor de Assis, em São Paulo, uma aluna de 64 anos, do curso do Profae, ao ser informada de que seria reprovada por falta, entrou com uma ação na justiça contra a Escola. A diretora da ETSUS, Maria Cecília Arantes, pediu uma consulta à Secretaria de Estado da Educação que, com base na Legislação de Ensino Fundamental e Médio e na Constituição Federal, forneceu o parecer CNE nº 15/99, segundo o qual: “não há amparo legal para o abono de faltas a estudantes que, com base em suas convicções religiosas, deixam de comparecer às aulas em certos dias da semana”. Além disso, se a instituiçãode ensino apresentar um calendário prévio, o aluno não pode contestá-lo depois do início das aulas. Com isso, a Escola ganhou a ação, mas a aluna não concluiu o curso. “Tentamos convencê-la pelo diálogo, mas como ela se mostrou irredutível, recorremos à legislação”, diz Cecilia.

O Cefor de Mato Grosso do Sul passou pelo mesmo problema recentemente. No início do curso, ao perceber que as faltas dos alunos adventistas eram constantes, a coor-denadora do curso técnico em radiologia, Lúcia Oliveira, chamou os três estudantes para uma conversa e explicou que eles seriam reprovados caso não obtivessem o mínimo de presença exigido pela lei. “Nós demos a opção de eles cursarem as duas disciplinas da sexta-feira nas turmas de auxiliar de enfermagem e de técnico em higiene dental, já que são disciplinas básicas, mas eles não procuraram as secretarias desses cursos”, conta Lúcia.

De acordo com Washington Gonçalves, que já é técnico em enfermagem e está cursando o módulo 2 do curso técnico em radiologia, a posição da Igreja é clara e não há como “ir contra a vontade de Deus”. “Eu não vou às aulas. Isso é fato consumado. Para mim, é mais importante ser fiel a Deus”, diz. Washington, no entanto, não se recusa a trabalhar aos sábados. Segundo ele, esse dia pode ser usado para o bem, como diz Jesus em Mateus 12:11-12: “Qual dentre vós será o homem que, tendo uma só ovelha, se no sábado ela cair numa cova, não há de lançar mão dela, tirá-la? Ora, quanto mais vale um homem do que uma ovelha! Portanto, é lícito fazer bem nos sábados”. “Eu não posso deixar de atender os meus pacientes. Ninguém escolhe quando vai ficar doente”, diz o aluno. Quanto ao curso, a estratégia do estudante é cumprir todas as disciplinas e cursar as que faltarem em uma escola particular.

A coordenadora de ensino da Escola Politécnica Joaquim Venâncio, Isabel Brasil, explica que a troca de escola é legalmente possível, mas há uma perda pedagógica. “Acho que nós, educadores, defensores da escola pública laica e qualificada, devemos refletir sobre como qualquer prática religiosa pode atrapalhar um processo educativo. Certamente a formação desse profissional será prejudicada”, opina Isabel. Como ser democrático sem se tornar excludente? Como oferecer um ensino de qualidade sem ferir crenças individuais? Essa polêmica está na Rede para que as ETSUS discutam, reflitam e ajudem as outras a decidir seus impasses. Afinal, sua Escola pode passar por isso a qualquer momento.

Comentários

Sou orientadora educacional de uma escola estadual do estado do Rio de Janeiro. No início do ano, foi matriculada uma aluna menor no turno da manhã, sem informar que era adventista. Como era faltosa, chamei o responsável para esclarecer o motivos de suas faltas. O responsável comunicou que a aluna sentia muito sono devido a medicamentos e solicitou que a mesma fosse transferida para o turno da noite. A transferência foi feita e a aluna continuou faltando. Solicitei a presença do responsável novamente e ele explicou que sua filha é adventista e que não poderia frequentar as aulas nos dias de sexta-feira. A aluna em questão não comparece também em outros dias da semana e o argumento é o mesmo: os medicamentos. Sugeri que o responsável relatasse seu problema ao médico que a acompanha. Ele somente trouxe o receituário com a medicação prescrita, sem outra qualquer orientação. Quanto às aulas de sexta, ele informou que seu pastor disse que as faltas terão que ser abonadas. E os conteúdos e avaliações? Pesquisei sobre o assunto e constatei que não há amparo legal. O que faço?

Fátima,

Iremos pesquisar sobre o assunto para tentar te orientar nesse sentido. O tema só nos chegou uma única vez, aqui na Secretaria de Comunicação da RET-SUS, por meio dessa matéria que envolveu escolas da Rede. Consultaremos à coordenação de ensino da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), unidade que abriga a Secretaria de Comunicação, para ver se saberia orientar quanto a seu caso. 

Atenciosamente,

Secretaria de Comunicação da RET-SUS

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